Na tarde do último sábado, o que parecia difícil se tornou realidade, o Brasil eliminou a França, dona da casa, no futebol feminino nas Olimpíadas. Aos 36 minutos do segundo tempo, uma brasiliense recebeu a bola cara a cara com a goleira francesa e, com tranquilidade e frieza, fez o gol da classificação para a semifinal contra a Espanha, amanhã. Nascida no Guará, Gabi Portilho recolocou o país entre os quatro pela primeira vez desde a edição do Rio-2016.
A 8383 km de distância daquele gol, outras cinco mulheres acompanhavam aflitas o jogo. A mãe Gabi Verônica Jordão e as irmãs Grazielle, Mariana, Geovana e Melissa gritavam com a televisão como se estivessem no Stade de la Beaujoire em Nantes. As cinco acompanharam cada passo da carreira da meia-atacante brasileira e puderam chorar de emoção ao ver toda aquela trajetória culminar em um ato heroico e improvável.
"Eu estava assistindo ao jogo, fechei o olho e falei: 'meu Deus, deixa a minha filha fazer um gol'. Foi eu voltar a assistir ao jogo que saiu o gol dela", conta Verônica, empreendedora e mãe da jogadora, ao Correio.
A família estava dividida. Enquanto a matriarca cuidava da loja da família, no Polo de Modas do Guará, ao lado de Mariana, as outras três irmãs viam o jogo em casa. "Aqui foi um desespero, todo mundo em pé, uma subiu na cama, a outra em pé no sofá. Todo mundo chorando desde o momento em que ela fez o gol", afirma a advogada e irmã mais velha, Grazielle.
Todas sonhavam com a classificação. O Brasil vinha de um desempenho fraco na fase de grupos e enfrentou uma França empurrada pela torcida. "A gente tinha o sonho de vê-la disputar a medalha. Agora, não esperava que elas iam passar para a semifinal com o placar 1 x 0 e o gol ainda ser dela. Quando aconteceu, todo mundo chorou", lembra Grazielle.
Os quase 19 minutos de acréscimo ao tempo regulamentar irritaram os brasileiros e quase enlouqueceram a família de Gabi. "Eu não aguentava mais. Quando acabaram os 16 minutos de acréscimo e o jogo continuou, achei que teria um treco", brinca Geovana. "A gente começou a gritar para o jogo acabar, minha mãe começou a falar barbaridades no meio da loja (risos)", diverte-se Mariana. "Eu tinha certeza de que aquela árbitra aumentaria os minutos até a França empatar", completa Verônica.
Quando o resultado positivo para o Brasil se sacramentou, a ficha caiu: o gol saiu dos pés de Gabi, mas reverberou no Brasil inteiro. "A importância desse gol não foi só para a gente, foi para toda menina que está jogando futebol na rua como ela fazia. Ela está representando todas essas meninas que estão lutando por um espaço em um esporte predominantemente masculino", desabafa Grazielle.
As cinco mulheres sabiam que Gabi chutou cara a cara com tanta frieza porque é da personalidade dela a tranquilidade. "Em dia de convocação, a gente que liga no YouTube para ficar assistindo. Ela normalmente não assiste. Mas não é porque ela não dá valor, só porque ela é muito tranquila. Ela tem um emocional inacreditável, muito tranquila e de uma fé inabalável", comenta a irmã mais velha. "Eu sempre fui muito ansiosa, mas ela era o contrário. Sempre falava para mim que tudo viria na hora certa.Vê-la brilhando depois de tudo que passou é uma emoção que não cabe no peito", complementa a mãe.
Levada e espoleta
A tranquilidade de Gabi Portilho precisava de um escape para a energia na infância. "Calminha só nesse sentido. Quando ela era pequena, não parava um minuto", diz a mãe. Verônica lembra dela jogando bola onde chegava. "No começo eu não gostava, porque ela ia para o meio da rua jogar bola com um monte de menino. Até então, eu não imaginava que ela ia chegar nisso tudo", adiciona. "A família inteira tomou bolada", brinca Grazielle.
A energia também se revertia em coragem, seja para fazer loucuras na bicicleta na época em que a família morou no P Norte, em Ceilândia, ou seja para sair de casa em direção a Joinville para viver do próprio sonho aos 15 anos. "Ela saiu de Brasília para ganhar R$ 200 para ajudar a gente e olha só onde ela chegou", recorda Verônica.
O senso de responsabilidade sempre foi grande e a união com a família era o que movia Gabi. "Ela e a Grazi sempre cuidaram da gente enquanto minha mãe trabalhava. Tudo que vivemos com ela foi muito importante, desde as dificuldades às conquistas", diz Geovana.
O caminho não foi fácil, houve quem ajudasse. Desde o professor Leomir, que arranjou uma bolsa de estudos em um colégio da Asa Sul, até a ajuda do padrasto Leonardo, que morreu há 15 anos levando e buscando de bicicleta do P Norte para treinar em Ceilândia Sul. "Tenho certeza de que o padrasto dela está assistindo o que ela tem feito de onde quer que ele esteja", diz a irmã mais velha.
O esforço coletivo tem sido retribuído por Gabi. Ela comprou a casa em que a família mora. Ele voltaram ao bairro após morar de aluguel em Ceilândia. Dentro de campo, Portilho exerce um papel que dinheiro nenhum paga. "Ter uma irmã que faz o esporte em alto nível é muito emocionante. Eu a tenho como exemplo todos os dias", diz Melissa. As aos 15 anos, a caçula sonha em jogar basquete profissionalmente.
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