Há exatos 30 anos, o Brasil parou em luto. Naquele 1º de maio de 1994, o país acompanhou o acidente fatal de Ayrton Senna, no Grande Prêmio de San Marino, em Ímola, na Itália. Mas se ali morreu o piloto, também nasceu uma lenda. Três décadas depois, o tricampeão mundial de Fórmula 1 ainda permanece vivo na memória de muitos brasileiros. É o que mostra a terceira e última reportagem da série especial do Correio Braziliense sobre os legados de Senna.
A grandeza do piloto fez se tornar religioso o povo parar nas manhãs de domingo para assistir às corridas. A do acidente, em específico, é uma das mais difíceis de esquecer para quem estava com a televisão ligada no dia.
"Eu lembro de praticamente tudo. Foi um fim de semana difícil, teve a morte do (austríaco) Roland Ratzenberger, a quase morte do Rubinho (Barrichello), começou a corrida e teve um outro acidente grave, até que, na relargada, teve o Senna. O Galvão falando que ele bateu forte, nunca me esqueço. Fomos almoçar sem fome, naquela angústia, esperando notícias, porque naquela época demorava mais para chegar. Quando soubemos da morte foi um baque, assim como os dias seguintes. Tivemos hora cívica no colégio, uma comoção até a chegada dele no Brasil. Tenho tudo na memória", recorda Henderson Daniel. Ele tinha 14 anos na época.
A lembrança transformou a imagem de Senna para o empresário. Antes, a visão era de um esportista que dava orgulho para o país. Depois, se tornou um ícone e um exemplo. O lamento pelo piloto ter ido cedo demais virou felicidade por ter acompanhado a carreira e incentivou Henderson a repassar o legado aos filhos.
"Há 10 anos mostrei documentários do Senna para o meu filho mais velho, que hoje tem 22 anos. Lembro dele ficar impactado com o tamanho do Ayrton, não só pelos números, mas pela admiração de todos por ele até hoje. Minha filha do meio, de 10 anos, estava contando sobre ter assistido a episódios do Senninha, então também está começando a saber da história. Os caçulas estão com cinco agora, vamos introduzindo aos poucos, porque é bom manter essa chama acesa e a imagem dele viva", conta.
“Ele é superação, comprometimento, foco, confiança em Deus, coragem. Mostrou para o mundo que o Brasil é mais que futebol e samba. Muitos de nós que torcemos na época ainda o temos entranhado no subconsciente, justamente por essas mensagens que ele deixou, todo mundo da minha geração queria se espelhar nele”, acrescenta o empresário.
A influência dos feitos do automobilista nas pistas contribuiu até para a definição do rumo profissional das pessoas. Fã dos carros de corrida, o repórter fotográfico Alex Farias, de 51 anos, credita a Senna a cereja do bolo para escolher a carreira e ficar próximo daquilo que amava desde garoto.
"Sempre fui apaixonado pelo automobilismo. Era fã do Fittipaldi e do Piquet. Quando veio o Senna, foi aquela chama que fez acender a vontade de ser fotógrafo e trabalhar com isso. Minha primeira cobertura internacional de Fórmula 1 foi em Mônaco, em 2015. Lembro quando passei no túnel pela primeira vez, fechei os olhos e toda vez que passava um carro eu via o Ayrton passando na minha mente. Nunca vou esquecer dessa experiência. Em toda a pista que eu vou eu o procuro, na Inglaterra, no Japão, na Bélgica", compartilha.
Para Alex, o piloto é o exemplo do brasileiro que deu certo. O tamanho da idolatria, no entanto, fez o dia do acidente em Ímola ter um gosto amargo para o fã. Porém, com o passar do tempo, o luto deu lugar ao orgulho e os anos trouxeram um novo significado para a data.
"1º de maio de 1994 foi um dia fatídico e todos os aniversários eram dias muito tristes, ainda mais em um feriado que deixava tudo mais nostálgico. Mas em 1999, nessa mesma data, realizei um sonho com o nascimento do meu filho. Foi uma forma de consolar a aflição que eu sentia todo 1º de maio e me fez enxergar que a vida está sempre se renovando. A memória do Ayrton é isso, aprendi que é importante sentir a dor, o luto, a alegria e seguir, porque o legado dele segue junto, para sempre", revela.
Uma das histórias favoritas para o fotógrafo foi no GP de Mônaco de 1984. Na ocasião, Senna, ainda na Toleman, estava perto de ultrapassar a McLaren de Alain Prost e assumir a liderança, quando a corrida no principado foi interrompida, por pressão de Jean-Marie Balestre, presidente da FIA, em uma interferência para beneficiar o francês.
"Ele no pódio, em segundo, estava com uma cara de decepção sendo ignorado. Até hoje eu lembro do rosto dele. Naquele momento ele deve ter pensado em voltar ali e ganhar. E ele fez, ganhou seis vezes, virou o Rei de Mônaco. Essa é uma lição que guardei. Por mais que as pessoas tentem tirá-lo do seu caminho, com foco e determinação você consegue voltar e vencer. Ele inspirava as pessoas. Enquanto ele for lembrado por aquilo que ele fez, nunca vai estar morto", agradece.
Pela lente das câmeras, ele percebe a presença do tricampeão que até nas novas gerações que não o viram correr. Alex revela acompanhar com frequência corridas de kart e percebe crianças com capacetes nas cores do ídolo, com maior interesse em conhecer. Ainda assim, ele reconhece que acha difícil ter um “novo Senna”, termo que ficou banalizado em outros esportes, como “novo Pelé”, “novo Jordan” e outros.
“Nunca ouvi ninguém falar essa expressão, até porque existe muito respeito. Quem se dedica pode chegar lá e ter sucesso, mas acho que não da mesma forma do Ayrton. Para os mais novos, ele não é uma comparação, é uma referência. Quando a gente honra isso, seja uma pintura no capacete, uma homenagem, é como sentimos que ele está vivo”, analisa.
Por falar em homenagens, o fotógrafo lançará uma revista contando toda a carreira do piloto com matérias e retratos de profissionais do mundo inteiro. Ele havia publicado outra em 2019, no aniversário de 25 anos da morte, e visitou o túmulo do automobilista pela primeira vez para deixar um exemplar ao lado. Questionado sobre o que falaria ao ídolo se tivesse a chance, o recado de Alex seria o mesmo que todo brasileiro adorava dizer, e permanece motivo de orgulho mesmo 30 anos depois: "Acelera, Ayrton!".
*Estagiário sob supervisão de Marcos Paulo Lima
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