ENTREVISTA

Isaquias relata abdicação da vida social e pede mais provas no DF

Candidato a maior medalhista do país em Olimpíadas, canoísta de 30 anos garante, em entrevista ao Correio, estar preparado para jornada em Paris-2024

Isaquias Queiroz conquista o ouro no C1 1000m em Szeged -  (crédito: Divulgação/ICF)
Isaquias Queiroz conquista o ouro no C1 1000m em Szeged - (crédito: Divulgação/ICF)

Rio de Janeiro — Isaquias Queiroz dos Santos é aquele personagem que deve se questionar ao enxergar o próprio reflexo nos espelhos d'água das competições Brasil afora: "Existe alguém mais patriota do que eu?". Afinal, se o baiano de Ubaitaba é o segundo maior medalhista olímpico da história do país — ao lado do ex-líbero da Seleção, Serginho — é porque incorpora o Hino Nacional. Aos 30 anos, orgulha-se de conseguir conquistar os pódios mais importantes da canoagem velocidade com braços e remadas fortes. Cansado? Ele que garante não. A 41 dias da abertura da Olimpíada de Paris, Isaquias ensaia a quebra dos recordes dos velejadores Robert Scheid e Torben Grael e abre o jogo ao Correio: "a modalidade deveria colocar uma competição no Lago Paranoá".

Quem celebra o sucesso do principal nome da canoagem brasileira e mundial talvez não entenda os sacrifícios exigidos pelo alto rendimento. Sem papas na língua, Isaquias Queiroz compartilha que adoraria ter vida social, sair e curtir tempo em barzinhos ou até uma festa com amigos. Porém, o pacto com as conquistas e compromisso com o exigente treinador Lauro Pinda não permitem.

"Vivo muito o esporte. A única diferença é que amadureci muito como atleta e pessoa. Minha vida é 100% no esporte olímpico. Acordo, treino, volto para casa e almoço, durmo e treino novamente à tarde. Quando é descanso, prefiro dormir. Finais de semana, eu gostaria muito de ir ao barzinho, mas preciso dormir para aguentar a semana de treinamento, porque o Lauro é um grande treinador. Ele dá descanso quando necessário, mas tem hora que não, pois diz que é preciso extrair o máximo de mim", relata.

O plano ousado foi traçado para o baiano alcançar o sucesso e evitar arrependimentos quando pendurar o remo. Inclusive, o discurso de Isaquias traz o spoiler de uma possível aposentadoria após a edição de 2028 da Olimpíada, nos Estados Unidos. "Acredito que só poderei aproveitar a vida social depois dos Jogos de Los Angeles-2028. Espero poder fazer Paris-2024 e Los Angeles para sair sem o pensamento de que poderia fazer algo a mais. Quero executar o meu trabalho no esporte olímpico sem essa vontade e, quando me aposentar, não ter a saudade de fazer canoagem."

Saudade é algo com a qual Isaquias convive. Em novembro de 2018, o multimedalhista sofreu com a morte do técnico Jesus Morlán, aos 52 anos, após luta de dois anos contra um tumor no cérebro. O espanhol foi contratado em 2013 pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) para comandar a Seleção e revolucionar a modalidade. O investimento surtiu efeito. Morlán foi o mentor de 10 títulos Mundiais do país e de três pódios de Isaquias nos Jogos do Rio de Janeiro em 2016 — bronze no C1 200m e pratas no C1 1.000m e no C2 1.000m em parceria com Erlon de Souza.

Isaquias embarcou para os Jogos de Tóquio-2020 sem Morlán. A trajetória na Terra do Sol Nascente foi um tributo ao mestre. Inspirado pela memória do espanhol, conquistou o primeiro título olímpico, na prova do C1 1.000m. A soma dos fatores torna a edição do Japão disparada a mais especial para o baiano. Dificilmente, a versão parisiense do megaevento tomará esse lugar no coração do renomado atleta. "Tóquio é inesquecível, pelas muitas dificuldades enfrentadas, como o falecimento do Jesus Morlán, a entrada do Lauro (O Pinda, atual treinador) sob pressão. No meio do caminho, tivemos pandemia. De repente, o Brasil e o mundo pararam", relembra.

"A Olimpíada foi adiada e ficamos saber o que aconteceria, que talvez eu poderia ficar de fora de pegasse covid-19. Foi um ano bem mais complicado, mas especial, pois estávamos honrando a memória do Jesus por todo trabalho que fez e dedicação ao esporte e canoagem", complementa Isaquias, com certa ressalva. "Mas chegar em Paris e ganhar mais duas medalhas olímpicas na canoagem velocidade seria marcante e coroaria o trabalho de anos."

Isaquias está na reta final da preparação para reivindicar o posto de maior medalhista do Brasil em Olimpíadas. Precisa de uma para igualar os líderes do ranking, os velejadores Robert Scheid e Torben Grael, e de duas para se isolar no topo. Acostumado a competir sob os holofotes, ele rechaça a pressão por novos feitos. "Eu me sinto leve. O Lauro (treinador) sempre conversou comigo sobre essa questão, reforçando que não preciso ficar com a carga nos ombros, de ganhar medalhas. Lógico que nós, atletas, sempre queremos mais. Não treinamos três, quatro, cinco anos, como foi em Tóquio-200, para ficar fora da final e do pódio. Isso é muito frustrante", ressalta.

Em 12 de maio, Isaquias obteve o ouro na disputa da C1 1.000m da etapa da Hungria na Copa do Mundo de Canoagem. A performance é considerada um ensaio para a prova na qual defendera o título olímpico. "Estou leve e tranquilo. Ainda faltam alguns dias e vou executar treinamentos para ganhar mais confiança e chegar lá mais firme na remada, mental e tecnicamente. Sempre fui um cara animado, "de boa" e sei lidar com a pressão. Conheço todos os meus adversários, nenhum esconde nada. Sei o que tenho que fazer para chegar lá e dar o meu máximo", discursa.

No sprint final da entrevista ao Correio, Isaquias ativou o modo sincerão. Lembrado da participação de Brasília na campanha em Tóquio-2020, foi direto ao ponto: "A modalidade tem que colocar uma competição no Lago Paranoá. É uma coisa que estava conversando: temos poucos campeonatos", analisou. Na avaliação do campeão, o motivo está no calendário internacional.

"Focamos no Mundial, em Olimpíadas e no Pan-Americano, como o de 2023, que perdi para o cubano (José Ramón Córdova). Ele não chega aos meus pés. Desculpe, cada um tem reconhecimento, mas tenho mais qualidade. Muita gente me criticou porque perdi para ele, mas ali eu falei: nosso objetivo é a medalha em Paris. As pessoas não entendem quando falamos."

 *O repórter viajou a convite da Petrobras

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postado em 15/06/2024 06:00
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