Paris — De maneira literal, um time ganha a alcunha de "dos sonhos" quando é formado por talentos individuais capazes de promoverem encanto ao se juntarem. A equipe de basquete dos Estados Unidos dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 cumpre esse requisito. Mas em um esporte onde o mínimo faz diferença entre vitória e derrota, é preciso mais. Na batalha final pelo ouro liderados por Stephen Curry, os norte-americanos acrescentaram fibra à receita dourada. Contra um pandemônio criado pela torcida anfitriã na Arena Bercy, venceram a França, por 98 x 87, e subiram ao topo do pódio do evento mais prestigiado do mundo pela quinta vez seguida.
Tudo em volta da Arena Bercy deixava clara a importância da final entre os donos da casa e o time com a qualidade técnica mais afiada do mundo. A segurança era ferrenha em todos os lados, inclusive com agentes fortemente armados (principalmente na entrada da Olympic Family, os vips presentes nos Jogos). O fato complicou, até mesmo, o normalmente cômodo acesso de jornalistas ao local. Nas zonas de entrada da torcida, muitas tentavam a sorte em busca de ingressos de última hora. "Do you have tickets? I have money. Let's talk! (você tem entradas? Eu tenho dinheiro. Vamos conversar!)", dizia um dos cartazes.
Todo esforço por um assento valia a pena diante do impacto de presenciar a esperada partida. A catarse do público explodiu de vez nos hinos nacionais. Tema patriótico mais ouvido em Paris durante as comemorações de ouros olímpicos, o dos Estados Unidos foi cantado alto. Mas nada se compara à La Marseillaise. De forma uníssona, os franceses contagiaram até quem não estava torcendo pelo país por pura simpatia ao Dream Team norte-americano. Pela primeira vez nos Jogos, os astros da NBA enfrentariam um clima hostil semelhante ao enfrentado quando atuam fora de casa nos compromissos da liga de basquete mais importante do mundo.
Um detalhe deixou clara a ansiedade até dos atletas pela final: eles não esperaram o fim dos 10 segundos de contagem regressiva no telão para colocar a bola em jogo. Com o quinteto inicial formado por Stephen Curry, Lebron James, Kevin Durant, Joel Embiid e Devin Booker cenário do confronto logo foi desenhado. Os Estados Unidos estavam em quadra para manter o aproveitamento positivo. A França também tem o talento da NBA inserido no DNA de jogo por ser liderada por nomes como Victor Wembanyama (cestinha do jogo com 26 pontos), Rudy Gobert, Nicolas Batum e Evan Fournier, além do astro do Real Madrid Guerschon Yabusele (aclamado a todo instante como "MVP" pela torcida), mas precisava de mais para conseguir surpreender.
Na metade inicial do jogo, os franceses fizeram uso do clima para forçar um clima incômodo em quadra para os Estados Unidos. Os donos da casa chegaram, até mesmo, a tomar a frente do placar em alguns momentos. Mas a mão afiada de Devin Booker e dia de garçom de Stephen Curry (ele ainda foi o maior pontuador americano, com 24 pontos), além da luta dos norte-americanos por cada bola dividida da final olímpico e das jogadas plásticas, ajudaram os favoritos a, aos poucos, construírem a vantagem no placar. Os cinco pontos a mais do primeiro quarto e os três do segundo valeram ir aos vestiários vencendo por 49 x 41.
O alto aproveitamento norte-americano na volta do descanso indicava a construção de uma vantagem mais confortável. Mas os franceses dificultavam e se recusavam a ficar muito atrás sob os incessantes gritos Allez les Bleus. A vitória por 25 x 23 na parcial e o 72 x 66 contra no geral permitia sonhar. O Dream Team, porém, não perdeu o controle do confronto em nenhum momento. As pontes aéreas, as bolas de três e as enterradas freavam qualquer tentativa de avanço francês. No fim, a esperada vitória estava concretizada. Mas ganhar diante de um adversário tão combativo e com recurso da força da arquibancada deu um gosto especial a um ouro já esperado.
Com o ouro de Paris-2024, o impressionante domínio dos Estados Unidos no basquete masculino viveu mais um capítulo de soberania. Nas últimas cinco edições, os astros da liga mais badalada do mundo subiram ao topo do pódio. No total, são 17 títulos em 21 edições de Jogos Olímpicos. Apenas Argentina (Atenas-2004), União Soviética (Seul-1988 e Munique-1978) e Iuguslávia (Moscou-1980, quando os criadores do esporte boicotaram a disputa) surpreenderam os favoritos. Em Los Angeles-2028, os donos da casa seguiram firme para se aproximar de igualar a maior sequência de ouros já construída desde a implementação do esporte no programa, em Berlim-1936: sete.