FUTEBOL

As mentes por trás da candidatura do Brasil à sede da Copa Feminina de 2027

Valesca Araújo e Manuela Biz detalham ao Correio os processos de avaliação da Fifa e falam sobre a expectativa para a revelação do país vencedor, na madrugada de quinta para sexta-feira

O relógio marcava 0h11 em Bangkok, capital da Tailândia, 14h11 em Brasília, e o QG da candidatura do Brasil à sede da Copa do Mundo Feminina de 2027 funcionava sem bocejar no fuso de 10h. Incansáveis. Dormir é para os fracos, quando se tem o sonho de trazer o evento pela primeira vez para a América do Sul. Valesca Araújo, executiva responsável pela operação e infraestrutura da campanha verde-amarela; e Manuela Biz, executiva de comunicação, conversaram com o Correio na véspera do anúncio do país sede.

Disputado pela primeira vez em 1991, o torneio caminha para a 11ª edição apontando para duas rotas: Brasil e o combo formado por Alemanha, Bélgica e Holanda. Estados Unidos e México saíram da "licitação". No bate-papo a seguir, Valesca e Manuela falam do orgulho de um projeto construído predominantemente por elas. "A Copa do Mundo é feita por mulheres para mulheres", orgulham-se.

O suspense terminará amanhã. Ao fim do bate-papo, as duas profissionais foram dormir com a consciência tranquila, vitoriosa independentemente do desfecho. "Se vamos ganhar ou não é outra questão. A votação é uma escolha pessoal de que as pessoas compreendam qual é a opção adequada na perspectiva delas."

O colégio eleitoral da Fifa é formado por 211 países. Em caso de vitória, o país completará um ciclo impressionante. Em 20 anos, terá recebido Pan-2007, Copa das Confederações 2013, Copa do Mundo 2014, Jogos Olímpicos do Rio-2016, Mundial Sub-17 em 2019, Copa América em 2019 e 2021 e a Copa do Mundo Feminina em 2027. Brasília é uma das 10 cidades na tabela entregue à Fifa. Valesca e Manuela detalham como foi a inspeção na capital do país e por que a cidade tem oito jogos previstos — incluindo uma semifinal.

Como foi a inspeção da Fifa em Brasília?

Valesca Araújo — A visita em Brasília foi um dos pontos altos do período. A equipe foi muito bem recebida pelos operadores do estádio, com a preparação do estudo de tudo que era necessário apresentar e preparar. Todos sabiam dar as informações necessárias. Eles (membros da Fifa) saíram muito satisfeitos com a estrutura do estádio e as possibilidades de aplicar tudo o que é necessário para uma Copa do Mundo.

Quais foram os pontos positivos, negativos, recomendação de melhorias?

VA — Não se levantou ponto negativo. Com o resultado da avaliação técnica, ficou claro que foi tudo muito positivo. Melhoria a gente sempre tem de fazer, mas podemos aguardar o resultado, e aí ver qual será a condição real dos centros de treinamento, hotéis... mais próximo do evento para a gente poder trabalhar em cima de uma realidade, não de uma projeção.

Costuma-se dizer que Brasília é campeã em logística.

VA — Sim, essa questão viária, o número de hotéis disponíveis e a proximidade com o estádio também de alguns centros de treinamento facilita demais e faz com que todo mundo goste de jogar em Brasília. Não se perde tempo com tráfego. Você consegue cumprir muito bem os horários propostos com muita facilidade.

Qual é a avaliação do Mané Garrincha? O gramado é sempre uma preocupação.

VA — Os gramados são uma preocupação geral da Fifa, não somente em Brasília. A qualidade dos gramados para uma Copa do Mundo tem de ser de altíssimo nível. Existe uma equipe da Fifa que cuida disso. Tivemos essa experiência na Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e Mundial Sub-17 (2019).

Alguma recomendação da Fifa para a Copa de 2027?

VA — A questão do gramado de Brasília é algo totalmente contornável, haverá uma equipe específica para cuidar de todos os gramados, não somente do Mané Garrincha, como dos centros de treinamento das demais sedes. O que vale é a condição mais próxima do evento. Em três anos e meio, podemos fazer muita coisa para melhorar, inclusive deixando conhecimentos técnicos e profissionais para o pós-evento a fim de manter a qualidade muito alta.

A inspeção também visitou hotéis e centros de treinamento. A estrutura local agradou?

VA — A estrutura de Brasília é bem conhecida. Trabalhamos com a Fifa em três grandes eventos. Os centros de treinamento são sempre um ponto muito importante, um ponto de atenção, mas com a quantidade que se tem em Brasília, creio que isso é totalmente favorável.

Qual é a programação de jogos para Brasília em caso de vitória da candidatura do Brasil?

VA — No match schedule apresentado na nossa proposta, temos definido a quantidade de jogos, a abertura, os cruzamentos, oitavas, quartas e semifinais. Brasília está contemplada com oito jogos, incluindo uma semifinal. Abertura e final não estão em Brasília (serão no Maracanã, Rio de Janeiro).

Como avalia o papel da CBF, especificamente do presidente Ednaldo Rodrigues e do governo Federal na candidatura?

VA — Um dos diferenciais dessa candidatura é justamente a sinergia entre a CBF, o Governo Federal e a Conmebol. O presidente Ednaldo Rodrigues foi muito presente nos processos decisórios. Ele nos deu total liberdade para propor, criar e participou da aprovação sempre com muita disponibilidade. Foi primordial para isso. O Governo Federal enviou quatro representantes aqui para o dia do anúncio. É o que confirma esse compromisso com o evento, com a realização e o apoio a todas as necessidades que possamos vir a ter.

Até que ponto o interesse do presidente Lula em receber a Fifa no Palácio do Planalto pode ter sido um gol de placa da candidatura do Brasil?

Manuela Biz — Sim, pode ser considerado um gol de placa. A disponibilidade dele de receber essas pessoas em Brasília mostrou o quanto o Governo Federal apoia o projeto e está disponível para conversar, construir algo com sinergia. A gente sabe que não se faz Copa do Mundo sem suporte governamental. Não estou falando de suporte governamental no sentido de colocar dinheiro em estruturas, porque não é isso que a Copa do Mundo precisa, mas do apoio, trabalhar junto para construir questões de segurança, de transporte, de acesso às estruturas existentes, por exemplo, aeroportos. Tudo isso é jurisdição do governo, e a gente precisa trabalhar com ele para garantir que funcione em uma Copa.

É véspera da abertura do envelope, do anúncio do país sede. Que balanço fazem da maratona de uma candidatura histórica elaborada por mulheres?

MB — De fato, foi uma maratona. Um ano de muito trabalho, empenho para entregar a candidatura. O que a gente quis desde o começo é fazer o que estava em nossas mãos. Entregar uma proposta consistente, com valor. Nos esforçamos para ter um corpo técnico bastante qualificado, tanto para construir o BID Book, que foi entregue em dezembro, quanto para receber a Fifa na visita técnica. Estivemos cercadas de gente muito competente, muitas mulheres, inclusive, para responder as perguntas técnicas, enviar as melhores propostas, comercial, tecnologia, logística, transporte, broadcast... Procuramos conversar com quem sabia, para transmitir a informação da maneira mais sólida possível. Agora, temos uma sensação muito gostosa de saber que entregamos tudo o que podíamos, inclusive reconhecido pelo Report da Fifa com uma nota bastante alta. Se vamos ganhar ou não é outra questão. A votação é uma escolha pessoal de que as pessoas compreendam qual é a opção adequada na perspectiva delas.

Além da primeira Copa Feminina na América do Sul, o que diferencia a candidatura do Brasil do combo de Alemanha, Bélgica e Holanda?

MB — O principal diferencial da Copa do Mundo Feminina na América do Sul é que a gente tem duas perspectivas totalmente distintas. Os mercados da Europa e dos Estados Unidos (desistente) são mais desenvolvidos. Estão à nossa frente no desenvolvimento do futebol feminino. Isso é uma obviedade. A gente tem o panorama de um futebol que está crescendo, é uma realidade, mas com possibilidade de crescimento muito maior, de expansão. Outra questão é que a gente não fala somente de desenvolvimento comercial, mas social, técnico do esporte. Dá possibilidade de fazer o futebol crescer, não só no número de jogadoras, mas em intercâmbio para trazer mais qualidade técnica para essa região do globo.

A Copa Feminina só não foi disputada na América do Sul e na África...

MB — Quando a gente fala dessa questão de mercado, é importante ressaltar que o Brasil tem mais de 100 milhões de mulheres como habitantes. Se a gente pensa em América do Sul, é um número ainda maior. Metade dessas mulheres do Brasil tem menos de 35 anos, então a gente tem um volume gigante de mulheres que são o target (alvo) do evento. Outra coisa que eu gosto de falar também é a sinergia, o momento que a gente vive, que eu chamo de tempestade perfeita ao contrário. Estamos falando de um momento no futebol brasileiro em que temos a CBF trabalhando para desenvolver o futebol no Brasil, a Conmebol na América do Sul, o crescimento da transmissão de TV no Brasileirão, da audiência da Copa do mundo na Austrália e na Nova Zelândia, que atingiu mais de 60 milhões de brasileiros no ano passado. A gente vê o interesse da sociedade. Pela primeira vez, temos uma secretaria de futebol feminino dentro do Ministério do Esporte. A gente vê uma sinergia de várias organizações, camadas da sociedade e o interesse do público. Chamo isso de tempestade perfeita.

Marta deve se despedir da Seleção em Paris-2024, engajou-se na campanha pela Copa de 2027 e é um catalisador de votos. Ela será a embaixadora da Copa em caso de vitória?

MB — Queremos tê-la perto da gente sempre. Ela fez parte da campanha até aqui. É importante pela representatividade, história. A gente respeita muito a Marta como referência e queremos tê-la sempre perto, mas a resposta é só dela. Ela sabe os planos daqui para a frente.

Qual é o significado para as mulheres brasileiras de uma vitória do país para receber a Copa do Mundo de 2027?

MB — Quando a gente pensa no legado de 2014, a maioria das pessoas cita os estádios que foram construídos no Brasil. Isso cria uma controvérsia. O legado de 2014 é outro na nossa cabeça. Tínhamos quase 300 brasileiros trabalhando no Catar, por exemplo. Tem um monte de gente fazendo Paris-2024. A gente exporta essa mão de obra. Enquanto do ciclo do Pan de 2007 até a Copa de 2014 a gente precisou trazer gente de fora para trabalhar no Brasil e aprender a fazer grandes eventos, hoje a gente exporta essa mão de obra. A gente vê o reflexo disso nos eventos dentro do próprio Brasil. Queremos repetir essa primeira onda de desenvolvimento profissional em 2027, dessa vez, focando em mulheres. É uma oportunidade de colocar mulheres na liderança do futebol. Criar uma geração de mulheres qualificadas.

Qual é o maior recado?

MB — Quando uma mulher vê uma mulher ocupando um espaço, ela entende que também pode. Estamos falando tanto das meninas que verão as jogadoras e podem se inspirar, como aquelas que olharão para as árbitras, comentaristas, jornalistas, gestoras. É isso que as mulheres podem esperar. A Copa do Mundo é feita por mulheres para mulheres, também.

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