Enquanto o vôlei de praia feminino segue fiel às tradições com a alternância do poder entre duplas brasileiras, canadenses e estadunidenses, a disputa masculina passa por mudanças severas. Foi-se o tempo em que os homens sul ou norte-americanos mandavam nas areias. A modalidade acostumada a beneficiar os atletas de regiões agraciadas pelo calorão agora vive a própria “era do gelo” com o protagonismo escandinavo.
Nas condições normais de temperatura e pressão de anos anteriores, Brasil e Estados Unidos se revezariam na ponta do ranking masculino da Federação Internacional de Vôlei (Fivb). Hoje, o melhor par brasileiro é formado por André Stein e George Wanderley. Treinados pelo brasiliense Ernesto Avogado, o capixaba e o paraibano ocupam a terceira colocação, seguidos pelos americanos Miles Partain e Andy Benesh.
Para alcançarem o topo, teriam de combinar com os atuais líderes e campeões olímpicos em Tóquio-2020, Anders Mol, 26 anos, e Christian Sorum, 28; e com os suecos David Ahman e Jonatan Hellvig (2º), jovens de 22. Quem se recorda do protagonismo de Brasil e EUA no passado recente deve se perguntar como os valores das quadras de areia foram invertidos. As respostas estão nos investimentos dos países na modalidade. Cerca de duas décadas atrás, decidiram entrar no mapa do esporte e começaram pelos trabalhos de base.
Para isso, beberam das fontes brasileira e norte-americanas ao captarem treinadores para, além de formar jovens, desenvolver treinadores. “Esses técnicos levaram metodologias e o investimento surtiu efeito. Os suecos, por exemplo, são campeões mundiais sub21. Parte de uma visão a longo prazo, que deu know-how (conhecimento especializado, em inglês) aos profissionais locais. Aprenderam com o tempo e, hoje, estão entre os principais”, analisa o brasiliense Ernesto Vogado.
A Federação Norueguesa de Vôlei levou além o projeto para o alto rendimento. Levantamento do Correio constatou a presença de 148 centros de treinamentos de vôlei de praia espalhados por 10 regiões nos mais de 385 mil quilômetros do país. No entanto, Anders Mol e Christian Sorum, por exemplo, passam mais tempo longe do que em casa. A justificativa está nas condições climáticas. A temperatura ao longo do ano varia entre -11 °C e 17 °C, com média de 6,6 °C. Os homens do gelo são forçados a peregrinar por aproximadamente 250 dias para seguir em condições de jogo semelhante às dos principais adversários. Uma das bases costuma ser a Espanha. As iniciativas têm dado certo.
Além do título olímpico nos Jogos de Tóquio, Mol e Sorum conquistaram duas das últimas três edições do Circuito Mundial, em 2018 e 2019, e a versão de 2018 do Mundial ao superar os brasileiros Renato e Vítor Felipe. A Suécia se inspira no país vizinho. Lidera o ranking da Fivb com o protagonismo de David Ahman e Jonatan Hellvig. Os jovens subiram ao pódio nas duas etapas anteriores da Elite16 do Circuito — prata em Doha, no Catar, e ouro em Tepic, no México. O desempenho no ciclo lhes renderam classificação antecipada aos Jogos de Paris-2024.
Assim como a Noruega, a Suécia está acostumada com temperaturas baixas. A iniciativa por lá, porém, foi criar salas fechadas de vôlei de praia, as Beachvolleyhallar. São oito instaladas de norte a sul do país, com objetivo de oferecer estrutura independentemente da estação. O resultado é visível. Em 23 de abril, Ahman e Hellvig interromperam a hegemonia de 568 dias de Mol e Sorum no topo do ranking.
Brasileiros e americanos não deram os peixes, mas ensinaram os técnicos escandinavos a pescar. Hoje, as duplas dos dois países são treinadas por pratas da casa e comemoram a classificação antecipada a Paris-2024. Pai de Mol, Jetmund Bertsen é a mente por trás do sucesso do filho ao lado de Sorum. Embora não estejam na etapa Brasília do Elite16 do Circuito Mundial, a família Mol é representada por Hendrik, irmão de Andernse e parceiro de Mathias Berntensen. O ex-jogador Rasmus Jonsson é a voz da consciência de Ahman e Hellvig.
Emergentes
A República Tcheca também pede passagem no cenário. No embalo dos atuais campeões mundiais, Ondrej Perusic e David Schweiner, ocupam a quinta colocação do ranking. O Catar investiu bilhões na realização da última Copa do Mundo de futebol e também mira o protagonismo no vôlei de praia. Em Tóquio-2020, obteve a primeira medalha olímpica da história, com o bronze de Cherif Younousse e Ahmed Tijan, dupla número oito do planeta.
*Estagiário sob a supervisão de Victor Parrini