ESPORTES OLÍMPICOS

Candidatura de Paulo Wanderley à reeleição no COB é questionada por atletas

Coletivo Atletas pelo Brasil e a Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil se opõem ao possível terceiro mandato do ex-judoca. Movimento é vetado por lei em entidades esportivas

A confirmação do registro da candidatura da chapa formada por Paulo Wanderley e Alberto Maciel Júnior à presidência e a vice do Comitê Olímpico do Brasil (COB) para o ciclo até os Jogos de Los Angeles-2028 levanta questionamentos nos bastidores do esporte. Após o anúncio, a ONG Atletas pelo Brasil e a Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil (Cacob) manifestou preocupação com o pleito. 

O receio do coletivo e da Comissão é baseado no Artigo 18-A da Lei Pelé. O dispositivo estabelece que só poderão receber recursos públicos federais, incluindo repasses de loterias, entidades que respeitarem medidas, entre elas, o limite de mandato de até quatro anos, com direito a uma reeleição por presidente ou dirigente máximo.

Adversário político da chapa formada por Marco La Porta e Yane Marques, Paulo Wanderley estaria buscando a segunda reeleição. Em 2017, o potiguar radicado no Espírito Santo saiu de vice para presidente após a renúncia de Carlos Arthur Nuzman, então dono da caneta da entidade desde 1995 e condenado a 30 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Em entrevista, em 2017, o atual mandatário do COB abordou o tema. "Fui eleito e isso envolve o presidente e o vice. Então, estou no meu primeiro mandato e teria direito a uma reeleição", declarou, ao O Globo.

Em 7 de outubro de 2020, Paulo Wanderley venceu a eleição do COB, com 26 dos 48 votos possíveis, tendo o próprio Marco La Porta como vice. Em nota, a Atletas pelo Brasil e a Cacob ressaltaram o texto do Artigo 18-A. “Todos os presidentes de Comitês e Confederações estão cientes da necessidade de cumprimento da Lei Pelé. Apesar disso, por vezes, alguns deles ignoram a legislação brasileira em benefício próprio. E, nesse sentido, a candidatura de Paulo Wanderley a um terceiro mandato no COB representa um retrocesso na governança do esporte olímpico nacional”, diz trecho do comunicado. 

O coletivo reforçou não ter posicionamento contrário à gestão de Paulo Wanderley e, sim, a favor do cumprimento das regras e limites. “Qualquer presidente de comitê ou confederação, que tente buscar um terceiro mandato contra as regras da lei, coloca em risco todo o movimento esportivo que representa, já que estas entidades só sobrevivem com base no recebimento de verbas públicas e das loterias. Como cabe ao poder público nada menos do que seguir a lei, haverá a interrupção do repasse destas verbas às entidades infratoras. Sem as verbas, desestrutura-se toda a preparação de atletas e o desenvolvimento do esporte de alto rendimento no país”, segue.

A aliança de Marco La Porta e Yane Marques também se posicionou sobre o assunto. "A Chapa COB Unido apoia a legalidade acima de tudo. A candidatura do atual presidente Paulo Wanderley contraria, inclusive, o próprio Estatuto do COB, mas deixaremos essa discussão para o Governo ou para a Justiça. Queremos ser eleitos por nossas propostas, por acreditarmos num movimento olímpico brasileiro moderno e mais participativo. E seguiremos assim, nas próximas três semanas, apresentando nossas ideias, unindo confederações e atletas, até a assembleia, marcada para o próximo dia 3 de outubro", expressou.

Advogado que assessora Paulo Wanderley, Marcelo Jucá explica que não se trata de um terceiro mandato. “A legislação esportiva brasileira não veda a reeleição quando o primeiro período é um chamado ‘mandato tampão’. Além disso, essa matéria já foi objeto de demandas judiciais de outras entidades e todas as ações que transitaram em julgado não entenderam pela existência de um terceiro mandato”, detalhou, em nota. 

O pleito

Embora estejam registradas, as chapas Paulo Wanderley/Alberto Maciel Júnior e Marco La Porta/Yane Marques passarão por duas etapas de checagem antes da oficialização ao pleito: documental e de integridade. 

A nova eleição do COB está marcada para 3 de outubro, no Rio de Janeiro. A única chapa adversária é a formada pelo ex-vice Marco La Porta e por Yane Marques, medalhista de bronze do pentatlo nos Jogos de Londres-2012. 

Além da escolha para presidente e vice, serão definidos sete membros do Conselho de Administração — responsável pela definição da estratégia e pelas boas práticas de governança —, representantes das Entidades Nacionais de Administração do Desporto (ENADs), filiadas integrantes dos programas olímpicos de Verão e de Inverno e um membro independente do Conselho de Administração pelos próximos quatro anos.

Assembleia Geral do COB é composta pelos 34 presidentes das Confederações Olímpicas de Verão e Inverno filiadas ao COB, pelos dois membros brasileiros do Comitê Olímpico Internacional (COI) – Andrew Parsons e Bernard Rajzman e por 19 representantes da Comissão de Atletas.

A nota completa da Atletas pelo Brasil e Cacob

Terceiro mandato de presidentes em Comitês e Confederações esportivas é retrocesso e coloca o esporte em risco

"Recebemos com preocupação o anúncio da candidatura do Presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Paulo Wanderley Teixeira, para um terceiro mandato à frente da instituição.

Paulo Wanderley é mais um dirigente de entidade esportiva que não respeita a legislação brasileira. O Artigo 18-A da Lei Pelé, ratificado pela Lei Geral do Esporte, que garante melhores práticas de governança e transparência em Comitês e Confederações esportivas, é claro: somente poderão receber recursos públicos federais, inclusive o repasse de loterias, as entidades que adotarem determinadas medidas, dentre elas o limite de mandato de até 4 anos, permitida uma única recondução por igual período, aos seus presidentes ou dirigentes máximos. O próprio estatuto do COB também prevê apenas dois mandatos a seu presidente.

Paulo Wanderley assumiu a presidência da entidade em caráter efetivo em outubro de 2017, após renúncia de Carlos Arthur Nuzman, de quem era vice-presidente e com quem havia formado chapa conjunta na eleição anterior, e concluiu o primeiro mandato em 2020. Reconduzido ao cargo para um segundo mandato, entre 2021 e 2024, tem agora a obrigação de deixar a presidência do COB ao final deste ano.

Todos os presidentes de Comitês e Confederações estão cientes da necessidade de cumprimento do Artigo 18-A da Lei Pelé, em vigor há uma década. Apesar disso, por vezes, alguns deles ignoram a legislação brasileira em benefício próprio. E, nesse sentido, a candidatura de Paulo Wanderley a um terceiro mandato no COB representa um retrocesso na governança do esporte olímpico nacional. Além disso, na medida em que os recursos de loterias são fundamentais para a manutenção das atividades tanto do COB quanto de diversas confederações, a candidatura do atual presidente também coloca em risco todo esse ecossistema, pois, ao descumprir a lei, o COB não poderá mais receber recursos públicos.

Nunca é demais ressaltar: qualquer presidente de comitê ou confederação que tente buscar um terceiro mandato contra as regras da lei, coloca em risco todo o movimento esportivo que representa, já que estas entidades só sobrevivem com base no recebimento de verbas públicas e das loterias. Como cabe ao poder público nada menos do que seguir a lei, haverá a interrupção do repasse destas verbas às entidades infratoras, consequência direta da mera decisão e capricho de mandatários no poder em tentar um terceiro mandato. Sem as verbas, desestrutura-se toda a preparação de atletas e o desenvolvimento do esporte de alto rendimento no país.

O próprio Paulo Wanderley já se manifestou publicamente a favor do cumprimento do Artigo 18-A da Lei Pelé. Em entrevista publicada pelo jornal O Globo, em 30 de outubro de 2017, o Presidente do COB afirmou: “Fui eleito para a presidência e isso envolve o presidente e vice. Então, estou no meu primeiro mandato e teria direito a uma reeleição.”

Fica então a dúvida de qual artimanha jurídica pretende agora se valer o atual presidente do COB para permanecer no poder, e o que o teria feito mudar de opinião.

Importante registrar que não somos contra um indivíduo em questão, mas a favor do respeito às regras de limite dos mandatos e, portanto, contra qualquer tentativa de subterfúgios levadas a cabo por presidentes das entidades esportivas que, à custa de recursos públicos, buscam se perpetuar no poder.

Reafirmando nosso compromisso com a boa governança e a integridade no esporte brasileiro, seguiremos atentos e vigilantes a possíveis novas candidaturas que não atendam às exigências da lei. Esperamos também que as autoridades públicas cumpram fielmente a legislação e o respeito a regras de governança, alternância no poder e boa gestão, e esperamos que o Ministério do Esporte se posicione sobre o assunto, já que não o fez até o presente momento."

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