Menos alardeado que o prêmio dedicado à literatura de forma geral, o 1º Jabuti Acadêmico colocou em evidência as melhores publicações numa área nem sempre acessível ao público e trouxe entre os laureados dois livros produzidos em Brasília. Publicado pela Editora UnB, As comissões da verdade e os arquivos da ditadura militar brasileira, de Mônica Tenaglia, ganhou o prêmio na categoria História e Arqueologia. Brasil em 50 alimentos, editado pela Embrapa, foi o premiado na categoria Ciência de Alimentos e Nutrição. São dois reconhecimentos importantes para publicações que enfatizam a pesquisa e a ciência.
Foi para comemorar os 50 anos da Embrapa que uma equipe de quase 200 pessoas se juntou para criar um livro capaz de representar o Brasil por meio de alimentos que se tornaram importantes graças ao investimento na pesquisa científica. “O livro não é sobre a Embrapa, ele fala da ciência brasileira. A ideia era mostrar como a ciência ajudou. A gente importava alimentos nos anos 1970. A ciência brasileira fez o Brasil ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Hoje, a gente não só alimenta a própria população, mas também é capaz de exportar”, avisa Jorge Duarte, superintendente de Comunicação da Embrapa e organizador do livro.
Inicialmente, a equipe de pesquisadores selecionou 84 alimentos que, ao longo dos anos, foram aprimorados graças ao desenvolvimento das pesquisas em agropecuária realizadas pela Embrapa. A seleção final de 50 itens levou em conta a presença dos produtos de Norte a Sul na mesa dos brasileiros. O livro traz um texto acessível com histórias da introdução dos alimentos no país, dados econômicos, gráficos e mapas de leitura ágil e agradável.
No total, 12 fotos acompanham a apresentação de cada alimento. “É um livro didático, curioso, atraente. A ideia era que servisse para alguém do primário ao pós-doutorado, porque ali tem um painel enorme. Mas não é um texto que aprofunda. Ele apresenta os alimentos de maneira atrativa, interessante, para as pessoas lerem e dizerem ‘não sabia disso!’”, explica Duarte. A instituição imprimiu apenas 350 exemplares do livro, produzido em capa dura no formato 23X28cm, mas a publicação está disponível para download gratuito. Até agora, o livro foi baixado 23 mil vezes, o que surpreendeu a equipe responsável pela produção.
Direito à memória
A arquivologista e historiadora Mônica Tenaglia começou a pesquisa que resultou no livro As comissões da verdade e os arquivos da ditadura militar brasileira em 2015, com a intenção de evidenciar como se deu o acesso aos arquivos referentes à ditadura militar por parte das comissões. O trabalho era tema da tese de doutorado na Universidade de Brasília (UnB). “Quando comecei a fazer o projeto, eu vinha com uma perspectiva muito interessada na questão do acesso aos arquivos. Eu queria entender que tipos de estratégia as comissões desenvolveram para acessar aos arquivos, já ciente de muitos problemas, seja em relação ao acesso institucional, seja em relação à falta de preservação e conservação”, conta a pesquisadora.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada por lei, em 2011, mesmo ano em que nasceu a Lei de Acesso à Informação (LAI), fundamental para efetivar o trabalho de reconstituição da memória histórica dos tempos do regime militar. A partir da CNV, foram criadas outras comissões estaduais e municipais, mas também por órgãos como universidades e até no Congresso Nacional. A pesquisa de Mônica se debruçou sobre os relatórios de 20 Comissões da Verdade. “Esses relatórios são importantes para o direito à memória e à verdade, que também são direitos humanos. São importantes para as pessoas poderem entender as circunstâncias das violações que ocorreram e para o direito da sociedade de entender o passado”, diz a pesquisadora.
O ocultamento e a falta de colaboração das instituições detentoras de documentos cruciais para a reconstituição da memória das violações era um fato já conhecido de Mônica, mas ela também concluiu que as comissões conseguiram desenvolver estratégias de acesso, em parte graças à regulamentação trazida pela LAI, fundamental para os relatórios. “Como as comissões foram criadas em diversas partes do país, elas trabalharam em perspectivas locais pensando em violações próximas à realidade delas. A gente conseguiu determinar peculiaridades e dificuldades específicas em determinadas regiões”, garante a autora. “Algumas regiões que tinham arquivos públicos estaduais ou institucionais tiveram mais facilidade de obter acesso aos documentos, então a gente pôde estabelecer a importância de políticas públicas arquivísticas.”
A pesquisa foi finalizada em maio de 2019 e não chega a analisar a situação das comissões da verdade durante o governo de Jair Bolsonaro, mas a pesquisadora orientou teses que seguiram nesse sentido e fez um levantamento nos anos seguintes. “Consegui mapear 88 comissões criadas no território nacional por volta de 2016 e 2017 que tinham algum tipo de site. No final da minha tese, em 2019, quando volto para esses sites para conseguir identificar onde estavam os acervos que essas comissões criaram, que são importantes para futuras pesquisas, muitos não existiam mais. Então fica um gosto amargo, porque havia um engajamento”, lamenta Mônica.
Brasil em 50 alimentos
Organizador: Jorge Duarte. Embrapa, 364 páginas.
As comissões da verdade e os arquivos da ditadura militar brasileira
De Mônica Tenaglia. Editora UnB, 350 páginas. R$ 135
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