ENTREVISTA

'Brasília é celeiro esportivo', analisa Janeth Arcain, lenda do basquete

Ex-integrante da santa trindade da Seleção ao lado de Hortência e Magi Paula, a paulista passou pela cidade para participar de fórum da Rede Capacitação e Transformação

"Brasília é, sim, um celeiro esportivo. Mas poderia ser melhor. Às vezes, fica só no papel". O diagnóstico é de uma especialista no assunto: Janeth Arcain. A paulista de Carapicuíba marcou época ao lado de Hortência Marcari e 'Magic' Paula. Foi campeã mundial pela Seleção Brasileira em 1994, medalhista de prata nos Jogos Olímpicos de Atlanta-1996 e bronze na edição de Sydney-2000. Terceira maior pontuadora da história da equipe verde-amarela, com 2.247 em 138 partidas, a ex-ala-armadora se tornou um elo entre o esporte e a sociedade. Foi esse o propósito, inclusive, que a trouxe a Brasília neste mês pela Rede CT - Capacitação e Transformação para participar de fórum sobre temas relacionados à descentralização de recursos, equidade, esporte e inclusão.

A organização atua no desenvolvimento de empreendimentos sociais-esportivos para o bom uso das leis de incentivo. Impactou 170 mil pessoas. Além de atletas e ex-competidores, o evento também reuniu representantes do terceiro setor. A referência do basquete nacional é engajada no assunto. Em 2002, fundou o Instituto Janeth Arcain, com objetivo de promover o desenvolvimento humano por meio do esporte. Ao Correio, a craque da década 1990 e início dos anos 2000 comenta sobre a importância do trabalho de bastidor.

"A minha história começa lá atrás, naquele ímpeto de querer montar um instituto para retribuir à sociedade, como forma de agradecimento. Não cheguei onde cheguei sozinha. É dessa forma que nós queremos participar, para ajudar nas vidas de outras pessoas", conta. "Muitas pessoas da área que estão aqui (no fórum) e podem passar um pouco de experiência para aqueles que querem iniciar os próprios projetos, ou entrar em outros, em prol do desenvolvimento social. É ótimo estar aqui, num local que é um celeiro, onde é possível transformar muitas vidas", acrescenta.

Para Janeth, a realização de fóruns em Brasília serve, sobretudo, para auxiliar interessados em contribuir com a sociedade por meio do esporte. "Nós (pessoas com longo tempo de envolvimento na área) podemos servir de espelho, para mostrar que é, sim, possível usar do esporte como meio de transformação", garante.

Janeth observa a capital como um local propício para essas discussões e um celeiro esportivo. Por isso, pede maior atenção à cidade. "É algo que fica, às vezes, muito no papel. Poderia ser maior, melhor. Porque o talento aqui é abundante", explica. A tetracampeã da WNBA, a liga norte-americana feminina, destaca como a falta de investimento contribui para resultados abaixo do esperado.

"Já vimos que o basquete masculino foi uma potência aqui. Vim muitas vezes quando fui técnica das categorias de base da Seleção para procurar meninas. Conseguimos levar algumas. Agora, vimos que isso morreu", lamenta. "É preciso que as pessoas acreditem nesse processo e invistam, não só economicamente, mas ao dar oportunidade. Existem muitos talentos por aí que acabam sem nenhuma. Assim, quem sabe, poderiam ser achadas crianças para viver um grande sonho de uma vida. É aí que fica o início de toda uma trajetória", complementou a lenda do basquete.

Três perguntas para Janeth Arcain 

O que acha que falta para que a LBF se equipare ao NBB?

O basquete nunca foi fácil de praticar e de ser implantado. É preciso de pessoas que gostem da modalidade e de professores que estejam engajados para que seja possível trazer jovens para praticar. Com as meninas ainda é um pouco mais difícil, pois sempre tivemos poucas equipes, mesmo que elas tenham qualidade. A LBF quer crescer, vem melhorando. Como ficamos numa lacuna muito grande, por essa troca de gerações na Seleção, acabamos pagando o preço do desinteresse. Para que isso seja revertido, é preciso que atividades físicas escolares sejam implementadas com vigor, para gerar esse interesse. É preciso, aos poucos, retomar esse amor.

O que pensa do futuro Olímpico do Brasil com a chegada de Marco La Porta no comando do COB?

Vejo uma mudança muito grande, positivamente falando. Houve progresso por lá desde a minha passagem. É verdade que, evidentemente, a quantidade de títulos e medalhas poderia ter sido maior. Mas é preciso salientar que as coisas não são feitas de um dia para o outro. O ciclo Olímpico é grande. Mas, se este ano em Paris as coisas correram bem, a tendência é que o próximo seja melhor ainda. Se é a quantidade suficiente, não sei. Mas sei que os resultados estão aparecendo.

Como avalia o momento da seleção feminina de basquete?

O segredo de tudo é cumprir com as etapas. Sem as pular, atravessá-las. Nós, brasileiros, somos muito imediatistas. É preciso ter paciência com o processo, acreditar, depositar esperança e apoiar as principais jogadoras do momento. Temos muito talento. Meninas como Kamilla (Cardoso), Damiris (Dantas) e Stephanie (Soares) têm muito talento. Elas podem liderar a caminhada. Não é necessário colocar pressão, para que, eventualmente, sejam brilhantes como a nossa geração foi, mas é preciso colocar esperança, e, sobretudo, apoio.

*Estagiário sob a supervisão de Marcos Paulo Lima

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