Olimpíadas, palco maior e sonho para muitos atletas. Um pódio, então, seria a conquista ideal da carreira de muitos, mas a receita não se aplica para todos. Das pistas até as águas, os medalhistas de prata nos Jogos de Paris-2024 Caio Bonfim, da marcha atlética, e Isaquias Queiroz, da canoagem, não pestanejam em dizer qual é a grande vitória na vida: a paternidade. De filhos, tornaram-se pais e, agora, levam a família para os lugares mais altos do esporte. Com o Dia dos Pais coincidindo com o encerramento do megaevento na capital francesa, a dupla teve motivo a mais para celebrar o novo acessório no peito.
Para o brasiliense Caio Bonfim, antes de começar a ser chamado de papai por Miguel e Theo, de cinco e dois anos, respectivamente, ele precisou aprender a também chamar o próprio pai de treinador. Criado em um lar de marchadores, o atleta ingressou na modalidade durante a adolescência com influência dentro de casa. A mãe, Gianette Bonfim, foi oito vezes campeã brasileira de marcha atlética e recordista nacional, treinada justamente pelo pai do medalhista de prata, João Sena. Depois, a dupla se juntou para transformar o filho em um dos melhores do mundo.
"Para um treinador, conseguir ter o filho medalhista é algo que ele vai ficar feliz. Isso representa muito, esse momento de pai e filho. Tem um simbolismo, ainda mais perto do Dia dos Pais. Fico muito contente em poder dar alegria para ele, talvez a gente poderia estar triste, porque é mais intenso quando perde, já que é pai e treinador ao mesmo tempo. Mas foi um bom presente, ainda mais por ser difícil, que acontece no máximo de quatro em quatro anos", celebra Caio.
Do outro lado, Sena quer transformar o exemplo do filho em algo a ser seguido pelas gerações futuras. Na visão do treinador, a principal receita de se criar um atleta olímpico é o apoio familiar e tenta mostrar o exemplo vivo no projeto que toca em Sobradinho para formação de novos talentos. "O presente de Dia dos Pais que o Caio me deu está no pescoço dele, a medalha olímpica. É um sonho realizado. Representa todo o nosso trabalho e dá o recado de que todos podem conseguir. Aos outros pais, motive, acompanhe, leve para os campeonatos, que o orgulho depois é inexplicável", pontua o pai do medalhista.
Agora vivendo a experiência como pai, a vida dupla, conciliando com os compromissos esportivos, fez Caio acreditar que melhorou em ambas as funções. Os aprendizados, seja nas competições, seja nos treinos, fizeram o brasiliense construir a maturidade necessária, com lições sobre autoridade, disciplina e trabalho. Depois do nascimento dos filhos, o desafio foi aplicar tudo isso na maratona da vida.
"Eu tento ser um pai de alta performance. No esporte, a gente sempre tenta entender que podemos muito mais, mas também é preciso aprender a não se cobrar como se não fosse humano. Ser pai é isso também, todo o amor que se doa, tentando sempre acertar, mesmo quando erra. Entender que também falhamos ou perdemos, quando se fala de competição, mas que estamos nos esforçando. Espero que lá na frente eu possa ter sido um bom pai para os meus filhos, é algo que estou construindo", reflete o papai olímpico.
A medalha chegou na quarta participação de Caio nos Jogos. Na 39ª colocação em Londres-2012 e quarto na Rio-2016, além do 13º em Tóquio-2020, o melhor resultado veio na primeira vez em que teve a família completa nas Olimpíadas. A presença do filho mais velho, Miguel, ajudou até na alimentação do atleta, que readequou o que comia após montar um cronograma para o garato, que sofria com alergia. A chegada de Theo contribuiu para melhorar o hábito de sono, pois o caçula dorme cedo.
O dilema agora é saber se os pequenos vão seguir os passos na marcha. Se depender do vovô, o destino é certo. "Eles já são atletas, conseguem dar quatro ou cinco voltas na pista que tem 400 metros. Ou seja, deu para ver que tem o DNA", analisa João Sena. Para Caio, o caminho vai ser mais leve. "Meu pai tem esse olhar, de atleta, fica sempre observando. Mas não, deixa os meninos curtirem, brincar, e lá na frente a gente vê. Sem pressão, senão posso acabar fazendo eles fugirem disso", brinca o medalhista.
Vitória compartilhada
Segundo maior dono de medalhas do Brasil, com cinco (ao lado dos velejadores Robert Scheidt e Torben Grael), Isaquias Queiroz teve como motivação competir pela primeira vez no cenário olímpico com a torcida familiar presente. Ele, inclusive, nomeou o filho mais velho, Sebastian, nascido em 2017, como homenagem ao maior rival nas competições, o alemão Sebastian Brendel. Depois veio Luigi, o caçula, que fez um ano durante os Jogos de Paris-2024.
Quem observa somente as conquistas de Isaquias Queiroz nas edições Rio-2016, Tóquio-2020 e Paris-2024 talvez não saiba dos problemas enfrentados pelo baiano fora da canoa. Em 2023, precisou de uma pausa para ter mais contato com a família e cuidar do corpo e da mente para não desistir do esporte. "Eu estava muito carregado psicologicamente, com muito estresse mental. Não conseguia raciocinar direito, estava muito mal. Havia vezes em casa em que eu explodia por qualquer coisa com o Sebastian. Falei para a doutora Ana (médica da Confederação) que não sabia o que estava acontecendo, pois sentia que estava descontando no meu filho. Tive de tomar remédios para me ajudar nessa questão", revela.
Na prova do C1 1.000 metros, o apoio da esposa Laina e das crianças ajudou o baiano na arrancada espetacular que lhe deu o segundo lugar. Com a prata no pescoço, a primeira ação foi procurar a família para dividir a conquista. "É uma sensação incrível, diferente. É muito especial para mim. Ganhei medalha de prata e bronze no Rio, o ouro em Tóquio, mas sem a presença de familiares e torcida (em razão da pandemia). Agora, ganhar essa medalha de prata na frente dos filhos e da esposa é maravilhoso. O Sebastian estava me pedindo muito a medalha. Consegui para ele. A minha família me ajudou bastante ao longo desses últimos anos e comemorar com eles presentes aqui é algo único", celebrou Isaquias em entrevista ao SporTV.
*Estagiário sob a supervisão de Fernando Brito