Tênis

Perto da aposentadoria, Rafael Nadal vai de bicho-papão a zebra em Roland Garros

Maior campeão do torneio nega última participação, mas idade avançada e série de lesões o desafiam. Estreia ocorre hoje, contra Alexander Zverev

Spain's Rafael Nadal holds a press conference during the French Open tennis tournament at the Roland Garros Complex in Paris on May 25, 2024.  -  (crédito: Bertrand Guay/AFP)
Spain's Rafael Nadal holds a press conference during the French Open tennis tournament at the Roland Garros Complex in Paris on May 25, 2024. - (crédito: Bertrand Guay/AFP)

Acostumado a ser uma espécie de bicho-papão em Roland Garros, Rafael Nadal viverá situação inusitada a partir de hoje, em Paris. O tenista espanhol, maior campeão do torneio francês, será candidato a zebra devido a uma série de problemas físicos que o afastaram da maior parte do circuito nos últimos dois anos. 

Pela primeira vez na carreira, Nadal entrará em Roland Garros sem status de cabeça de chave. Ele é apenas o atual 276º do mundo e só conseguiu ingressar na chave com o "ranking protegido", recurso criado pela ATP para ajudar tenistas que sofreram graves lesões no circuito.

A posição no ranking destoa fortemente do currículo do espanhol, que ganhou 14 dos 22 títulos de Grand Slam em Paris. O número tem ainda mais força se levar em consideração que ele foi campeão em 14 das 18 participações que fez em Roland Garros. Não há nada comparável com essa estatística na história dos torneios deste nível. Foi em Paris que Nadal alcançou o status de maior jogador de saibro de todos os tempos.

O Rei de Roland Garros, contudo, viu a imagem de imbatível desaparecer aos poucos nos últimos meses, em razão de limitações físicas. Acostumado a enfrentar lesões ao longo da carreira, Nadal percebeu as dificuldades crescerem de vez no ano passado, quando um problema no quadril encerrou a temporada, ainda no mês de janeiro.

Depois de um ano afastado, voltou ao circuito em janeiro deste ano, longe de convencer. Logo novas emergências físicas apareceram. No total, ele soma seis torneios disputados em dois anos. O tenista, que completará 38 anos em 3 de junho, não demorou para adotar um tom de despedida.

"Quando as pessoas começarem a perceber que não haverá muitas chances de me verem jogar novamente, provavelmente, se sentirão um pouco mais emocionadas, mais tristes, porque de alguma forma é o fim de uma era importante na história do tênis", disse Nadal, no início do mês.

Ele cogitou deixar o circuito nesta temporada, sem apontar datas ou torneios de despedida. Como confirmou presença na Laver Cup, em setembro, é improvável que o espanhol anuncie aposentadoria em Roland Garros. Há a possibilidade ainda de receber convite para competir na Olimpíada de Paris-2024 — o tênis terá justamente Roland Garros como sede. Não seria estranho se Nadal repetisse o amigo Roger Federer e fizesse o último jogo da carreira na Laver Cup, torneio por equipes, em clima festivo.

Em Roland Garros, Nadal corre sério risco de se despedir logo na primeira rodada, o que seria histórico. Ele só saiu do torneio na primeira semana uma única vez, em 2016, ao desistir após vencer na segunda rodada, também por problemas físicos. Desta vez, o perigo mora na estreia e tem nome famoso: o alemão Alexander Zverev. Pelo sorteio, o espanhol enfrentará logo de cara o atual número 4 do mundo, campeão do Masters 1.000 de Roma há cerca de 10 dias.

"Quando você não é cabeça de chave, qualquer coisa pode acontecer. É parte do jogo", afirmou Nadal. Contra Zverev, de 27 anos, o espanhol apresenta um retrospecto favorável no confronto direto: cinco vitórias em seis jogos disputados no saibro, superfície de Roland Garros. Mas os tenistas estão em estágios diferentes na carreira.  

Do calvário ao retorno

Domingo, 5 de junho de 2022: Rafael Nadal, com infiltração no pé esquerdo, vence o 14º título de Roland Garros. Segunda-feira, 20 de maio de 2024: o espanhol treinou na quadra Philippe Chatrier, no complexo em Paris, onde não pisava havia dois anos.

Entre as duas datas, Nadal quase não jogou no circuito. O lendário tenista passou meses e meses de licença médica, sem saber se conseguiria recuperar o corpo castigado. O veterano considerou 2024 quase como uma 'turnê de despedida' e estar em Paris tem um valor muito especial para ele.

Afetado fisicamente em 2021, Nadal conseguiu uma surpreendente primeira metade de temporada em 2022, com dois títulos de Grand Slam: na Austrália e em Roland Garros, alcançando um recorde de 22 títulos de majors na categoria masculina na época (depois, Novak Djokovic quebrou o recorde, chegando mais tarde a 24).

Em Wimbledon, o espanhol alcançou as semifinais, mas uma lesão abdominal o forçou a desistir antes da semifinal. "Não tem sentido jogar se quero continuar minha carreira", declarou na ocasião.

Depois, disputou apenas quatro torneios naquela temporada: foi eliminado na estreia em Cincinnati; nas oitavas de final do US Open; na primeira partida no Masters 1.000 de Paris-Bercy; e perdeu as duas primeiras partidas na fase de grupos do ATP Finals de Turim. Desde 2009, nunca havia emendado quatro derrotas consecutivas.

Nadal viajou para a Austrália no início da temporada de 2023, mas tudo acabou cedo para ele: depois de duas derrotas na United Cup (nunca havia começado uma temporada com duas derrotas), abandonou na segunda rodada do Aberto da Austrália, com um problema no quadril. "Dói, como sempre. Mas o copo está começando a ficar cheio, em algum momento vai transbordar", alertou Nadal em uma entrevista coletiva.

Ele passou por uma cirurgia de psoas — o músculo mais profundo e estabilizador no corpo humano, afetando o equilíbrio estrutural, a amplitude do movimento, a mobilidade articular e o funcionamento dos órgãos do abdômen. A temporada, que havia acabado de começar, estava encerrada.

Sem nenhum novo título desde Roland Garros, em 2022, Nadal decidiu forçar o corpo para disputar o Grand Slam parisiense onde construiu lendária carreira, embora um 15º título pareça uma missão quase impossível para ele no momento.

No início deste ano, ele viajou para a Austrália com o objetivo de iniciar a temporada, mas voltou a se lesionar, desta vez antes mesmo de ir para Melbourne: a coxa esquerda o deixou fora de ação em Brisbane e foi sucessivamente declarado desfalque de outros torneios (Aberto da Austrália, Doha, Indian Wells).

Nadal era esperado no início de abril em Monte Carlo, um dos torneios favoritos do espanhol e o primeiro grande evento da temporada europeia em saibro, mas três dias antes da estreia, também se declarou ausente, com uma explicação tão misteriosa quanto perturbadora: "Simplesmente, meu corpo não permite".

Na semana seguinte, disputou o torneio de Barcelona e perdeu na segunda rodada para o australiano Alex De Minaur, por 7/5 e 6/1. Em Madri, conseguiu emendar, pela primeira vez desde o US Open de 2022, três vitórias em um torneio, antes de ser eliminado nas oitavas de final pelo tcheco Jiri Lehecka (7/5 e 6/4).

Foi a Roma como 'ensaio geral', mas não teve um bom desempenho, derrotado na segunda fase pelo polonês Hubert Hurkacz (6/1 e 6/3). "Não joguei muito nos últimos três anos. São muitas dúvidas, muitas perguntas", reconheceu.

 

Espanhol descarta homenagem

Rafael Nadal afirmou, no sábado, que a edição 2024 de Roland Garros pode não ser a última participação no torneio francês. O tenista espanhol disse estar bem fisicamente e destacou que não pretende fazer previsões sobre o futuro imediato.

"Se eu tiver que dizer com 100% de certeza que esta é a minha última participação em Roland Garros, desculpe, mas não vou falar isso. Porque não posso prever o que vai acontecer. Espero que vocês entendam", afirmou o ex-número 1 do mundo em entrevista coletiva, na capital francesa.

"Eu não quero fechar totalmente a porta porque é uma questão muito simples. Primeiro, eu gosto muito de jogar tênis", reforçou o espanhol. "Talvez daqui a um mês e meio, eu possa dizer: 'ok, já deu, não consigo continuar'. Mas hoje eu não posso garantir que esta será minha última vez aqui."

Questionado sobre a condição física, o dono de 14 títulos em Roland Garros evitou detalhes. Porém, disse que está "mais ou menos em termos de saúde, mas jogando sem limitações". "Estou me sentindo melhor, esta é a verdade. E não porque estou aqui. Provavelmente porque fizemos algumas coisas que me ajudaram e temos trabalhado sem parar para manter o processo de recuperação para tentar chegar aqui da maneira certa."

A Federação Francesa de Tênis adiou uma cerimônia para homenagear Nadal em Roland Garros neste ano. A decisão foi tomada após o maior vencedor do Grand Slam francês afirmar que pode não ser necessariamente a última participação no torneio.

A diretora de Roland Garros, a ex-número 1 Amélie Mauresmo, disse, ontem, que Nadal informou que não queria encerrar a história no torneio antes de anunciar isso em uma entrevista coletiva. "Tínhamos algo planejado para ele. Mas como não sabe se será o último Roland Garros, ele quer deixar a porta aberta para talvez voltar no próximo ano", afirmou Mauresmo. "Então, não vamos pressioná-lo a fazer nada", completou. "A decisão é dele quando quiser uma cerimônia adequada. Então, não vamos fazer isso este ano. Esse é o desejo dele." 

Falta de favoritos ao título

Mas não é apenas o momento difícil de Nadal que torna Roland Garros algo imprevisível neste ano. Os demais candidatos ao título parecem estar em condições físicas quase tão complicadas quanto o espanhol. O sérvio Novak Djokovic ainda não disputou uma final sequer neste ano e vem acumulando derrotas para adversários inexpressivos nas últimas semanas.

O italiano Jannik Sinner, campeão do Aberto da Austrália, e o espanhol Carlos Alcaraz, campeão de Wimbledon, também estão jogando aquém do esperado em razão de limitações físicas. O russo Andrey Rublev e o grego Stefanos Tsitsipas, campeões em Montecarlo e Madri, nas últimas semanas, não convenceram depois das conquistas recentes.

Por tudo isso, Roland Garros apresenta pela primeira vez em quase 20 anos — Nadal iniciou o domínio em 2005 — um cenário favorável a surpresas na chave masculina. No feminino, a situação é oposta, com a polonesa Iga Swiatek forte candidata a manter a hegemonia recente. A tricampeã de Roland Garros e atual número 1 do mundo vem de dois títulos consecutivos em Paris e não encontra adversárias à altura no saibro.

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postado em 27/05/2024 06:00
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