Rio de Janeiro — Laura Nascimento Amaro lida desde cedo com o fardo de um sonho. Literalmente. A menina que corria e jogava futebol nas ruas de Cascadura, bairro da Zona Norte da capital Fluminense, cresceu e não esconde alegria em subir pela primeira vez ao palco do maior espetáculo do esporte. Só não será com chuteiras. Nos pés, botas fundamentais no auxílio para suportar as cargas da disputa do levantamento de peso. A modalidade, presente no cronograma dos Jogos Olímpicos desde Atenas-1896, tornou-se especialidade da carioca, considerada pioneira do Brasil aos 23 anos.
O halterofilismo tem dois movimentos: o arranco, no qual o competidor ergue a barra de uma vez só, e o arremesso, ação de duas fases. Primeiro, o atleta levanta o peso até ombro e depois a lança sobre a cabeça. Em 14 de dezembro de 2021, Laura se tornou a primeira mulher brasileira medalhista mundial do levantamento de peso ao faturar a prata da categoria da até 76kg e levantar 108kg no arranco da edição de Tashkent, no Uzbequistão. Dois dias depois, a companheira Amanda Schott, também classificada a Paris-2024, conquistou o bronze.
"É muito orgulho. Sempre falo que essa medalha é minha e da Amanda. Treinamos e vivemos isso juntas. Foi uma visão para a vivência desse sonho olímpico. Tenho muito orgulho de ser pioneira. Quando se é pioneira, tem voz. Confio no poder da minha voz para compartilhar e inspirar pessoas", discursa Laura ao Correio.
O próximo item da lista é fazer bonito em Paris-2024. Para ela, não havia lugar melhor para estrear em Jogos Olímpicos de Verão. "Eu nunca tinha ido à França. É legal esse entusiasmo de estar no lugar pela primeira vez e ser a sua Olimpíada. Torçam muito por nós. Sintam-se representados e inspirados a seguirem seus sonhos, pois o momento olímpico é propício para pegar esse ganchinho e ir atrás do que você quer para a sua vida."
Embora seja uma das estreantes entre os 278 classificados do Time Brasil até o momento, Laura pode se apegar a uma experiência curiosa. Em 2016, disputou a Olimpíada de Inverno da Juventude de Lillehammer, Noruega, pelo skeleton, modalidade na qual o atleta se lança em um trenó e desce de cabeça. "Sou oriunda de um programa social da Marinha do Brasil com o Ministério da Defesa, o Forças do Esporte. Lá, tive oportunidades e surgiu para mim um teste de skeleton, em 2015, quando eu estava há pouco mais de um ano no levantamento de peso", conta. "Pesquisei e vi que naquela corrida inicial, você precisa de potência, força e velocidade. Eu tinha um ano fazendo esporte de força e velocidade da época de futebol. Fiz o teste com treinadoras britânicas e me chamaram", emenda.
A vivência na primeira grande disputa fora do país acendeu a chama olímpica da carioca, mas a levou a fazer uma escolha importante na volta ao Brasil. "Essa energia estava dentro de mim. O levantamento de peso tinha me pegado primeiro e o skeleton me levou para competições internacionais. Quando retornei, tive de tomar a grande decisão da minha carreira: continuar no skeleton ou voltar para o levantamento de peso. Foi um momento difícil, com 15 para 16 anos, no qual os meus pais me deixaram tomar a decisão sozinha. Acho bonito terem me deixado escolher. Favorecei a maturidade e o trabalho ser feito de verdade, não porque outros quiseram. Esse foi um dos diferenciais. Deu no que deu hoje", reforça.
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Laura tem uma conexão forte com futebol. Inclusive, terá oportunidade de compor a delegação ao lado de uma referência. A menina que costumava treinar levantamento de peso de chuteiras sonha em esbarrar com a Rainha Marta, convocada para o torneio feminino pela sexta vez. "Ela me deu o primeiro ideal de Seleção. Me perguntavam quem eu era no futebol da rua e eu dizia 'Marta'. Eu tinha alguém para ser. Eu me imaginava não amarrando uma bota de levantamento de peso, mas sim uma chuteira", relembra.
O Brasil jamais conquistou uma medalha olímpica no levantamento de peso, mas resultados recentes animam. No Pan de Santiago-2023, Laura foi bronze. "É um esporte difícil. Temos o arranco como o segundo movimento mais complicado do quadro olímpico. Está ali para te desafiar e te ensina a ser humilde na marra. Se você coloca um peso a mais, te esmaga e você tem de refazer. Te ensina na marra a ser vencedor", ressalta.
*O repórter viajou a convite da Petrobras
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