Paciência. Para quem tem como objetivo chegar em primeiro durante as corridas, parece difícil mentalizar o mantra. Ainda assim, essa é a palavra-chave para Tiago Guiotti Bomfim. O velocista brasiliense de 17 anos se tornou campeão brasileiro nos 110m com barreiras e vice na prova dos 100m rasos, neste mês, na Universidade de Pernambuco, no Recife, mas quer dar um passo de cada vez para repetir o sonho do pai: se tornar atleta olímpico. O resultado no nacional credenciou o jovem a disputar o Sul-Americano, em dezembro, e atingiu o índice para o Mundial sub-20, mas ele deseja ter calma nas próximas etapas da carreira.
A trajetória no atletismo começou antes mesmo de Tiago nascer. O pai, Joilto, representou o Brasil nos 110m nos Jogos de Barcelona-1992, e conheceu a mãe, Márcia, do salto em altura, por meio do esporte. Se voltar mais ainda no passado, o tio, Jailto, foi quem abriu a porta das Olimpíadas para a família, ao participar da edição de Seul-1988, na Coreia do Sul. Embora tenha sido influenciado, o garoto demorou para abraçar o gene da modalidade e preferia o futebol.
“Eu cresci em uma casa de atletas, com minha mãe, meu pai e meu tio, então desde cedo tive essa inspiração. Sempre gostei de correr e percebi muito isso quando eu jogava bola, até que uma vez meu pai me chamou para uma competição. Era mais de brincadeira, mas fiquei em quarto. O resultado me motivou, então depois disso resolvi treinar para ver no que dava”, compartilha Tiago ao Correio.
O brasiliense então começou a se dedicar ao esporte, com dicas do pai sobre técnicas de corrida e apoio da mãe em outros fatores, como lembrar da suplementação e dos cuidados com a alimentação. Tudo contribuiu para um início meteórico, sendo vice-campeão brasileiro sub-15 logo no primeiro ano. O desempenho, no entanto, fez o jovem começar a sonhar alto antes da hora e, consequentemente, surgirem as frustrações.
“No começo eu tinha muito na cabeça esse negócio de chegar na Seleção Brasileira e acho que tentei acelerar esse processo. Não adianta, as coisas têm seu tempo. Acho que ser medalhista cedo me fez almejar muita coisa. Eu ainda não estava no nível. Tem que ter paciência”, explica.
Por esse motivo, Tiago começou a focar também na preparação mental. Além da rotina com treinos seis vezes na semana e apenas um dia de descanso, o atleta faz acompanhamento psicológico e define esse cuidado como a parte mais importante para entrar na pista de corrida. Ele nomeia este fator, inclusive, como o principal para ser o título nacional na prova dos 110m com barreiras.
“Foi muito legal e gratificante. Uma surpresa para mim, porque eu não esperava ganhar, não estava confiante. Na hora, meu técnico me chamou no canto e falou: ‘bora para cima ser campeão brasileiro’. Coloquei isso na cabeça e acertei essa questão dentro de mim, então fui com tudo e deu certo”, relembra.
Hebert Simões, treinador de Tiago e professor da Universidade Católica, tem como objetivo também trabalhar o lado psicológico dos atletas e conta como foi o processo com o jovem talento. “Quando o pai dele o trouxe para treinar, ele não tinha muita coordenação, era um pouco tímido e inseguro. O esporte, os torneios e o relacionamento com os colegas o tornaram um menino mais seguro, extrovertido e responsável”, detalha
“Precisamos sempre desenvolver essa força mental, ainda mais em quem figura na ponta do ranking desde cedo, como é o caso do Tiago. A gente associa essas conquistas com as coisas que circundam a vida”, adverte.
Próximas barreiras
O objetivo seguinte de Tiago é a disputa do Sul-Americano, a primeira competição pela Seleção Brasileira, sem data e sede confirmadas até o momento. O atleta ainda está perplexo, principalmente por considerar que ele também teve índice para ir ao Mundial de Atletismo sub-20, mesmo tendo apenas 17 anos. O morador de Águas Claras é dono do quarto melhor tempo do Brasil, com 13s79 nos 110m, porém, somente dois atletas por país vão para a competição.
“Fico feliz de alcançar a Seleção tão cedo, não imaginava isso quando comecei a correr, há três anos. Não deu certo de ir ao Mundial, porque acho que não era meu tempo. Minha vez vai chegar. Claro que fiquei chateado, mas meu pai falou para ter paciência. Tudo acontece quando Deus quer”, reflete o jovem.
Conforme vai subindo de nível, Tiago começa a ter de pensar mais seriamente na decisão de qual prova seguir. Ele diz se encontrar mais nos 110m com barreiras, mas prefere os 100m rasos por ser “pura velocidade”. No par ou ímpar, a escolha será pela maior, que, segundo o velocista, abre mais portas e requer mais técnica.
Até por isso, a inspiração é em Grant Holloway dos Estados Unidos, medalhista de ouro em Paris-2024 e prata em Tóquio-2020 na prova com barreiras. O jovem brasiliense também tem como espelho um conterrâneo que tem até o sobrenome em comum: Caio Bonfim. "Ele é uma referência, medalhista, um dos melhores. Iniciei no mesmo clube do Caio e do pai dele, que é gestor do clube. Gostava muito de mim, sempre incentiva. Lembro que ele ficou bem triste quando saí do clube dele, mas com certeza deixaram uma influência gigante", conta;
Atleta do Praia Clube desde o começo do ano, o jovem talento viu as condições melhorarem, com apoio financeiro e suporte nas competições. Agora, o foco é correr e realizar os sonhos. “Primeiro vem o Sul -Americano e tomara que uma medalha de ouro. Lá na frente, a grande meta é a Olimpíada. Se Deus quiser, voltar para casa como campeão olímpico. Até lá, paciência e um dia de cada vez”, projeta.
*Estagiário sob a supervisão de Marcos Paulo lima
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