São Paulo — Aos 26 anos, a brasiliense Victória Kristine Albuquerque de Miranda curte um fim de ano mágico. A meia-atacante conquistou três dos quatro títulos disputados pelo Corinthians em 2024: Série A1 do Campeonato Brasileiro Feminino, Libertadores e Supercopa do Brasil. O Corinthians só não ganhou o Paulistão. A temporada da jogadora nascida e criada em Ceilândia foi coroada com a convocação para os últimos amistosos do Brasil no ano contra a Austrália, na Oceania, e dois prêmios individuais no último dia 9, no Anhembi, na Bola de Prata ESPN 2024, o prêmio mais antigo e tradicional do país, criado em 1970 pela revista Placar. Vic foi eleita uma das melhores meias na seleção ideal. Depois, retornou ao palco para receber das mãos da Rainha Marta a Bola de Ouro, entregue à número um do país. Emocionada no discurso, ela fez uma revelação: o zelo com o corpo e a mente transformaram a performance da craque.
"Marta, obrigada. Nem nos meus maiores sonhos eu esperava receber um prêmio seu. Eu escolhi neste ano me dedicar 100% ao meu clube, à minha saúde e à cabeça. Tracei metas e atingi todas elas. Tenho mais dois anos de contrato com o Corinthians", celebrou, referindo-se a um dos trunfos dela: o preparador físico pessoal Jakson Nantes, com quem faz um trabalho à parte na Dark House, um CT de Fisiculturismo na capital paulista, explicou ao Correio depois de sair do Anhembi com a mãe carregando dois troféus.
Fã de trap, especificamente de Thiago Veigh, Vic Albuquerque cita a letra do tema das vitórias dela em 2024: "É preciso passar pela escuridão para apreciar o nascer do sol".
*O jornalista viajou a convite da ESPN (Grupo Disney)
Adeus, ano velho
Foi uma temporada incrível: três títulos em quatro campeonatos. Quase fui artilheira, isso engrandece muito o futebol feminino. Sabemos que estamos disputando com atletas incríveis. Receber os prêmios de meia do Brasileirão e a Bola de Ouro é de suma importância. Batalhei muito por isso e estou feliz.
Prêmios individuais
Sabor de dedicação, de trabalho, persistência, resiliência, de se concentrar todo ano para entregar o máximo. É muito difícil mentalmente. É a idealização de um sonho que se concretiza. Um prêmio eu já sabia, o outro eu estava com dúvida, mas a gente trabalha para se destacar individualmente também. Nesse ano, eu fui meia, atacante, lateral... A gente fez de tudo um pouquinho.
Vice-artilharia na Série A1
Não houve frustração. Meu principal objetivo era ganhar o título. O resto, individual, é detalhe. Estou feliz por ter ajudado o Corinthians.
Arrancada na temporada
A gente tem um calendário difícil e uma equipe com elenco muito forte. A gente tenta usar a maior quantidade de atletas possível. Quando chega na época do mata-mata, é difícil ficar nessa variação porque precisamos de entrosamento. É quando o time encontra o caminho e o individual se sobressai. É nesse momento que costumo me destacar. Treino bastante para isso e quero que contem comigo. Esse crescimento tem muito a ver com isso, a confiança que meu treinador tem em mim.
Motivação
Não tem motivação maior do que fazer o que a gente ama. A gente trata como trabalho, mas é o que eu amo. Tem muita gente trabalhando com o que não gosta. Eu trabalho com o que gosto desde novinha. Muitas meninas, mulheres, gostariam de estar no meu lugar. Essa é a motivação maior. Estou onde muitos sonham. Não posso dar menos do que o meu melhor.
Centenária
Quando eu cheguei no Corinthians, o meu sonho era jogar um pouquinho, talvez ser titular e ganhar alguns títulos. Não tinha tanta ambição como hoje. Aprendi isso dentro do nosso elenco. Passei dos 100 gols, ultrapassei muitos atletas. Estou com 107 e ainda tenho dois anos de contrato para aumentar essa marca. É um privilégio. Sensação de dever cumprido.
Renovação
Foi muito importante aprender sobre me valorizar, escolher o que é melhor para a minha vida. O Corinthians sempre me deu todo o suporte desde que eu cheguei. Durante esses três meses, a gente conversando, sempre foi da minha vontade continuar, desde que a gente tivesse os mesmos objetivos e seguisse uma linha parecida em relação ao que eu queria para mim e aos interesses do Corinthians. Achamos o equilíbrio para agradar os dois lados. Tenho contrato por mais dois anos e vou continuar criando novas histórias.
Mente e corpo
Se eu fosse deixar uma mensagem para uma atleta, e até mesmo para uma criança que deseja jogar futebol seria, com certeza, cuidar muito mais da cabeça do que do corpo. Apesar de o corpo ser a nossa prioridade, o nosso instrumento. O que guia é a nossa mente, como a gente lida com essa dificuldade de estar sempre se superando, tendo que ser aguerrida em todo momento. A mente tem que ser muito mais vencedora do que o corpo. Tenho um treinador pessoal (Jakson Nantes). Foi ele quem me ensinou tudo o que eu tenho aprendido nos últimos tempos.
Seleção
O momento da Seleção é único e precisa ser exaltado. Acabamos de conquistar a medalha de prata nos Jogos de Paris-2024 e temos uma competição de nível mundial no nosso país em 2027. Acho que terminar o ano vencendo dois jogos contra a Austrália foi muito importante. Isso crava um ano muito vitorioso da Seleção e valoriza o futebol feminino. Se continuarmos esse processo de renovação, nós seremos muito respeitadas.
Copa do Mundo
A expectativa é muito alta. Sabemos que a disputa é muito grande, são muitos atletas do Brasil se destacando no nível mundial. O principal de tudo é torcer para que a Seleção Brasileira vá bem nessa Copa por ser dentro da nossa casa. Vou continuar trabalhando, mas a gente sabe que as convocações nem sempre são como a gente espera no momento que a gente quer, na hora que a gente quer. Precisamos torcer pela Seleção independentemente de quem esteja lá. Estamos vendo uma renovação muito grande. Em 2027, eu vou estar com 29 anos. Tenho que cuidar muito do meu corpo para conseguir disputar com essas atletas mais jovens e cuidar muito da minha mente também, que é o principal. Estou muito feliz por estar no radar da Seleção do Arthur Elias para a Copa.
Arthur Elias
A Seleção tem um treinador que me conhece muito. O Arthur Elias foi meu técnico durante muitos anos. Ele conhece o meu mínimo e o meu máximo potencial, quando estou bem e quando estou mal. Estou tranquila quanto a isso. Se ele não me convocar, vai explicar o motivo e dar conselhos para eu melhorar. A Copa está aí e o meu desafio será cuidar do meu corpo para que eu esteja bem e apta a estar no radar da Seleção para que seja uma das escolhidas. Eu preciso continuar jogando em alto nível para que eu esteja satisfeita com o meu trabalho e aí a Seleção vai ser uma premiação, uma coroação do que faço no clube.
Pia Sundhage
Às vezes, a convocação depende muito mais do treinador do que da atleta. Estamos jogando muito bem, mas não nos encaixamos no perfil de jogo do técnico. É o caso da Pia. Ela conversou comigo e falou que gosta de atacantes com mais velocidade. Falou que o problema não era o jeito que eu jogava, mas sim a preferência dela. Eu respeito isso, o momento do treinador, a maneira como ele quer jogar. Se for para ser, vai dar certo lá e eu darei o melhor com a camisa da Seleção.
Ceilândia
Falo da minha cidade em todos os lugares. Tive os meus primeiros treinadores lá. Para mim, era só brincadeira, nem imaginava que seria uma profissão. Hoje, me divirto. Sou muito orgulhosa de ter nascido em Ceilândia. Não consigo esquecer. São muitas lembranças. Cresci jogando futebol com os meninos nas quadrinhas, depois no bairro. Recebi muito incentivo. Tive muitas pessoas em Brasília que me ajudaram. Agradeço a todas elas e à minha família. Nunca vou esquecê-las.
Música do ano
Eu escuto muito trap. Há um cantor que eu gosto muito chamado Thiago Veigh. Tem uma música dele que fala assim: é preciso passar pela escuridão para apreciar o nascer do sol. Tenho muito carinho por essa canção e acontece bastante na minha vida.