São Paulo — Hoje é dia de derby em São Paulo. Um time vestindo uniforme alvinegro enfrenta um adversário de verde. O roteiro bem parece o de clássico paulista do futebol, mas quem joga na verdade é o esporte homônimo americano. Pela primeira vez na história, os gigantes da National Football League (NFL) desembarcam na América do Sul e o Brasil foi o escolhido como palco para Philadelphia Eagles e Green Bay Packers, às 21h15, na Neo Química Arena, a casa do Corinthians. Com mistura de ritmo brasileiro com o estadunidense, o jogo ganha forma de espetáculo, com apresentações de Luísa Sonza, Anitta e participação especial do astro The Weekend.
Sobram motivos especiais para descrever a partida. Além de ser a visita inaugural da liga ao sul do continente americano, será a primeira vez, desde 1970, que um jogo da semana de abertura é realizado em uma sexta-feira. O centro dos holofotes e a participação do momento histórico virou motivo de celebração para os técnicos das equipes.
"Estamos muito animados por estar no Brasil, é uma honra. Estamos ansiosos para fazer história. A viagem é longa, mas isso é normal. De resto, a comida, as pessoas e tudo foi nota A+. É um privilégio. Jogar em casa, fora ou no exterior é uma ótima oportunidade para os jogadores e o nosso time mostrarem ao mundo quem somos", comentou o técnico Matt LaFleur, do Packers.
"Queremos tentar manter a normalidade, assim como faríamos na Philadelphia ou em qualquer outra cidade. Vamos fazer nosso trabalho e vencer um jogo de futebol, é nosso objetivo e o motivo de estarmos aqui. Estou há muitos anos na NFL e nunca estive em um jogo internacional, então estamos animados em jogar para essas pessoas. Tomara que eles possam ver um bom jogo e se apaixonem pelo esporte, assim como aconteceu com vários de nós", disse Nick Sirianni, head coach dos Eagles.
Ainda assim, o sentimento não foi unânime entre todos os envolvidos. Nos dias que antecederam o duelo, nomes como AJ Brown e Darius Slay expressaram receios sobre a taxa de criminalidade na capital paulista. A preocupação é fruto da desinformação. Além de fake news sobre doenças no Brasil, circularam vídeos em páginas estadunidenses afirmando que era perigoso vestir verde no Brasil, pois a cor supostamente seria associada a gangues, apesar de ser o tom tradicional das duas equipes.
Nesse cenário, surgiu um personagem improvável para mudar o panorama: Tanner McKee, quarterback reserva do Eagles. O jogador de 24 anos morou por dois anos em Curitiba para trabalho missionário antes de ir jogar na Universidade de Stanford e serviu como professor para ensinar aos companheiros sobre o país.
"Muitos vieram me perguntar sobre a cultura, como é, a comida, as pessoas, então foi divertido. O Brasil tem uma grande influência na minha vida e em quem eu sou. Estive aqui dos meus 18 aos 20 anos, então a cultura brasileira é parte de mim. Foi legal mostrar essa parte da minha vida. O churrasco brasileiro também é incrível", compartilhou Tanner. Ele também falou em português fluente na coletiva de imprensa.
Embaixador do Brasil no vestiário, o atleta, que usa uma bandeira do país no capacete, explicou a atitude dos companheiros de equipe, que depois se desculparam pelos comentários. "Acho que as pessoas geralmente têm medo daquilo que elas não conhecem. É um país que muitos deles não visitaram, não falam o idioma e conhecem pouco sobre o que se passa aqui, então é normal que tenham um pouco de medo. Mas, com um tempo aqui, eles vão ver que o povo é ótimo, simpático, e vão ter experiências que vão mudar a visão deles. Não é porque não gostam do Brasil ou do brasileiro, é só porque eles não conhecem", justificou.
Outro elemento desconhecido dos jogadores é o comportamento da torcida nos estádios de futebol, no qual quanto mais incentivo vier das arquibancadas o tempo inteiro, melhor. No futebol americano, a tática é usar o barulho dos fãs para atrapalhar o adversário quando o time da casa estiver na defesa, e o silêncio a favor na hora de atacar.
"O que eu queria dizer à torcida do Brasil é: seja o mais alto possível quando Green Bay tiver a bola, mas, quando o Eagles tiver a posse, é para estar o mais quieto que der. Quando fizermos o 'Fly Eagles fly' (movimento com os braços imitando uma ave voando) é a hora do silêncio", brincou Sirianni.
Time mandante da partida, o Eagles, inclusive, vai vestir alvinegro para homenagear o Corinthians, dono do estádio. Apesar de ter a cor verde como principal, o time da Pensilvânia acatou um pedido informal da equipe paulista para representar as cores do time. Assim, a franquia da Philadelphia usará uma combinação com capacete e calça pretos com a camisa branca. Do outro lado, o Packers estará trajado com o clássico verde e amarelo.
Não é de hoje
A NFL estreia no Brasil hoje, mas a paixão do brasileiro vem de tempos atrás e cresce ano após ano. Segundo o estudo "Yard by yard", do Ibope Rebucom, 35% da população do país se declara fã de futebol americano, número que representa um total de 41 milhões de pessoas. A estatística é 310% maior do que há 10 anos, quando apenas cerca de 10 milhões acompanhavam.
Com a partida, a esperança é de deixar um legado ainda mais positivo para o futuro da modalidade em solo verde-amarelo. "Gosto de ver o jogo expandindo. É um esporte bonito e que está lá para todo mundo. Estou animado em ver esse crescimento e ser parte disso, empolgado de ver onde vai. Espero que vocês (brasileiros) gostem e se divirtam", contou o astro Jalen Hurts, quarterback do Eagles, ao Correio.
Quando a bola rolar, ou melhor, voar, o jogo valerá a manutenção do bom desempenho do time de Philadelphia em partidas de abertura, com três vitórias consecutivas desde que Nick Sirianni assumiu como treinador. Do outro lado, o Packers venceu 59 vezes na semana 1, recorde da NFL no quesito. Então, que vença o melhor, porque quem realmente já ganhou foi o público brasileiro.
*Estagiário sob a supervisão de Marcos Paulo Lima