Se os ensinamentos de sala de aula servem para a vida, Aline Furtado levou a sério a parte de se dedicar para alcançar os objetivos. Professora da rede pública do Distrito Federal e atleta nas horas vagas, a brasiliense de 41 anos se aventura na canoagem desde 2021. Com menos de um ciclo para de preparação, tornou-se uma das melhores do mundo na modalidade. O desempenho, que a levou das águas do Lago Paranoá para o Estádio Náutico Vaires-sur-Marne, na França, dá a credencial da terceira protagonista da série Équipe Brasília, especial do Correio sobre os personagens da cidade presentes nos Jogos Paralímpicos de Paris-2024.
A história de Aline chama a atenção para um capítulo na juventude, aos 18 anos, quando sofreu um acidente automobilístico que lhe causou fratura da 1ª vértebra da lombar. A lesão a deixou com paraplegia incompleta — quando há sensibilidade, mas força escassa — e sequelas nos membros inferiores. Aos 38, iniciou a relação com a canoagem. Um dos motivos foi a orientação de médicos do hospital onde fazia a reabilitação. Bastou o incentivo para não deixar de remar e começar a brilhar na classe KL3, de caiaque para atletas com função plena de braços e tronco, e função parcial das pernas.
Mesmo com pouco tempo de experiência, a ascensão de Aline no esporte foi meteórica. A estante da brasiliense acumula três medalhas em competições de ponta, todas douradas. A primeira, no Sul-Americano de 2022. No ano seguinte, vieram os títulos do Brasileiro e do Parapan-Americano de Santiago. No Mundial deste ano, na Hungria, obteve a confirmação da vaga nos Jogos de Paris.
"Sou muito novata na modalidade, estou engatinhando, tenho muita coisa para aprender. É até difícil de a ficha cair, mas sei o quão importante é e o quanto eu batalhei para estar aqui. Estar nas Paralimpíadas é a realização de um objetivo, mas, agora, é continuar trabalhando para ter o melhor resultado possível, que é honrar meu país, a minha casa", celebra a atleta.
Vivendo o sonho que surgiu quando deu as primeiras remadas no caiaque, o pensamento é de controlar a euforia, mas também se permitir mirar alto. "Não consigo dimensionar ou colocar em palavras o que é participar dos Jogos Paralímpicos. É um torneio histórico, em um local que reunirá os melhores do mundo em todas as modalidades. A única coisa que quero é fazer bonito. É representar o meu país da melhor forma possível e, claro, buscar um lugar no pódio", projeta.
Peixe fora d'água
Além dos desafios na água, fora dela, Aline concilia a rotina de treinos com o trabalho como professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF). A dupla jornada é a alternativa para conseguir se manter no esporte, pois a única fonte de renda da canoagem é a bolsa de R$ 1.850, paga pelo governo federal, devido à medalha de ouro conquistada pela em Santiago-2023. A rotina diária é de entrar cedo no Lago Paranoá para treinar com qualidade e ir para o trabalho. Em Paris, pelo menos, vai ficar mais tranquilo de conciliar os dois focos.
"Depois de muita negociação, me liberaram no período competitivo, que é de 28 de agosto (dia da cerimônia de abertura) até 8 de setembro (encerramento). A Secretaria me deu a autorização. Mas, mesmo assim, conto muito com a torcida de todos os alunos e professores para dar o gás de buscar o pódio. Não só deles, mas de todas as pessoas de Brasília. Também é por vocês que vou remar", discursa Aline.
Atualmente no período de aclimatação na França, o primeiro compromisso da brasiliense é em 6 de setembro, para a classificatória dos 200 metros do KL3 feminino. Se avançar, retorna às águas do Estádio Náutico Vaires-sur-Marne no dia 8 para a semifinal e, no mesmo dia, a sonhada final. Será a chance para dar aula no principal palco do esporte paralímpico.
*Estagiário sob supervisão de Victor Parrini