PARIS-2024

Como Keno Marley se recuperou de nocautes para sonhar com pódio olímpico

Baiano de Conceição do Almeida superou perdas do irmão e do primo para se consolidar como um dos principais boxeadores do Brasil no ciclo de Paris-2024

O boxe brasileiro estará muito bem representado em Paris-2024. Ao todo, 10 pugilistas do país subirão aos ringues da Cidade Luz com chance real de pódio. Mas, para um deles, a disputa será especial. Vivendo a expectativa da segunda participação em Jogos Olímpicos, Keno Marley quer cumprir da melhor maneira o papel de contender. Na modalidade, o termo se aplica ao desafiante com grande desempenho e chance real de conquista. O sonho de alcançar uma medalha no megaevento está impulsionado pelas cicatrizes forjadas pelos nocautes sofridos na vida.

Keno Marley é um dos orgulhos de Conceição do Almeida, município de pouco mais de 17 mil habitantes no Recôncavo Baiano. A entrada dele na modalidade foi influenciada pelo irmão, Jeremias. Juntos, costumavam assistir a filmes de luta. Depois, Keno passou a assisti-lo em treinamentos e não demorou para se aventurar nos ringues. Tornar-se profissional não estava no radar até as participações em competições de menor expressão, em academias. Porém, sofreu uma virada de chave em 2013.

Onze anos atrás, Keno Marley comemorava o título do Galo de Ouro, tradicional competição do boxe em São Paulo. O desempenho despertou o interesse de equipes e se transformou em proposta para permanecer. A nova família a abracá-lo foi a equipe da Academia Tony Boxe. O baiano agarrou a oportunidade. Empilhou conquistas estaduais, nacionais e internacionais até ser convocado para a Seleção Brasileira pela primeira vez, em 2017. No ano seguinte, faturou o título dos Jogos Olímpicos da Juventude, em Buenos Aires, e entrou em evidência com a prata no Pan de Lima-2019.

O vice em Lima o fez perceber que haveria chance para disputar Tóquio-2020. Golpe certeiro. Mas 2021 foi de combates duros. A alegria pela primeira participação na versão principal dos Jogos Olímpicos ficou em segundo plano após o assassinato do irmão Jeremias e do primo Mário. Um baque daqueles, mas transformado em superação com a prata em setembro no Mundial de Belgrado, na Sérvia. "Foram vários altos e baixos na minha vida, mas sempre tive pessoas que estiveram ao meu redor para me ajudar a me fortalecer, a permanecer e lutar pelos meus objetivos. Tive minha família e minha equipe, que me ajudaram. Tive depressão, vários nocautes, mas sempre tive força para levantar e continuar", compartilha ao Correio.

Muita coisa mudou em três anos na vida do baiano. Maturidade, experiência estão nas notas de atualização do protótipo de medalhista olímpico. "Após Tóquio, até hoje, foram mais ou menos 53 combates oficiais, incluindo Mundial, Pan-Americano. Fui medalhista nos principais eventos do calendário olímpico. Acho que esse é o resumo do que diferencia o Keno de 2021 para o Keno de 2024, com melhores condições físicas, técnicas e emocionais."

Tudo isso o leva não a sonhar, mas a traçar meta de medalhar. Surpresa caso venha ouro, prata ou bronze? Para ele, não. "Eu não digo ser surpreendido, porque trabalhei muito. De acordo com o nosso trabalho, sabemos aonde podemos chegar. Não existe tanta surpresa assim, quando trabalhamos muito. De onde saí para onde estou hoje, chega a ser motivante, não só para mim, para todos que me acompanham e me apoiam. Me motivam e eu tento motivá-los", discursa.

Keno tem três conselheiros importantes no processo de busca pelo primeiro pódio olímpico: Hebert Conceição (ouro em Tóquio-2020), Beatriz Ferreira (prata) e Abner Teixeira (bronze). O trio manteve ativa a contribuição do boxe para o Brasil em Olimpíada. A modalidade não retorna sem medalhas desde 2012. Nos Jogos de Londres, os irmãos Esquiva e Yamaguchi Falcão faturaram prata e bronze, e Adriana Araújo ficou em terceiro. No Rio-2016, Robson Conceição reivindicou o título.

Além de Bia Ferreira, Abner Teixeira, Hebert Conceição e Keno Marley, entrarão em ação Bárbara Santos, Carol Naka, Jucielen Romeu, Tatiana Chagas, Luiz Oliveira, o Bolinha, Michael Douglas e Wanderley Pereira. "Conseguimos classificar um número gigante. Somos a segunda equipe com mais atletas classificados, acho que a Austrália tem um a mais do que nós. É a maior delegação brasileira de boxe a participar. Tenho certeza de que os outros foram extremamente importantes, que conseguiram resultados que nos ajudaram a ter essa equipe tão boa. É a melhor que já tivemos", analisa o baiano.

"Treino com a Bia, fiz ciclo com o Hebert, somos bastante próximos. Sempre acompanhei os outros atletas. O boxe tem isso, temos muito contatos com os outros e aprendemos juntos, assim tentamos crescer, um motivando o outro. Até os atletas que não são medalhistas olímpicos e mundiais nos ensinam", completa.

Eliminado pelo britânico Benjamin Whittaker nas quartas de final de Tóquio-2020, Keno tem planos mais ambiciosos para o desafio mais nobre deste ciclo. "Sempre que vou é com objetivo de fazer a final e pegar a dourada. Em Paris, não será diferente, estou treinando mais para, de maneira alguma, ficar nas quartas de final. Se acontecer, será uma tragédia para mim. Todo esporte é 50% para cada lado, todos têm chance de ganhar, mas estou indo para ser campeão. No dia em que eu for para ser vice, prata ou bronze, provavelmente será para falar que é a minha luta ou meu último evento", afirma.

Para alcançar o objetivo, Marley faz um apelo: "Não mando recado, mando uma convocação. É uma obrigação de quem estiver em Paris marcar na agenda e tentar nos assistir. Para quem estiver no Brasil, tente acompanhar e torcer muito por mim, pelo boxe e por todo o esporte brasileiro. Peço esse favor, e vamos fazer nossa parte de lá, em busca sempre das medalhas".

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