Futebol americano

Único brasileiro na NFL, Cairo Santos torce por mais compatriotas na liga

Kicker do Chicago Bears abre caminho como primeiro atleta do país verde-amarelo a atuar na NFL e comenta alternativas para outros jogadores alcançarem o profissionalismo na modalidade

Cairo Santos é autor de mais de mil pontos em partidas disputadas na NFL -  (crédito: Greg Fiume/Getty Images North America/AFP)
Cairo Santos é autor de mais de mil pontos em partidas disputadas na NFL - (crédito: Greg Fiume/Getty Images North America/AFP)

Cairo Santos, kicker do Chicago Bears, é mais um dos milhares de brasileiros apaixonados pela NFL. De torcedor do Flamengo com o sonho de se tornar jogador de futebol, hoje, aos 33 anos, ele vive a realidade de ser o maior nome do Brasil em outro esporte, o xará americano da bola oval. O caminho começou na mudança ainda jovem para os Estados Unidos, passou por etapas tradicionais e, após uma década de carreira, lhe rende o status de referência no país natal quando o assunto é futebol americano, com um currículo de mais de mil pontos marcados.

Como manda a tradição do brasileiro, Cairo nasceu com uma bola de futebol nos pés. E realmente do futebol normal, a redonda. O objetivo de se tornar profissional o motivou a sair de Limeira, em São Paulo, e ir fazer o ensino médio em St. Augustine, na Flórida. Por lá, brincou de chutar field goals com os amigos e a facilidade para acertar, mesmo de grandes distâncias, lhe renderam um teste para ser kicker do time de futebol americano do colégio. Foi então que o talento com a bola oval veio à tona.

O desempenho na equipe de St. Joseph's Academy foi bom e culminou com a oferta de uma bolsa de estudos para ser atleta na Universidade de Tulane, em Nova Orleans. No college, virou um dos destaques da posição e, em 2012, recebeu o prêmio Lou Groza, dado ao melhor kicker da temporada universitária. A chegada na NFL foi no Kansas City Chiefs, onde se tornou o primeiro brasileiro a atuar em uma partida da liga americana.

Vieram prêmios, momentos decisivos, lesões e decepções no percurso, até viver a melhor fase no Chicago Bears e ter orgulho do currículo de 11 anos na elite, com passagens também por Rams, Jets, Buccaneers e Titans. Até se tornar o "zika das bicudas", apelido dado pela torcida, Cairo precisou passar pelo beabá que os estadunidenses passam até virar um profissional de futebol americano. Ainda assim, apesar do papel de referência para os compatriotas, ele reforça que este não é o único passo a passo a se seguir para outros brasileiros alcançarem a NFL.

"Hoje, é mais acessível. Existem mais caminhos do que o tradicional, que é de vir para fazer o ensino médio, ter um vídeo de lances, ganhar bolsa universitária, jogar no college e, então, entrar na liga. Esse é um caminho longo e demanda investimento financeiro, mas existem outras alternativas, como o International Pathway Program (Caminho do Jogador Internacional, em português), que ajuda a criar uma ponte para o jogador que pratica o esporte em outros países", disse Cairo, ao Correio.

A iniciativa citada pelo kicker é uma medida da NFL para aumentar o número estrangeiros na liga, implementado em 2017. O programa é restrito para nascidos fora dos Estados Unidos e Canadá, focado em jovens com menos de 24 anos e que possam participar dos treinos de pré-temporada. Entre os nomes que fizeram parte, estão o australiano Jordan Mailata, do Philadelphia Eagles, e o brasileiro Durval Neto, o Duzão, atleta do Miami Dolphins por três anos.

"A gente está vendo isso no mundo inteiro, outros países conseguindo colocar jogadores em elencos da NFL. Não necessariamente precisam seguir o mesmo caminho que eu. Antigamente, tinha que ser uma galera mais nova, que vinha fazer ensino médio e depois a faculdade. Atualmente, a galera que pratica o esporte pode se filmar, fazer vídeos treinando e ir para uma universidade menor para começar. Depois que já tiver um tape (vídeo de melhores momentos), dá para pedir transferência para um college melhor e aumentar as chances de entrar na NFL", opinou o jogador do Bears.

"Estão se criando outros caminhos para chegar no mesmo lugar e ter o mesmo sonho que eu tive. Isso é muito bom, precisa ser explorado, divulgado e até ensinado para quem sonha em chegar na NFL. Até para o profissionalismo no futebol americano, porque existem outras ligas, como a UFL. Fico feliz em ver isso", acrescentou.

Bate bola com Cairo Santos

Vê semelhanças por ter acompanhado o começo de Patrick Mahomes no Chiefs e agora Caleb Williams no Bears?

Vi muitas semelhanças entre eles, nas características de jogo, a liderança, a força no braço, a capacidade de produzir jogadas espetaculares e criativas. Infelizmente, como equipe não conseguimos mostrar o melhor para ajudar a destacar essas características tão legais de ver todo dia no Caleb. Uma coisa que ajudou o Mahomes foi ter ficado um ano atrás do Alex Smith, um QB experiente e vitorioso em Kansas City, porque nos primeiros treinos ele lançava interceptações, segurava a bola demais, não via a progressão da maneira como vê hoje em dia, são coisas que levam tempo. O Caleb entrou logo de titular logo como calouro, então o aprendizado é mais dolorido. O time está receptivo para acompanhar o crescimento dele, passar por esses erros, porque ele tem um talento muito especial e vamos crescer juntos para mostrar esse potencial para a nossa franquia e para a liga.

Como analisa a temporada do Bears?

É difícil e frustrante. A gente acreditava que tinha elenco para brigar com os outros três times da divisão, mas infelizmente quando melhoramos nosso elenco as outras equipes estão na melhor fase que vi desde que cheguei, todas com mais de 11 vitórias. É bem chato a forma como a temporada correu para a gente, tínhamos muita expectativa, mas faz parte da NFL. Todos são qualificados para ganhar qualquer jogo, então é uma margem difícil e alguns times fazem parecer fácil, como o Vikings, que soube ganhar jogos com uma diferença pequena de pontos e é algo que tivemos dificuldade. O resumo é que a gente achava que ia ser muito melhor, mas foi um grande aprendizado. Acredito que os caras que estão aqui vão levar isso como uma lição, não como um ano de derrota.

E a sua temporada, com 20 acertos em 24 chutes, fora os pontos extras?

Tento controlar meu trabalho e acertar meus chutes. O ano foi um pouco frustrante, por ter tido chutes bloqueados, e quero mostrar que consigo ajudar essa equipe a ganhar. Mas é um aprendizado, tive que entender que na NFL tem caras do outro lado que querem bloquear aquele chute do mesmo tanto que eu quero acertar.

 
 
 
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Futuro na NFL

Nós sabemos que na NFL existem contratos de uma semana ou de um ano. Estamos indo para a última semana da temporada e tem uma galera que pode fazer o último jogo da carreira ou então aqui no Bears. Tento não me deixar ficar muito confortável para não achar que a regra do NFL ser Not For Long (não por muito tempo, em português) não se aplica a mim. Tenho muito orgulho no meu trabalho e tento sempre dar 100% para estender cada vez mais minha carreira e querer sempre mais.

As esperanças são melhores para 2025?

Sim, às vezes você precisa achar um jeito de ganhar. No meu mundo, quando erro um chute, meu primeiro foco é ter uma nova sequência, mas para começar você precisa acertar o próximo, depois o próximo e ganhar confiança para que as coisas voltem a fluir. Vejo que precisamos aprender a superar nossos erros e ganhar um jogo apertado fazendo as coisas certas, porque isso vai dar o fogo para ganharmos o próximo e assim em diante. Chega um momento que você agradece por ter passado por essas dificuldades, todas as sequências boas que eu tive vieram depois de algo muito chato e aprendi com isso. Têm sido vários socos na cara, mas temos a galera certa aqui, são todos de elite, e mesmo nas derrotas apertadas a gente continua se colocando nessas posições para ganhar. Isso mostra o caráter que temos, de não parar de brigar, e vai chegar o momento de ganharmos o jogo da maneira que se deve no futebol americano. Vamos continuar lutando e virar a página.

Ano passado você quase foi eleito para o Pro Bowl. Esse ano vai?

Esse ano estou menos confiante do que no ano passado, porque tive menos tentativas. O ataque não produziu tanto para me colocar em situações de chutar mais. Ano passado cheguei a 38 field goals e acertei 35, esse ano foram só 24 tentativas. Mas só de ver a galera do Brasil ainda acreditando e votando é muito legal. Foram os brasileiros que me ajudaram a ser o segundo mais votado e ficar como suplente no ano passado.

O que achou do Tanner McKee fazer dois touchdowns usando a bandeira do Brasil no capacete?

Ele veio em missão e acho interessante que o pouco que ele passou no país foi o suficiente para ele sentir que tem um pouquinho de Brasil nele. Somos gratos pelo que ele está representando na NFL para a gente. Foi muito legal ele ter feito o touchdown com a bandeira do Brasil no capacete, como eu, e que isso possa influenciar outros jogadores. Muitos parceiros de equipe todo ano querem ir comigo e conhecer nossa cultura, além do crescimento do futebol americano. O Tanner ajuda nisso e merece parabéns, até porque o que ele fez eu talvez nunca possa fazer. Já lancei um passe, mas fazer um touchdown vai ser difícil para mim.

Quer estar em um jogo da NFL no Brasil?

Com certeza. Se eu ainda estiver em um elenco da NFL vai ser mais difícil estar presente, mas tomara que caia na bye week e eu possa vir. Faz tempo que não me sinto nervoso antes de um jogo, acho que estou adaptado à pressão e ao barulho da torcida, mas eu me imaginava entrando na NeoQuímica e não sei se seria nervosismo, mas teriam sentimentos e emoções que não sinto normalmente. Ia querer sentir tudo isso, pelo que significa para mim. Como telespectador e um fã da NFL, foi a realização de um sonho ver um jogo no Brasil.

Arthur Ribeiro*
AR
postado em 01/01/2025 07:00
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