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Jairzinho, o Furacão da Copa de 1970 na conquista do tri, faz 80 anos

Correio celebra oito décadas de um dos maiores pontas da história. Entenda por que o único jogador a fazer gol em todas as partidas numa só edição da Copa não ficaria desempregado na era dos extremos

Hoje é Natal no Botafogo. É Natal no futebol brasileiro. Há 80 anos, nascia em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, Jair Ventura Filho, o Jairzinho, o Furacão da Copa do Mundo de 1970. Único jogador a balançar a rede em todos os jogos de uma só edição do torneio: sete gols em seis partidas na campanha do tricampeonato do Brasil em 1970, no México. Tchecoslováquia, Romênia, Inglaterra, Peru, Uruguai e Itália foram vítimas do sucessor do Anjos das Pernas Tortas na ponta-direita.

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Não é blasfêmia. Se você considera exagero, vá até a página 156 do livro A Pátria em Chuteiras e leia a descrição de Nelson Rodrigues sobre o dono da camisa 7 da Seleção comandada por Mário Jorge Zagallo no México. "(...) Por que não dizer, por exemplo, que Jairzinho explodiu como um Garrincha? Na história do futebol do Brasil e do mundo, só Mané faria o que Jairzinho tem feito, só Mané, repito, sabia driblar como ele, infiltrar-se como ele, fazendo dos seus marcadores palhaços de guizos", publicou em O Globo, em 19 de junho de 1970, depois de o Brasil eliminar o Uruguai nas semifinais por 3 x 1. Jairzinho marcou o gol da virada. Celebrou fazendo o sinal da cruz, quase sempre ajoelhado.

A comparação de Jairzinho com Mané não é aleatória. Jairzinho ama contar a história de como realizou o sonho de ser jogador de futebol. Sempre abençoado pelo número da perfeição: 7. Começou a brincar de futebol aos 7 anos na base do improviso. Quando não tinha bola de borracha, confiscava meia da mãe, enchia de jornal, amarrava com barbante e tentava dominá-la.

A criança morava na rua na qual trabalhava uma legião de gênios: rua General Severiano. Perto da casa dos pais, treinava o maior ataque da história do Botafogo: Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo. O moleque residia colado no clube, a uns 100m da fábrica de talentos do Glorioso. Logo, a diversão era testemunhar as atividades.

Havia um marcador implacável: o porteiro Doroteu. General Severiano tinha duas entradas. A principal, monitorada pelo segurança. A outra era a saída de lixo na Avenida Venceslau Brás. A alternativa da garotada para ver o quinteto fantástico era pular o muro. Porém, do outro lado, estava quase sempre o "rottweiler" Doroteu. Uma das ferramentas era um pedaço de pau. Ele não batia nos meninos, mas os intimidava. Volta e meia, Jairzinho ouvia um dos parças gritando "ai". Era Doroteu os convidando educadamente a sair do muro.

O serviço monitorado foi definitivamente burlado por Jairzinho aos 14 anos. Aprovado na peneira, o talentoso adolescente passou a entrar pela porta da frente. Tinha medo de ser reconhecido por Doroteu. Inevitável. Ouviu do guarda: "Estou de olho em você". Abusado, respondeu: "Tu ainda vai me ver muito aqui". Da troca de "gentilezas" nasceu a amizade. Quando começou a receber salário, deixava um trocado para Doroteu tomar um cafezinho nas redondezas.

Mais atentos do que ele, estavam os olheiros de Egídio Landolfi, o Paraguaio, técnico alvinegro à época. A turma dele via talento no menino destro e versátil. Notava a facilidade para cumprir várias funções. Aos 17 anos, em mais uma coincidência com o 7, o talento precoce foi promovido ao elenco profissional. De repente, lá estava ele estagiando com Mané Garrincha e Nilton Santos. Por sinal, o Enciclopédia o ensinou como deveria passar pelos marcadores. Ansioso, o menino driblava errado. Consagrava os beques nos treinamentos.

O destino quase desviou Jairzinho a parar na Gávea. Ele defendia um time chamado Brasileirinho na infância. O dono era torcedor do Flamengo. Insistia em levá-lo para a Gávea. Porém, Jairzinho tinha uma obsessão. "Queria ser ponta igual ao Mané Garrincha, mas descobri que igual a ele não tem", emociona-se. Fã incondicional do mestre, o discípulo considera o Anjo das Pernas Tortas superior a Edson Arantes do Nascimento. "Com todo o respeito ao Rei Pelé, o Mané Garrincha ganhou as Copas de 1958 e de 1962", crava, cheio de convicção.

Certeza só havia uma no Botafogo daquela época: Mané na ponta direita. Destro, Jairzinho começou improvisado na esquerda. Na era dos extremos, não ficaria desempregado. Hoje, seria ponta esquerda com capacidade de cortar para dentro e finalizar, teria facilidade para jogar aberto na direita, incorporaria falso 9 e até meia postiço, camisa 10, atrás de centroavante raiz. Poucos sabem, mas Jairzinho treinava até de goleiro. Disputava a posição com Pelé na Copa de 1970. Em caso de emergência, um deles assumiria as traves.

À frente do tempo, Jairzinho atribui a capacidade de reinventar-se à interação com os astros. "Joguei com monstros. Fui ponta direita por causa do professor Garrincha. Fiquei triste quando ele foi para o Corinthians. Eu disse: 'agora que estou começando você vai me abandonar?'"

Jairzinho sentiu-se órfão, mas estava pronto para tornar-se herdeiro da posição e ídolo do Botafogo, do Cruzeiro e da Seleção. Brindou o Glorioso com a Taça Brasil de 1968. Protagonizou as conquistas do Carioca em 1961, 1962, 1967 e 1968. Ganhou o Torneio Rio-SP em 1964 e em 1966. Depois de um desembarque polêmico em Belo Horizonte, sob a desconfiança de que só queria dinheiro, ganhou o Mineiro em 1975 e o maior título do clube à época: a Libertadores de 1976. Expulso no Jogo 2 contra o River Plate após treta com Perfumo, ficou fora do terceiro.

Os maiores feitos do oitentão Jairzinho estão na memória do tri e na cabeça de uma geração. Os sete gols em seis jogos na Copa do Mundo de 1970 o eternizaram ao lado de Carlos Alberto Torres, Gerson, Pelé, Tostão e Rivellino. O cabelo black power, corte viralizado pelo craque, popularizou-se. Legados de um gênio que soube fazer barba, cabelo e bigode com a habilidosa caneta direita responsável por cortar os marcadores e eternizá-lo na prateleira dos maiores da história do futebol.

 


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