O esporte está longe de ser uma ciência exata. Embora a maioria dos novos talentos se descubram em determinadas modalidades e desenvolva carreiras, há quem peregrine para se encontrar e fincar raízes. Alguns caminhos podem ser até inimagináveis, como para uma carioca do bairro de Santa Cruz, o mais distante do centro do Rio de Janeiro entre os 163 da Cidade Maravilhosa. Quem vê Natália Rosa pedir passagem na Seleção Brasileira de rúgbi talvez nem imagine que outras três disciplinas ajudaram a moldar a atleta prestes a completar 26 anos.
Ela nasceu em 21 de janeiro de 1999 e vem de uma família de sete irmãs. Uma delas é atleta olímpica. Figurinha do álbum da prova dos 100m rasos feminino dos Jogos de Paris-2024 e campeã do revezamento 4x100m no Pan de Lima-2019, Vitória Rosa é inspiração para a "mana" e uma das responsáveis por cavar uma vaga para Natália na Seleção de rúgbi.
Dois anos atrás, Natália trabalhava sem carteira assinada como recepcionista em uma barbearia na Barra da Tijuca, quando recebeu um telefonema de Will Broderick, o britânico, então treinador da Seleção feminina. A ligação inesperada era um convite para a carioca realizar um teste de duas semanas com a equipe no Núcleo de Alto Rendimento Esportivo de São Paulo, o NAR. Vitória também treina no centro de excelência. Ela aproveitou a abertura do técnico para novos talentos oriundos de outras modalidades e indicou a irmã.
Natália não passou por um nem por dois, mas, sim, por três mundos diferentes no esporte. Começou a trajetória no atletismo, por meio da educação física. Mostrou desenvoltura no salto em distância, em provas com barreiras, disputas de 100m e 200m rasos e chegou até competir no Troféu Brasil, o mais importante do país. Saiu em 2019 e mudou radicalmente. O destino era o bobsled — modalidade de inverno na qual uma ou até quatro pessoas realizam descidas cronometradas com um trenó em uma pista de gelo estreita e sinuosa até 150km/h. Com a delegação, realizou o sonho de viajar para o exterior na ida da Seleção aos Estados Unidos para treinamento e competição.
"Eu nem sabia o que era, nunca tinha acompanhado, mas havia assistido ao filme Jamaica Abaixo de Zero. É um esporte desafiador e falei: 'Quer saber? Vou tentar'. Falei com minha mãe. Eu nunca tinha andado de montanha-russa, imagina estar em uma montanha-russa com você pilotando a mais de 100km/h. Abracei o desafio com unhas e dentes, sem saber, só olhando na internet", relata. A relação com o esporte no gelo não durou muito. Natália retornou ao atletismo. Nesse meio tempo, também se aventurou no levantamento de peso. No entanto, devido a questões financeiras e ao fato de não poder estar vinculada a duas confederações, deixou o halterofilismo.
Mas quem diria que Natália se encontraria, mesmo, nos gramados de uma modalidade importada. Não foi amor à primeira vista. Embora tenha encarado o desafio de peito aberto, sentiu certa estranheza. O maior choque para a atleta lapidada em disputas individuais foi o contato. "Tive um pouco de medo no começo, porque só via por vídeo de amigas que faziam rúgbi. Hoje em dia, estou indo de cabeça. Mas eu já tinha o físico, sou baixa (1,63m), mas sempre fui forte. Para mim, era muita brutalidade. Você pode olhar e pensar que sou bruta, mas não sou muito. Fiquei muito receosa nos primeiros meses, de me machucar e de machucar outras pessoas. Há acidentes? Sim. Eu dou o contato, mas quando levanto, já pergunto se machuquei a companheira. Elas sempre me acalmam, porque o contato sempre foi desafiador", compartilha.
Natália atua como ponta, função que a permite explorar a velocidade. O principal papel dela é marcar os tries, ou seja, levar a bola até a linha de fundo adversária e colocá-la no chão para marcar o ponto. A carioca é a atleta com menos tempo de Seleção. Estreou oficialmente nos amistosos contra a Holanda em 28 de novembro e 4 de dezembro e, neste ano, terá o presente de jogar uma Copa do Mundo. Entre 22 de agosto e 27 de setembro, fará parte da primeira participação do Brasil no megaevento de 15 jogadoras, na Inglaterra.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
"Promete, hein. Estamos vindo com tudo, muito fortes, nos preparando bem, adquirindo condicionamento físico para não darmos mole a ninguém e atropelarmos todo mundo. Estou ansiosa. É o que costumo falar: estou com a roupa de ir. Estou feliz pelo Brasil ter conquistado essa vaga, estamos fazendo história, é a primeira vez do país no rúgbi XV. Estou muito ansiosa, doida para chegar lá e mostrar o rúgbi brasileiro", ressalta.
Há uma curiosidade sobre Natália. A atleta multifacetada é carinhosamente chamada de Pokémon ou Poke, em alusão à franquia de animação japonesa, com seres míticos que evoluem. Ela ganhou o apelido em 2019, após realizar movimento que impressionou durante aula experimental de crossfit no Rio de Janeiro. Gostou da brincadeira, levou o codinome para São Paulo e se tornou conhecida como Poke.
Cenário
O rúgbi segue uma tendência dos esportes olímpicos do Brasil: do protagonismo feminino. A modalidade surfa na onda do desenvolvimento das mulheres. Nos Jogos Olímpicos de Paris-2024, somente as Yaras, como é carinhosamente chamada a equipe feminina, conquistaram vaga. "Mesmo com pouco, fizemos muito e nos tornamos protagonistas, pela nossa garra, pela nossa força, porque queremos. Se nenhuma de nós lutarmos, não estaremos. Precisamos de muita garra", comenta.
Nem tudo são flores para o rúgbi do Brasil. Questionada sobre a popularidade da modalidade em comparação a outras disputas coletivas importadas para o país, como futebol americano e basquete, Natália vai direto ao ponto: "Falta um pouco mais de estrutura. Outras modalidades têm mais. Falta estrutura para nós, para sermos mais vistas na sociedade. Quando perguntam o que faço e respondo rúgbi, a pessoa não sabe o que é. Falta olhar um pouco mais para o nosso esporte também, não é só o país do futebol. Outros precisam ser olhados", destaca.
Natália tem um olhar para além do presente. Vinculada ao clube Pasteur, a carioca tem o desejo de jogar fora do país. "É o meu maior sonho, jogar fora do Brasil e morar. Com certeza, Austrália, Inglaterra e Portugal. Meu sonho é esse, fazer um tour jogando. Em qualquer Seleção, sempre tive essa mentalidade. Sei que aqui o atleta não é tão valorizado. Até pela questão de estudo, você ser um atleta e estudante lá fora é ter muito mais valor do que aqui", conta a aluna do segundo período de educação física. Após a trajetória profissional, ela tem o desejo de trabalhar como personal trainer em academia.
Saiba Mais
-
Esportes Vasco cede empate ao Nova Iguaçu em São Januário, na estreia pelo Carioca
-
Esportes Medina sofre lesão no ombro e perde temporada 2025 do circuito mundial de surfe
-
Esportes Com um a mais, Botafogo joga mal e perde para o Maricá pelo Carioca-2025
-
Esportes Com gramado encharcado, Vitória tropeça na estreia do Campeonato Baiano
-
Esportes De virada, Athletico vence Paraná e larga bem na estreia do Paranaense
-
Esportes Flamengo x Boavista: onde assistir, escalações e arbitragem