Ao abrir o ranking de seleções femininas no site da Fifa, você pode não notar nada de diferente. Recordista de títulos da Copa do Mundo, com quatro troféus, os Estados Unidos puxam a fila. Atual campeã mundial, a Espanha é vice-líder. As potências Alemanha e Inglaterra aparecem na sequência, com a terceira e quarta colocações. Finalistas nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, Suécia (5ª) e Canadá (6º) também estão no bolo. O Brasil é o sétimo. É aqui que entra a curiosidade. Estamos duas posições acima da Coreia do Norte. Mas, acredite se quiser: o país mais fechado do mundo não é um estranho no ninho das principais escolas da modalidade.
O espanto em ver a Coreia do Norte na nona colocação do ranking feminino da Fifa pode estar ligado ao futebol masculino. Isolado diplomaticamente, o país é quase inexistente para o público geral do esporte mais popular do planeta. Ocupa a posição 114 da classificação dos homens. O limbo no qual se encontra é justificado pelos resultados ruins. Em Copas do Mundo, são apenas duas participações. A última, em 2010, na África do Sul. Naquela edição, foi derrotada por Costa do Marfim, Portugal e Brasil. Na versão de 1966, teve o melhor desempenho. Perdeu para a extinta União Soviética, mas empatou contra o Chile, venceu a Itália e ameaçou passar de Portugal nas quartas de final.
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A seleção feminina da Coreia do Norte é o verdadeiro orgulho do povo e do Kim Jong-Un, o líder supremo do país há 13 anos. A presença na primeira página do ranking da entidade máxima do futebol tem, sim, um fundamento: o investimento em categorias de base. Direcionar e desenvolver novos talentos é o que tem movido a nação de 26,16 milhões de habitantes no futebol. Reflexo disso são os Mundiais da Fifa. Com três títulos, a Coreia do Norte é a mais vitoriosa da versão sub-20 do torneio, ao lado de Estados Unidos e Alemanha. A competição sub-17 também tem o protagonismo das asiáticas, com outra trinca de troféus.
Neste ano, o país arrematou as duas competições no intervalo de um mês. O Brasil foi pedágio em uma delas. As norte-coreanas venceram por 1 x 0 o duelo pelas quartas de final do Mundial Sub-20. A dobradinha de conquistas das asiáticas foi alcançada pela primeira vez em 2016. Além delas, apenas Espanha de 2022 reivindicou os dois principais títulos de base de seleções na mesma temporada. Em 2024, os sucessos causaram uma mobilização no país, segundo informações de agências internacionais. Houve carreatas, recebimento na pista do aeroporto, torcedores com flores nas ruas e bandeiras estendidas.
"Cada conquista valiosa que nossos atletas trazem tem um apelo e uma inspiração únicos, que unem ainda mais nosso povo e os impulsionam poderosamente no caminho da luta enérgica", disse King Jong-Un à Agência Central de Notícias da Coreia do Norte (KCNA, na sigla em inglês).
O Correio recorreu a uma especialista no assunto para entender o fenômeno asiático. "A Coreia do Norte não é espanto. Se você olhar para os resultados da base, elas ganhavam Mundial Sub-17 e Sub-20. Não é um espanto na formação elas serem potência", analisa Emily Lima, primeira mulher a comandar a Seleção Brasileira feminina e atual dona da prancheta do Peru.
Mas o que explica o protagonismo de mulheres de um país no qual há poucas coisas que elas podem fazer com liberdade? A resposta está na vontade do líder Kim Jong-Un. O general é fã de esportes, extremamente competitivo e patriota. Não mede esforços para exaltar a nação. Por isso, gosta de quem gosta de representar a Coreia do Norte.
De fato, elas jogam por amor. A ampla maioria não está vinculada a nenhum clube de ponta. Há relatos de que a lapidação dos talentos é feita em um "internato". As seleções nacionais se concentram no Centro Nacional de Treino (CNT) durante toda a semana. Não há registros de pagamentos. Assim como quase tudo na Coreia do Norte, o projeto é diferentão. Os pais não incentivam os filhos a se inscreverem nas peneiras. É o Estado que define se há talento ou não.
O estilo de jogo delas não é tão vistoso. São objetivas, compromissadas taticamente e têm como trunfo o vigor físico. Derrotada pelas norte-coreanas na final do sub-17, a meia Irune Dorada definiu as adversárias como "equipe muito intensa". "Elas não deixam você respirar", relatou à Fifa.
Transição
Para Emily Lima, o sucesso da Coreia do Norte levanta um questionamento para Emily Lima. "O que me estranha é não dar sequência na seleção maior, aí penso na cultura do país. As mulheres chegam a certa idade, e tudo muda. É um país complicado para mulher. Só pode ser isso, pois deveriam dar continuidade. Olhando para o ranking, elas sempre estiveram entre 15 ou 10 primeiras", expõe a treinadora.
Há várias explicações. A mais óbvia é que, assim como em outras áreas, no futebol profissional, a Coreia do Norte está atrasada. Há poucos registros da liga local. Quando cruzam a fronteira, recebem um choque de realidade. Se países como Brasil, Argentina e Colômbia não conseguem competir financeira e esportivamente com as nações da América do Norte e da Europa, imagine as norte-coreanas. Neste ano, elas ficaram de fora dos Jogos Olímpicos ao perderem para o Japão.
O país tem dificuldades na transição da base para o profissional. O fato de a Coreia do Norte ser isolada trava o intercâmbio e a evolução das jogadoras em outras ligas. Logo, se não há evolução e não se envia boleiras para fora, a seleção para no tempo. O governo rígido e controlador faz com que as atletas sejam vistas como propagandas de governo. Isso limita o desenvolvimento delas e faz com que as carreiras travem.
A última participação da Coreia do Sul em Copa do Mundo Feminina foi em 2011. Naquela temporada, cinco jogadoras caíram no antidoping e testaram positivo para um tipo raro de esteroide. O escândalo gerou o banimento do país do Mundial de 2015. A punição respingou em 2019, com nova ausência, e impactou no não comparecimento na versão de 2023.
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