Vinte e nove de março de 1995. A data representa o saque para o pioneirismo de uma catarinense no esporte do país. Naquele dia, há 29 anos, nascia, em Criciúma (SC), Bruna Costa Alexandre. O nome pode não soar familiar para você, mas aqui vai a dica: acostume-se. Você a verá ou ouvirá bastante sobre ela nos próximos meses. Afinal, a catarinense do tênis de mesa competirá nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris-2024, façanha jamais alcançada por nenhum atleta do país no mesmo ciclo. Emocionada, Bruna compartilha como recebeu a notícia da convocação e define, em entrevista ao Correio, a oportunidade recebida como a realização de um dos maiores sonhos.
"A ficha caiu quando meu celular não parava de tocar. Domingo à noite, o técnico Jorge Fanck, da Seleção Olímpica feminina, me ligou, pediu para eu abrir a câmera na chamada e disse que gostaria de oficializar a minha participação na Olimpíada. Fiquei muito feliz e isso me motivou muito. Foram 22 anos de carreira. Realizei um dos meus maiores sonhos", compartilha. A catarinense teve o braço direito amputado aos seis meses de vida, por consequência da evolução de uma trombose causada por uma injeção mal aplicada. A condição física não foi empecilho para orgulhar um grupo muito além da família.
O casamento entre Bruna e o tênis de mesa dura 22 anos. O cupido desse romance foi o irmão, já inserido na modalidade. Antes, ela se aventurou no skate, no futebol e outros esportes. As experiências ajudaram-na a aprimorar o equilíbrio do corpo. Com a raquete na mão, foi uma das joias do projeto Detectando Talentos, da Prefeitura de Criciúma. Até 2009, competiu somente contra adversários sem deficiência, como uma espécie de spoiler para um dos capítulos mais especiais da carreira. "Eu me arrisquei. No começo, era muito difícil sacar só com um braço. Depois, me acostumei", comenta.
O caminho de Bruna se cruzou com o esporte paralímpico aos 13 anos. Não demorou a se destacar, criar raízes na classe 10 (para atletas com limitações físicas moderadas) e se tornar a maior medalhista do tênis de mesa do país em Paralimpíadas, com quatro — a prata individual e o bronze por equipes em Tóquio-2020, além dos terceiros individual e coletivo na Rio-2016. Na categoria olímpica, ostenta o bicampeonato nacional.
Embora seja a número três do mundo paralímpico, não abandonou a disputa contra atletas sem deficiência. No ano passado, tornou-se a primeira paratleta nos Jogos Pan-Americanos de Santiago e foi pé-quente ao faturar o bronze por equipes na primeira participação no segundo evento mais importante do ciclo. "Realizar sonho não só no esporte, mas na vida, também é difícil. No esporte, principalmente nesse caso de paralímpico jogar olímpico, é ainda mais complicado, pois os atletas não têm oportunidade ou ficam com receio", avalia Bruna.
"Eu enfiei a cara quando era nova e seguia. Mas as pessoas sempre me trataram bem e isso fez diferença. Quando você não se sente confortável, a tendência é desistir. Tenho 22 anos de olímpico e paralímpico. Sempre me senti uma atleta olímpica. Para mim, não é algo novo. Isso depende muito do pensamento e da equipe do outro lado. A Confederação também faz um trabalho muito bonito, como nos treinamentos integrados de olímpico e paralímpico", completa, orgulhosa.
Assim como outros protagonistas do esporte, Bruna tem referências. A dela, porém, segue uma particularidade: é uma rival. Polonesa de 34 anos, Natalia Partyka obteve a dobradinha olímpica e paralímpica nas edições de Pequim-2008, Londres-2012, Rio-2016, Tóquio-2020. "Desde quando entrei no paralímpico, sempre me inspirei e assisti a muitos jogos dela. Eu sempre pensava que era muito difícil fazer, mas consegui. Ela sempre foi uma inspiração para muitos", relata.
Partyka e Bruna fazem parte de um clube particular de personagens com Olimpíada e Paralimpíada no currículo. Segundo o Comitê Paralímpico do Brasil (CPB), o primeiro brasileiro foi o timoneiro Nilton Silva Alonço, o Gauchinho. Também estão nesse olimpo: o australiano Neroli Fairhall (tiro com arco) e a australiana Melissa Tapper (tênis de messa); o húngaro Pal Szekeres (esgrima); a belga Sonia Vettenburg (tiro esportivo); as italianas Paola Fantato (tiro com arco) e Assunta Legnante (atletismo); a estadunidense Marta Runyan (atletismo); a sul-africana Natalie du Toit (natação) e o sul-africano Oscar Pistorius (atletismo); o austríaco Pepo Puch (hipismo); a alemã Ilke Wyludda (atletismo); a iraniana Zahra Nemati (tiro com arco); e a croata Sandra Paovic (tênis de mesa).
Dos 15 competidores em Olimpíadas e Paralimpíadas, seis se gabam da participação em edições no mesmo ciclo — Paola Fantanato, Natalia Partyka, Natalie du Toit, Oscar Pistorius, Zahra Nemati e Melissa Tapper. Bruna Alexandre é a caloura desse time. Estar presente nas competições, porém, era o único objetivo. A catarinense de Criciúma trabalha com a meta de subir ao lugar mais alto do pódio em breve. "A Olimpíada é um caminho difícil para todos. Com certeza, Paris-2024 me ajudará muito a conseguir mais experiência. Estar no ginásio e viver tudo faz a diferença. Estarei no clima olímpico e paralímpico. Tenho o sonho de conseguir o ouro. Em Tóquio-2020, fiquei com a prata, mas tenho muita confiança no meu trabalho", afirma.
Contando os períodos dos Jogos Olímpicos, de 26 de julho a 11 de agosto, e dos Paralímpicos, entre 28 de agosto e 8 de setembro, Bruna passará cerca de dois meses na França. Em 22 anos dedicados ao esporte, jamais ficou tanto tempo longe de casa para uma competição. Mas isso não será problema, sobretudo quando a demonstração de dedicação dela pode alcançar e inspirar milhares. "O mais importante disso é, pensando nas próximas gerações, fazer um trabalho diferente no Brasil e no mundo, colocar as pessoas com deficiências mais juntas, desde a base. Isso pode fazer o Brasil crescer, melhorar a visão do povo e fazer nos entendermos melhor como seres humanos, pois isso (estar nos dois eventos) não é uma coisa comum. Pode nos ajudar muito a vermos que todos somos iguais e que conseguimos fazer tudo se nos unirmos", discursa.
A 49 dias da abertura da Olimpíada, Bruna projeta como deve se posicionar no novo desafio. "Preciso jogar na esperteza e saber mudar toda hora. É um jogo mais mutreta. É preciso saber mesclar. Quando eu jogo olímpico mesmo, tenho que mudar a chave, não pode ser igual ao paralímpico. É muito mais rápido, com volume. Tem que correr bem longe atrás da bola", ressalta.
Embora o foco no tênis de mesa domine a vida de Bruna, há momentos nos quais desligar é necessário. Nos dias de folga, não titubeia e joga as raquetes para o fundo do armário. Ela possui algumas válvulas de escape, como os passeios com cachorros, idas ao shopping, piqueniques no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, e rolês de skate. As maratonas de séries coreanas não ficam de fora do cronograma dela.
Bruna encerra o bate-papo com um recado aos brasileiros: "Gostaria de pedir para que o povo brasileiro torça muito para a delegação olímpica e paralímpica, pois trabalhamos muito neste ciclo de três anos. Estamos preparados e vamos para cima", garante.
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