Rio de Janeiro — O samba de uma nota só praticado pela Seleção Brasileira de Dorival Júnior tem explicações. Uma delas, a carência de meias articuladores, centroavantes de ofício e o excesso de pontas. Mas esse não é um problema exclusivo do técnico da equipe masculina. Dono da prancheta feminina da Amarelinha, Arthur Elias também observa lacunas em setores do elenco medalhista de prata nos Jogos Olímpicos de Paris-2024.
O Correio esteve com o treinador eleito o melhor de modalidades coletivas femininas no Prêmio Brasil Olímpico, entregue pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB), e o questionou sobre qual seria a faixa de campo com menor oferta de jogadoras aptas a vestir a camisa da Seleção Brasileira e fincar raízes. De bate-pronto, respondeu: "Laterais". As formações táticas utilizadas pelo técnico reforçam o diagnóstico.
Após a Olimpíada na França, a Seleção Brasileira feminina disputou quatro amistosos, dois contra a Austrália e dois contra a Colômbia. Em uma das vitórias sobre as australianas, optou por uma linha com quatro defensoras e laterais fixas. Diferentemente das outras partidas, quando optou pelo 3-4-1-2, com alas. Há explicações, como a ausência da capitã e pilar pela esquerda Tamires.
A jogadora de três Copas do Mundo sofreu uma entorse durante a primeira partida nos Jogos de Paris-2024 e retornará na próxima temporada. A rotatividade no lado direito da defesa também influencia. Bruninha, Antônia, Júlia Bianchi e até a atacante Adriana assumiram a função recentemente.
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Para a mente por trás do jogo da Seleção feminina, há curiosidades por trás da escassez. "É formação, também é engraçado que é até genética, porque temos pouquíssimas canhotas. O número de canhotas é pequeno, mas temos alternativas. Às vezes, jogo com alas. Mesmo tendo um número menor, as jogadoras são qualificadas", avalia.
Arthur não gosta do verbo improvisar. Para ele, é o trabalho de adaptação que leva ao desenvolvimento. "Não entendo como improvisação. Vejo como oportunidade para evolução. Eu levo isso para as jogadoras, elas entendem e são capazes de cumprir mais de uma posição e várias funções em campo", defende.
Um dos exemplos da compreensão das jogadoras às ideias de Arthur Elias é a potiguar Antônia. Zagueira de origem, ela ganhou espaço como lateral após o título da Amarelinha na Copa América de 2022, ainda sob a batuta da sueca Pia Sundhage. Mas Arthur gostaria de minimizar as "adaptações". Um dos desejos do técnico para o ciclo ruma à Copa do Mundo de 2027, no Brasil, é lapidar novos talentos e firmá-los na equipe.
"É um desafio. O trabalho é feito disso, de tomarmos as melhores decisões para cada objetivo. Se o objetivo é a médio prazo, como uma Copa do Mundo, precisamos fazer projeção de jogadoras que estão agora ainda em uma fase mais inicial para o que elas podem fazer nesses três anos. Participar da Seleção Brasileira fará com que elas acelerem esse desenvolvimento. Tenho certeza de que com as jogadoras que têm experiência e com essa geração jovem, vamos conseguir montar uma grande Seleção para 2027", analisa.
O maior reflexo da renovação idealizada por Arthur Elias é a atacante Aline Gomes. Aos 19 anos, a paulista de Tabatinga é a terceira maior venda de um clube brasileiro para o exterior. Em julho, transferiu-se da Ferroviária para o North Carolina Courage, por R$ 1,08 milhão. A maior negociação por clubes do país envolveu o Internacional e o América do México pela atacante Priscila (R$ 2,8 milhões).
Embora projete o rejuvenescimento da Seleção, Arthur Elias não deve abrir mão de bolas de segurança. A brasiliense de Gabi Portilho é uma delas. Quem relembra o sucesso dele e da cria do Guará no Corinthians e agora com a camisa verde-amarela talvez não saiba o quanto o treinador batalhou para levá-la ao alvinegro.
"Sempre acreditei na Portilho, quis contratá-la para o Corinthians em pelo menos duas, três temporadas. Demorou, mas ela aceitou. Conseguimos fazer um trabalho de desenvolvimento dela, individualmente, e contribuindo para esse projeto histórico do Corinthians nos últimos anos. É uma atleta que não só acreditei, mas ela aproveitou as oportunidades que teve no clube e, principalmente, na Seleção. A Olimpíada foi uma coroação de um trabalho de muitos anos. Ela estava muito bem, nos ajudou demais, fez gols decisivos e sei que ainda tem muito a contribuir para a Seleção", elogiou.
Gabi Portilho escancarou a porta para brasilienses na Seleção. Na última convocação, a capital esteve representada pela medalhista de prata na França, pela atacante Vic Albuquerque, pela zagueira Kaká e por Nycole Raysla.
O principal compromisso da Seleção Brasileira feminina no próximo ano é a Copa América na Venezuela. O torneio garante os finalistas nos Jogos Olímpicos de Los Angeles-2028. Depois, todas as atenções serão direcionadas para a Copa do Mundo no Brasil.
Quatro perguntas para o dono da prancheta
A medalha de prata deu mais visibilidade à Seleção feminina?
"Acho que sim. Temos uma cultura de resultados. O resultado sempre ajuda e leva maior apoio e interesse do torcedor e da imprensa, mas o que precisamos entender é que não é só o resultado, é a maneira como a Seleção Brasileira tem jogado, tem conseguido se impor, com marcação alta, um time ofensivo... Isso tudo traz, obviamente, o torcedor apaixonado por futebol."
Há desinteresse no futebol feminino?
"O Brasil foi o segundo país que mais assistiu à Copa do Mundo de 2019 e o terceiro que mais assistiu à de 2023. Temos um interesse muito grande, que precisa ser alcançado pela mídia, pelos eventos que fazemos. Os jogos que fizemos aqui antes da Olimpíada foram muito importantes e serão para as próximas Datas Fifas para criarmos atmosfera mais favorável."
Foi um resultado surpreendente em Paris?
"Se muita gente não acreditava, eu sempre acreditei. Fiz do futebol feminino quase metade da minha vida. Quando cheguei à Seleção, falei que brigaríamos por uma seleção competitiva e vencedora, que conseguisse subir ao pódio e vencer Olimpíada e Copa do Mundo. Claro que é muito difícil, sei que da competitividade que temos internacionalmente. Na Olimpíada, mostramos a qualidade que o futebol feminino sempre teve, depois de 16 anos voltou a fazer uma final em subir ao pódio."
E o futuro?
"Agora, é pensar na Copa do Mundo. Temos três anos para nos prepararmos muito bem, ter uma Seleção cada vez mais abertas às jogadoras jovens, que possam vestir e se sentirem bem e confiantes para se desenvolverem e termos um grupo forte em 2027 para lutar e vencer uma Copa do Mundo na nossa casa, uma oportunidade única."
*O repórter viajou a convite do Comitê Olímpico do Brasil (COB)