Em 7 de junho de 2006, dois dias antes da abertura da Copa do Mundo na Alemanha, Eduardo Gonçalves de Andrade, o gabaritado Tostão, escreveu: "O Brasil tem vários espiões, olheiros ou observadores assistindo aos jogos de outras seleções. Gosto mais da palavra olheiro. Saber olhar é uma virtude. A maioria só enxerga com o olho e não vê o essencial. Em 1996, na véspera de Brasil x Japão pela Olimpíada, conheci o mais antigo olheiro brasileiro, Jairo dos Santos, até hoje na seleção. O Brasil não perdeu por falta de informações. No seu minucioso relatório, ele dizia até quantas vezes um jogador tocava a bola com as pernas direita e esquerda. Setas mostravam a movimentação dos atletas. Às vezes, uma seta trombava com a outra. Porém, ele não dava opiniões objetivas nem subjetivas sobre os adversários, como se gostou ou não do que viu. Só informava. O conhecimento vai muito além da informação", defendeu no artigo Profissão: olheiro, na Folha de S. Paulo.
O relato do campeão da Copa do Mundo de 1970 com a Seleção e da Taça Brasil de 1966 com o Cruzeiro é atemporal e remete diretamente aos belos trabalhos de Atlético-MG e Botafogo 18 anos depois. Dizem que o futebol não é o mais mesmo. De fato, passou por atualizações. Mas algumas coisas nunca mudam. A presença dos bons e velhos olheiros é exemplo, embora o termo da moda seja outro: scout. Profissionais isolados e até solitários na função ganharam departamento, mais participação e até protagonismo, como na dupla finalista da Libertadores, hoje, às 17h, no Estádio Monumental de Núñez, em Buenos Aires.
O trabalho dos homens invisíveis no Atlético-MG é chefiado por Gustavo Nicoline desde maio de 2020. Coordenador de análise de desempenho do Galo, Nicoline acumula 20 anos de experiência. Acredite se quiser, iniciou a carreira no arquirrival Cruzeiro, em 2004. Depois, contribuiu para Figueirense, Vasco e Palmeiras. Os fiéis escudeiros dele são Alexandre Cosme e Matheus Dupin. Membro da comissão do técnico Gabriel Milito, o argentino Juan Manoel Cortes também colabora. Pedro Picchioni é o coordenador técnico de scouting do clube.
É um cargo sem badalação, mas devidamente reconhecido por quem está em campo. O Hulk evidenciou isso no jogo de volta da semifinal da Copa do Brasil contra o Vasco, em outubro. O Atlético-MG perdia por 1 x 0 para o Vasco e decidiria a classificação nos pênaltis. No entanto, o vingador do Galo surpreendeu com chute colocado de fora da área, indefensável para o goleiro Léo Jardim. "Antes do jogo, o meu scout já tinha trabalhado quais seriam as possibilidades de gol: bola batida no alto na direita ou o chute cruzado no lado esquerdo do goleiro. Fui feliz na primeira oportunidade que tive, de bater como foi estudado e, graças a Deus, o gol aconteceu", compartilhou.
Reprises de jogos do time e de adversários, dados coletados durante as partidas ajudam, como os tradicionais mapas de calor dos posicionamentos da equipe e de cada atleta ajudam o técnico milito a montar a equipe. As convicções do sistema tático 3-4-3 com a bola e 5-4-1 sem ela tem a influência dos especialistas. A atuação mais simbólica do Galo nesta temporada, com o 3 x 0 sobre o River Plate no jogo de ida da semifinal da Libertadores reforça o trabalho coletivo. A função de olheiros e analistas não se restringem ao material humano do elenco. Também há quem monitore as oportunidades no mercado da bola, como Edgard Albino, ex-zagueiro do clube, que se aposentou no Ceilândia em 2006. Chegadas de peças importantes e pontuais, como o zagueiro Lyanco.
O belo trabalho do português Artur Jorge tem um quase dois times por trás. A área de scout botafoguense tem 19 profissionais comprometidos a levar os jogadores à plenitude técnica. O número de analistas é quase quatro vezes maior do que antes da venda das ações da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) para o magnata estadunidense John Textor. O cartola é polêmico, corneta arbitragem, adversários, CBF, mas não abre mão de informações precisas e capazes de decidir uma partida como a de hoje.
A mente por trás do departamento de análise do Botafogo pertence a um ex-Atlético. Alessandro Brito foi head scout do Galo por um ano e dois meses antes de arrumar as malas para o Rio de Janeiro. Brito também acumula experiências dos tempos de Internacional, Paraná e Athletico-PR. Raphael Rezende, Bruno Noce, Cristian Costa e Willian Santos também são os olhos de lince que ajudaram o Botafogo a reforçar o time e colocá-los de forma harmônica em campo no sistema 4-2-3-1 do treinador português.
Eles pinçaram Luiz Henrique no Real Betis, da Espanha. Observaram bem a oportunidade de repatriar o centroavante Igor Jesus dos Emirados Árabes Unidos. O meia Thiago Almada foi a principal contratação do segundo semestre após duas temporadas e meia na emergente Major League Soccer, dos Estados Unidos.
"Se você a olha como montamos o elenco, não é só sobre os jogadores que compramos, é também sobre os atletas que achamos. O departamento de scout é, honestamente, o melhor que eu já vi no futebol. Júnior Santos, da segunda divisão do Japão, Igor Jesus, dos Emirados Árabes, em uma transferência gratuita… Temos muita sorte de termos eles", elogiou o poderoso chefão botafoguense após vitória sobre o Vasco no início deste mês.
John Textor pode comemorar a conquista do primeiro título continental como dono de clubes. Até então, não alcançou sucessos com o Crystal Palace (Inglaterra), Lyon (França), RWD Molenbeek (Bélgica) e FC Florida (EUA). Hoje, espera o primeiro final feliz com a taça continental, pois ainda há possibilidade do fim do jejum de 29 anos sem o troféu do Campeonato Brasileiro.