Paris — Uma banca mantida há 30 anos na Feira do Guará financiou o sonho de Felipe Gustavo. O representante do DF no Skate Street nos Jogos Olímpicos entraria na competição, hoje, no cenário urbano da Arena La Concorde à caça da inédita medalha. A prova, porém, foi adiada para segunda-feira, devido às chuvas na Cidade Luz. Na quinta-feira (25/7), enquanto ele treinava na França, seu Paulo e dona Liliane Macedo mandavam mensagens do coração ao filho em entrevista ao Correio (assista clicando aqui) e contavam como a comercialização de bijuterias impulsionou a carreira do atleta de 33 anos, que mora em Los Angeles, palco da Olimpíada de 2028. Em entrevista exclusiva ao Correio, Felipe Gustavo fala sobre a expectativa para a competição e revela duas estratégias para manobrar com excelência: método Kobe Bryant e música gospel no ouvido.
» Origem
A minha história é uma das mais diferenciadas do skate. Comecei em Brasília, onde não tinha nada, pistas, não tinha campeonato. Fui mesmo o pioneiro de Brasília em muitas coisas. Até hoje, não temos pistas de skate. Acho que em todas as entrevistas pedi ao governo. Não era considerado esporte, era marginalizado. Eu era visto como um marginal, pessoa que usava droga. Comecei a andar de skate em 1998. Não tinha muito visibilidade. Mudei para os EUA aos 15 anos. Acho que toda história de atleta tem de ser meio “raçuda” e servir de inspiração.
» Setor Bancário
Toda vez que vou a Brasília ando no Setor Bancário, onde tudo começou. Andar de skate em Brasília me traz essa sensação de quando era pequeno. É onde me sinto livre e gosto de estar. É a minha raiz, e isso me renova
» Incentivo
Não mudou muito. Até hoje não temos pista de skate. Lutei muito com o governo. Na última vez, fui até o ministro do Esporte, mostrei meus vídeos e disse que tem 19 anos que peço uma pista. Até hoje não saiu do papel. Todo mundo que é do skate de Brasília gosta muito, é raçudo, pois não há estrutura. Tive de sair do país para estar onde estou.
» Profissão
Faz muitos anos que vivo só do skate. Quando me mudei, aos 15 anos, decidi que isso seria a minha carreira, e lutei muito. Viajo para vários campeonatos, tenho mais de 13 patrocínios no mundo inteiro. É o meu trabalho, mas é o que amo fazer. Toda vez que ando de skate, me sinto livre como quando era criança.
Vida em Los Angeles
É uma realidade muito diferente. Quando vejo de onde vi e onde estou, tenho muita gratidão a Deus, pois são coisas que nunca imaginei, como sair do Guará I e correr a Olimpíada na Praça da Concorde, em Paris, como um dos 20 melhores do mundo.
» Físico e técnica
Sempre estudo como ser um atleta melhor. Acho que a parte nutricional e do corpo físico me deixa muito fascinado, pois é igual ao skate: nunca acaba. Sempre consigo fazer um exercício melhor para o meu corpo ficar melhor para andar de skate. A fisioterapia e a parte do corpo físico é o que me deixa fascinado. O skate é infinito para mim, não existe manobras que você não consiga fazer se treinar.
» Ciclo curto
Não tivemos quatro anos para nos preparar. Conquistar a vaga me levou a treinar mais e a ficar mais focado.
» Saúde mental
É uma parte muito forte do treinamento. Não é só manobra, ou ser bom naquilo. Se você não tiver a mente boa, o espiritual em dia, isso afetará muito na performance. Tento pegar todos os pontos: skate, mentalidade, espiritual. A ansiedade tento controlar com o treino, colocando-me em posições que precisarei estar, mas sabendo que fiz isso antes. Isso é até um método do Kobe Bryant. Quanto mais pressão, mais preparado é preciso estar.
» Gospel
Sempre escuto música gospel, cristã, desde pequeno. Nunca corri nenhum campeonato sem música gospel nos meus ouvidos, pois acalma minha alma, me traz paz e esperança. É sempre bom ter isso no seu corpo. Não tenho como andar escutando rap, funk, pois me leva a outro lugar. Nem escuto esse tipo de música. Escuto bastante Elevation Worship, Bethel. Cresci em família cristã, e isso sempre faz parte da minha vida.
» Arte
O skate é lifestyle para nós, uma maneira de nos expressar. Se eu errar uma manobra, lógico que fico triste, mas faço o que amo. Sempre levo a gratidão.
» Paris-2024
Com certeza, mais experiente, por ter corrido vários eventos nesses três anos. Quando saí de Tóquio, pensei na outra Olimpíada. Tivemos muitas restrições lá, não poder conversar nem treinar juntos. É uma coisa que fazemos muito, treinar juntos. A coisa mais legal que tem é acertar uma manobra atrás do seu amigo, o back to back. É o único esporte olímpico em que treinamos juntos. Não tem essa de guardar (carta) na manga. O skate é diversão. Não tivemos isso em Tóquio, teremos agora, e com público. Isso gerará uma tensão a mais e motivação para representar.
» Futuro
O skate é muito relativo. Tenho um amigo de 38 anos que está no auge da carreira. Antes, era mais difícil chegar aos 35 anos e estar relevante. Hoje em dia, os 30 são os novos 20. Acho que ainda nem cheguei no auge da minha carreira. Com certeza, se tiver a oportunidade, estarei em Los Angeles-2028. O futuro a Deus pertence.
» Resiliência
Você tem que acreditar. Tenho uma entrevista que dei, quando tinha uns 10, 12 anos, dizendo que um dia eu moraria nos Estados Unidos viveria do skate. Essa era a minha meta, o meu sonho. Deixei tudo para segui-la e acreditei. Deus está trabalhando em algo muito maior. Continuo seguindo na fé e fazendo o que amo.
» Pódio
A meta é a medalha. Fiz história sendo o primeiro skatista (a competir) em Olimpíada. Quero muito que Deus me permita continuar fazendo história ao trazer uma medalha para Brasília, para o Brasil e para a minha família.
» Massificação
Isso tem mudado bastante. Vejo vários amigos meus profissionais de skate no Brasil dando aula e sendo mentores. Eu nunca tive isso. A nossa geração foi raçuda, não tinha YouTube ensinando como aprender uma manobra. Hoje, há muita informação. O que a pessoa aprende em cinco anos, demorávamos 10, 15para aprender. O skate está em um crescimento muito grande. O fácil acesso a produtos tem ajudado bastante. Se der para fazer escolinha, botar mais gente para assistir e aprender sobre, por favor…
» Guará
Eu jogava futebol no Cave, na escolinha. Conheci o skate e fui de skate para o Cave jogar. Ganhamos um campeonato lá, dei a medalha para o meu pai e falei que não queria mais futebol. Minha mãe (dona Liliane) tem uma banca na Feira do Guará há mais de 30 anos. Tem uma loja de bijuteria artesanal. Eu andava de skate na Feira do Guará com amigo, pulávamos caixotes de fruta. Minha mãe faz feira de quinta a domingo. Exporta para o mundo inteiro. Tenho um skate de ouro que meu pai me deu. Toda vez corro campeonato com ele. É bem único. O Guará tem toda uma história para mim.