Se em um passado não tão distante ser mulher no esporte brasileiro era como andar com um alvo nas costas, imagine ser atleta mãe ou gestante. Embora ainda engatinhem por aqui, podemos dizer que os tempos são outros. Visibilidade e direitos foram conquistados por elas com muito empenho, dentro e fora das quadras. Um dos maiores símbolos da causa é Isabel Salgado, lenda do vôlei e protagonista de um gesto memorável contra os estereótipos ao jogar mostrando com orgulho a barriga da gestação de seis meses de um dos cinco filhos. A referência das quadras nos Jogos de Moscou-1980 e Los Angeles-1984 e pioneira da modalidade de praia morreu em agosto de 2022, mas deixou frutos. Um deles atende por Carol Solberg, classificada a Paris-2024, mãe e responsável por dar sequência ao legado de Isabel.
Ter dado à luz ao primogênito José e ao caçula Salvador é o maior orgulho da carioca de 36 anos. A decisão de viver a maternidade veio em 2012, quando não obteve vaga com a irmã Maria Clara para o vôlei de praia em Londres-2012. "Sempre tive o desejo e, obviamente, por ter o exemplo da minha mãe em casa no dia a dia, eu não via a maternidade como o fim da minha carreira, apesar de saber que é uma incógnita", compartilha, em entrevista ao Correio.
Parar de jogar não esteve nos planos de Carol Solberg, embora as normas da modalidade fossem menos flexíveis do que as atuais. "Tem coisas que evoluíram, graças a Deus, porque eram absurdas. Hoje, você volta com seus pontos de forma integral. Ainda falta muita coisa, claro, de direitos, de contratos, coisas que não podem acontecer, como empresas não poderem romper contratos por conta de uma gravidez", analisa.
As gestações tiveram tratamentos diferentes. Na primeira, teve o apoio de um patrocinador e a tranquilidade para voltar a competir. Com o caçula Salvador, foi diferente, com perda de pontos e ameaça de processo por um funcionário dos bastidores da modalidade por ter se recusado a jogar devido à exaustação. "A volta foi bem dura, tive que reinvestir tudo que tinha para voltar ao topo e continuar no Circuito Mundial. Levei os dois comigo nos primeiros anos, enquanto estava amamentando. Ser mãe e ter uma carreira, seja ela qual for, é sempre um desafio muito grande. É um caos, o caos mais maravilhoso do mundo", define.
Embora seja exemplo de maternidade no esporte, Carol evita comparações com Isabel Salgado. "A minha mãe teve quatro filhos enquanto estava jogando. Eu tenho só dois. Me questiono como ela fazia as coisas. Com dois é tão difícil, com quatro, não consigo nem imaginar", brinca.
Histórias com os herdeiros? Ela tem de sobra. "Sempre acontecem episódios curiosos e divertidos, desde eles invadirem quadra, estarem perto do banco falando alguma coisa ou se machucarem durante torneio. Ter filho é isso, você nunca sabe exatamente como as coisas vão acontecer. Rola de tudo", ressalta. E a próxima aventura da família será em lugar conhecido, em Paris, aos pés da Torre Eiffel, na Olimpíada, a partir de 26 de julho.
Carol ainda encontra tempo para tocar um projeto social de vôlei de praia no Rio de Janeiro, o Levante. "Surgiu com a ideia de, principalmente, ser um espaço de acolhimento, de troca. Se o dia de alguma criança for melhor por conta do projeto, é o que faz sentido para a gente. A minha equipe é preocupada em levar um pouquinho mais de qualidade de vida para cada um, apresentar um esporte legal em que eles aprendam valores", discursa.
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