POLÍTICA DO ESPORTE

COB: entenda o debate sobre a candidatura do atual presidente

Eleição desta quinta-feira (3/10) é a mais sensível em 110 anos de história da organização, devido a questionamentos sobre suposto terceiro mandato de Paulo Wanderley. Dirigente se baseia na forma como ascendeu ao cargo em 2017

Diferentemente da eleição de outras instituições esportivas, o processo para escolha dos novos dirigentes do COB utilizará urnas convencionais -  (crédito: COB/Divulgação)
Diferentemente da eleição de outras instituições esportivas, o processo para escolha dos novos dirigentes do COB utilizará urnas convencionais - (crédito: COB/Divulgação)

Fundado em 8 de junho de 1914, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) teve oito presidentes antes de Paulo Wanderley Teixeira herdar o cargo após a renúncia de Carlos Arthur Nuzman — condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa —, em 2017. Três anos depois, a entidade passou pela primeira eleição com mais de um candidato desde 1979. Paulo Wanderley foi o escolhido e teve como vice Marco Antônio La Porta no ciclo entre os Jogos de Tóquio-2020 e os de Paris-2024. Nesta quinta-feira (3/10), às 10h, no Rio Janeiro, ambos protagonizarão uma "queda de braço" no pleito mais sensível em 110 anos de história da organização.

O principal motivo da discussão é a candidatura de Paulo Wanderley. Caso reeleito, o ex-presidente da Confederação Brasileira de Judô (2001-2017) completaria 11 anos à frente do COB. O período é vetado pelos artigos 18-A da Lei Pelé (nº 12.868/2013), 36 da Lei Geral do Esporte (nº 14.597/2023) e pelo próprio estatuto da instituição. Os dispositivos legais preveem, entre outros benefícios, repasses de recursos públicos e federais a entidades esportivas adeptas das medidas, como o limite de mandato de até quatro anos, com direito a uma reeleição.

O cenário leva a chapa de Marco Antônio La Porta e Yane Marques (vice), competidores e entidades ligadas ao esporte, como Atletas pelo Brasil, Pacto pelo Esporte e a Comissão de Atletas do COB (CACOB) a temerem pela interrupção do repasse de incentivo público. Segundo eles, trata-se da tentativa de um terceiro mandato. Pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) de 2020 e 2021 reforçam a tese.

"Nos manifestamos contra a candidatura dele e de qualquer outro que tente o terceiro mandato. Isso nos pegou de surpresa. O Paulo tem de reconhecer o legado, todas as regras da 18-A de governança, voto dos atletas e melhorias no estatuto que foram feitas. Achamos que isso é uma atitude que fere o que ele mesmo propôs", defende a diretora-executiva do Pacto pelo Esporte, Daniela Castro.

O estafe de Paulo Wanderley interpreta o cenário de outra maneira. A defesa se baseia na forma como o atual presidente ascendeu ao cargo. O argumento é de que, após a renúncia de Carlos Arthur Nuzman, em 11 de outubro de 2017, iniciou-se um "mandato tampão" devido a uma sucessão, tendo em vista o cargo de Paulo Wanderley na vice-presidência do COB. Portanto, Paulo Wanderley teria sido eleito no pleito de 2020, e não reeleito.

Em meio às narrativas, o diretor jurídico do COB, Luciano Hostins, consultou o jurista Lenio Luiz Streck. Segundo o parecer dele em documento de 15 páginas, a contestação da candidatura de Paulo Wanderley passa por um problema de aplicação na lei do tempo. Quando Nuzman deixou a entidade e Paulo Wanderley assumiu, o regimento interno do COB não estabelecia limites de reconduções aos cargos. A mudança foi formalizada em consonância com o artigo 18-A da Lei Pelé, em 22 de outubro de 2017. Logo, não poderia agir retroativamente e prejudicar o ato jurídico anterior.

O caso teria "zerado" na eleição de outubro de 2020, quando Paulo Wanderley é eleito com Marco Antônio La Porta como vice. "O ponto é que a mudança no Estatuto do COB estabelece esse marco zero. Isso porque não havia limitação às reconduções à época em que assumiu a gestão no quadriênio de 2017 a 2020. Os efeitos da normativa jamais podem incidir ex post facto (depois do fato, em latim)", conclui Streck.

Em entrevista ao Correio, Paulo Wanderley criticou a insistência no tema. "É uma pena, pois deveria se discutir projetos e propostas e só se questiona se pode ou não pode, vai perder verba… Não estou preocupado com isso. Estou indo para a minha primeira reeleição. Esse tema, essa dúvida que se insiste, é só de conversa, não tem nada no papel a respeito disso. Quando vier, receberá o tratamento adequado e da área jurídica. Não sou jurídico, meus advogados vão cuidar disso".

Existe uma movimentação para que a Comissão de Atletas vote em bloco na chapa de Marco La Porta e Yane Marques. Questionado sobre como seria tocar uma gestão com apoio conceitual deles, Paulo Wanderley admitiu não ter preocupação e acredita ter o suporte dos ex-competidores. Mas eles preferem não tornar a defesa pública, por medo de retaliação. "Tenho a consciência de que durante todo esse período, não tive nenhum atrito com eles. Pelo contrário, fui incentivador da participação deles no processo. Quando eu assumi o COB, era um atleta que participava da Assembleia. Hoje, 19 participam da Assembleia e dois — de 13 pessoas — no Conselho de Administração. Com relação à futurologia, de que haverá cortes, não trabalho com suposição. Vamos ver o que acontece", disse.

 

Os personagens com direito ao voto na eleição do COB
Os personagens com direito ao voto na eleição do COB (foto: Editoria de arte/CB)

Questionamento

Campeã mundial com a Seleção Brasileira de basquete em 1994 e medalhista de prata nos Jogos de Atlanta-1996, Hortência conta ao Correio que os atletas estão apreensivos. "Na eleição passada, a nossa comissão ajudou a elegê-lo, votamos em peso nele. Não podemos retroceder. Um presidente, como o Paulo Wanderley, que fez sucesso na gestão e coisas ótimas pelo COB, por que ter essa vaidade de continuar? Ela poderia ter saído lá em cima. Coloca em risco uma cadeia inteira do esporte", protesta a rainha do basquete, engajada com a Atletas pelo Brasil e Pacto pelo Esporte.

No domingo, o Conselho de Ética do COB aprovou a candidatura de Paulo Wanderley à reeleição. Embora tenha evitado o assunto, La Porta disse ter ficado surpreso com a decisão. "Sempre buscamos uma campanha positiva, apresentando projetos, mesmo não concordando com a tentativa de terceiro mandato. Criam-se teses e pareceres jurídicos que levam a uma discussão e, mais do que a uma discussão, a uma insegurança jurídica. Em caso de vitória de Paulo Wanderley, entendemos que o movimento olímpico estaria em risco", compartilha.

Na segunda-feira, o deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), ex-nadador nos Jogos de Atlanta-1996 e Sydney-2000, enviou ofício de três páginas ao ministro do Esporte, André Fufuca, questionando a participação do atual presidente do COB no pleito.

Fufuca está de férias e retornará na próxima semana. A ausência dele é questionada. "O órgão máximo do esporte brasileiro, no momento de crise, na minha opinião, precisa se posicionar. Período ruim para pedir férias. Ele pode se posicionar de férias, não tem problema. Várias vezes foram pedidas reunião e não fomos atendidos. É um momento muito crítico", destaca Hortência.

Marco La Porta foi vice de Paulo Wanderley antes de encabeçar a chapa com Yane Marques
Marco La Porta foi vice de Paulo Wanderley antes de encabeçar a chapa com Yane Marques (foto: Wander Roberto/COB)

A queda de braço também envolvem falas de Paulo Wanderley sobre permanência no cargo. Em entrevista ao Correio em março de 2022, o dirigente comentou a necessidade de trocas de comando a cada oito anos, no máximo. "Acho que a oxigenação, em qualquer entidade, é muito bem-vinda. Inclusive de funcionários. Tem de haver ideia nova. É importante ter oxigenação com qualidade. Sou favorável, sim, a essa oxigenação do esporte. E sim, quem tem convênio com o governo, principalmente, tem que obedecer essa lei. É um mandato e mais um, e até logo", discursou.

Em conversa com o jornal O Globo, publicada em 30 de outubro de 2017, também havia sido questionado sobre permanência no cargo após 2020. "Fui eleito para a presidência e isso envolve o presidente e vice. Então, estou no meu primeiro mandato e teria direito a uma reeleição. Mas não sei se tenho interesse ainda. Como eu encontrei a CBJ, não dava para ficar menos do que quatro mandatos. No COB, não. É uma estrutura organizada. O bom mesmo era ficar na minha casinha."

Na terça-feira (1º/10), a Comissão Eleitoral homologou a candidatura de Paulo Wanderley, baseada na teoria de que o atual presidente não se reelegeu em 2020, após exercer o mandato de sucessão com a renúncia de Nuzman. Paulo Wanderley tem como vice na chapa Alberto Maciel Júnior, ex-presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo.

Sabatina do Correio 

Correio entrevistou os candidatos à presidência do Comitê Olímpico do Brasil. Foram convidados presidente e vice de cada chapa, mas somente Marco Antônio La Porta e Yane Marques seguiram a proposta. O tempo de cada entrevista foi estabelecido de acordo com a disponibilidade de cada concorrente. Veja, a seguir, as propostas dos dirigentes. 

Paulo Wanderley

Marco Antônio La porta e Yane Marques

  • Os personagens com direito ao voto na eleição do COB
    Os personagens com direito ao voto na eleição do COB Foto: Editoria de arte/CB
  • Marco La Porta foi vice de Paulo Wanderley antes de encabeçar a chapa com Yane Marques
    Marco La Porta foi vice de Paulo Wanderley antes de encabeçar a chapa com Yane Marques Foto: Wander Roberto/COB
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postado em 02/10/2024 06:00 / atualizado em 02/10/2024 11:27
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