Entrevista: Tiago Costa Rocha

Saiba como a inteligência artificial revoluciona o futebol na Europa

CEO da empresa de Inteligência Artificial Full Venue conta ao Correio como a ferramenta transforma a indústria da bola na Europa. Mercados do Brasil e dos EUA entram no radar da tecnologia de ponta

A inteligência artificial é um caminho sem volta na indústria do esporte. É o que afirma ao Correio Braziliense Tiago Costa Rocha, CEO da Full Venue — empresa europeia de IA. O português morou no Recife, conhece o futebol brasileiro e mira não somente o mercado nacional, mas também os EUA. Um dos trunfos é a coleção de cases de sucesso em federações como a da Romênia, da Finlândia e do País de Gales, que usou o recurso para lotar estádio nas Eliminatórias da Eurocopa em jogos sem apelo comercial.

 

A inteligência artificial será uma realidade nos próximos megaeventos esportivos?

Eurocopa, Copa América, Olimpíada e Copa do Mundo já terão grande envolvimento com inteligência artificial na relação com o fã, na captação de mais torcedores. As soluções darão suporte para a comunicação com pessoas interessadas nos produtos.

Onde é possível notar IA?

A inteligência artificial está presente de forma clara na área do marketing digital. Na criação de soluções para engajamento dos fãs de um lado, e do outro na área da performance.

Como aliar IA ao desempenho de astros?

Neymar e Ronaldo são dois casos de jogadores talentosos, mas com genética e estilos de vida diferentes. Ronaldo é um atleta extremamente focado nos exercícios, na quebra de recordes. Associado a longevidade. Neymar vive de talento puro. Tem mais semelhanças com o cidadão normal. Gosta de viver, não é tão focado. A IA é aplicada a esse tipo de atletas por meio da análise dos dados biométricos, frequência cardíaca, capacidade de absorção de oxigénio. Isso pode dar origem a um plano de treino, de alimentação, de sono para a maximização da performance.

Os técnicos de futebol já contam com IA?

Eu creio que eles já estão usando inteligência artificial. Quando a comissão técnica se reúne, eles são confrontados com informações do adversário. Adaptam a tática em cada jogo de acordo, por exemplo, com um posicionamento tático habitual da defesa adversária, que pode ser contrariado por meio um lance de bola parada. O plano vai sendo mudado com base nos dados que a comissão técnica recolhe em diferentes plataformas de análise do comportamento das equipes e tomam decisões.

Como surgiu o plano de aplicar IA à indústria do esporte?

Nasceu enquanto eu trabalhava na Federação Portuguesa de Futebol. Comecei a perceber a quantidade de informação que organizações esportivas recolhem sobre os consumidores e a pensar que essa informação pode ajudar na gestão, na tomada de decisões orientadas e fundamentadas. Havia um potencial para a inteligência artificial, um valor. Ela poderia agregar mais vendas de ingressos, merchandising nas lojas on-line. Fontes de receita. Aplicamos modelos de inteligência artificial sobre os dados que os nossos clientes recolhem.

Como funciona o plano?

Vamos imaginar que um time quer aumentar os sócios torcedores. Vamos analisar todos os dados no ecossistema digital desse time e encontrar o grupo que, segundo, os modelos matemáticos, tem maior probabilidade de se tornar sócio torcedor, comprar camisa, ingresso. A gente identifica essas audiências e entrega às equipes de marketing, que depois comunicam com maior assertividade.

Os dirigentes estão abertos?

Inteligência artificial para muita gente ainda é abstrato. As pessoas não entendem muito bem o valor. Se nós pensarmos em departamentos de marketing, grande parte das vezes eles são constituídos mais por pessoas da área de marketing digital do que propriamente da tecnologia dos dados, da engenharia. Esse casamento é necessário. Quem está nessa área precisa criar soluções que simplifiquem a utilização de tecnologias como a inteligência artificial para um público alvo que não está tão apto a desenvolvê-las, mas, sim a utilizá-las. Essa é a ideia. Fornecemos uma peça que as equipes de marketing possam utilizar facilmente para aumentar o engajamento e a conversão das campanhas. Acrescentar a capacidade do negócio com quem estamos trabalhando e mostrar o impacto que pode trazer.

Como a IA pode o Brasileirão?

Segundo números aos quais eu tive acesso, deve rondar ali pelos 50%, 60% a média de ocupação dos estádios por jogo. Há clubes que têm mais que isso, 80%, 90% a temporada toda, e há clubes que têm menos. Vamos trabalhar com 50% a 60%. Há uma margem muito grande para aumentar o número de torcedores nas arenas no Brasil. Os estádios são grandes. A inteligência artificial aplicada aos dados recolhidos desses torcedores aumenta as fontes de receita com bilheteria, merchandising.

 

Arquivo Pessoal - Tiago Rocha: "Fizemos com que o País de Gales esgotasse ingressos"

 

Calendários insanos como o do Brasil atrapalham?

Há muitas tecnologias, muitas propostas difíceis de serem operacionalizadas pelos clubes porque os times têm uma atividade muito constante de jogos todas as semanas. Alguns projetos não são implementados porque não há tempo nem recursos para execução. O que fazemos é assumir essa parte. O clube apresenta a necessidade e nós operacionalizamos a ação. Esse casamento entre o futebol e a inteligência artificial, no fundo, é uma forma de capitalizar os recursos que os clubes têm.

Quando a Full Venue decolou?

Nós começamos a nossa caminhada pela Federação da Bélgica. Depois, fomos para a Romênia. Da Roménia para o País de Gales, Finlândia, e estamos conversando com a França e a Holanda. Temos uma plano macro de trabalhar com as 55 federações da Uefa.

Como a IA fez a diferença?

Pegando um caso concreto. A Federação da Romênia queria vender mais produtos on-line, merchandising. Eles têm uma loja e queriam aumentar a comercialização. Nós começamos a trabalhar em 2020. Trabalhamos durante o ano de 2023. Fizemos análise comparativa com 2022 e a Roménia aumentou em 52% as vendas de e-commerce na comparação com o período homólogo de 2022.

Há outros "cases"?

No País de Gales, fizemos com que a seleção esgotasse assentos no estádio e vendesse os 30 mil bilhetes para dois jogos das Eliminatórias da Eurocopa contra a Letônia e a Armênia, no Cardiff City Stadium. Com a Bélgica e com a Finlândia, o trabalho é essencialmente focado nisso também. Aumentamos cerca de 150% do número de torcedores registados, ou seja, sócios torcedores. Ajudamos a Finlândia a aumentar as vendas de e-commerce em 30%. Trabalhamos em Portugal com o Estoril, temos parceria com o Benfica, fechamos parcerias com clubes belgas e vamos trabalhar na Espanha com o Villarreal.

O Brasil e o continente americano estão no radar?

É um objetivo. Nós vamos chegar ao Brasil e aos Estados Unidos. Talvez, a estratégia vá passar por entrar pelo futebol fechando colaboração com uma marca como a Major League Soccer (MLS) e depois tentar chegar aos clubes. Queremos a nossa primeira parceria. Temos alguns contatos com Red Bull Bragantino. Tivemos reuniões com o São Paulo. Falamos com o Athletico-PR. Nós tivemos a oportunidade de falar com o Corinthians por meio de um parceiro. Fechar com com um time como o Corinthians ou como o Flamengo seria algo gigante.

As federações europeias estão engajadas. E a CBF?

Falamos com a CBF no ano passado e neste ano vamos voltar à carga para tentar fazer algo. Na época, o tema foi relacionado com a plataforma de venda de ingresso. Explicamos a nossa lógica para a CBF e qual seria a ideal. A CBF ficou de pensar, colecionar os dados e conversarmos novamente.

O futebol brasileiro está pronto para o investimento?

Inteligência artificial vive de dados vivos. Quanto maior é a quantidade de dados, mais eficiente é o resultado dos modelos que nós aplicamos. O Brasil é um sonho para nós devido a quantidade de informação. Quanto maiores os detalhes, maior a eficiência e a eficácia. O Brasileirão é o terceiro campeonato mais visto em Portugal, atrás apenas do Português e da Premier League. É um campeonato que claramente tem potencial de imagem e talento.  

A sonhada criação da Liga facilitaria o acesso?

Nós falamos com ligas habitualmente. A visão da liga é centralizar, como acontece na NBA, na MLS, na NFL. Há um organismo que é responsável por centralizar a venda de ingressos, de produtos oficiais, as compras dos torcedores. Faz todo o sentido. Vai ser a fonte de toda a informação.

Como convencer federação ou clube a investir em IA?

Com números, tendo em conta o tamanho e a forma como o mercado brasileiro consome futebol. Nós só vamos ganhar com base naquilo que girarmos a mais. O torcedor tem um nível de tolerância, uma vontade de estar conectado. Os clubes de futebol têm o privilégio de se comunicar com a sua massa, agradá-la, falar com ela. É aproximar os clubes dos torcedores e gerar novos torcedores.

Há um prazo para o retorno?

No fim de um ano, no fim de uma temporada, quem está dentro de um clube ou de uma federação vai olhar para dentro do próprio negócio e pensar: "houve uma evolução, aumentei torcedores, aumentei vendas, tive mais ingressos vendidos".

As transmissões também sofrerão cada vez mais influência da IA?

Há muito dinheiro associado a direitos direitos de transmissão. Eu acho que, no futuro, vamos ter um canal de televisão em que a gente possa ver 10 ligas diferentes de 30 países diferentes. Nós teremos produtos individuais para assinar e isso vai gerar mais receita para quem está do lado do negócio em nível de inteligência artificial. Vai ajudar a tornar esses produtos mais competitivos, até com a capacidade de um torcedor sentir que está cada vez mais no ambiente do estádio, ou seja, estar em casa, mas colocar os óculos e, de repente, estar no melhor lugar do estádio porque pagou para estar ali. Adquiriu uma assinatura premium do serviço.

 

O foco está somente nas organizações ou pensam em auxiliar atletas com a IA?

Depende das necessidades desse profissional. Nós majoritariamente temos parcerias com organizações esportivas, mas trabalhos com uma atleta do salto triplo (portuguesa), a Patrícia Mamona. Ela é um ativo fortíssimo no mundo digital. Atleta vai ganhar mais dinheiro quão melhor ela se vender para determinada marca e por meio da análise do comportamento dos seguidores. É uma possibilidade, mas nós ainda não fomos a fundo.

 

Qual é maior "case" da Full Venue?

Nós temos um especial na área dos festivais de música. Há clubes em que dobramos a venda de produtos oficiais, a venda de ingressos durante uma temporada, ou seja, coisas que fazem sentido. Nós tivemos um festival de música, o Primavera Sound, um dos maiores da Europa. Eles já tinham toda uma estratégia de marketing. Quando entramos, a nossa sugestão foi, ok, continuem a vossa estratégia, mas adicionem um um novo segmento de comunicação para a audiência que nós vamos encontrar por meio do nosso algoritmo. Eles aceitaram e adicionaram um um novo nível de comunicação que nós identificamos. Ao fim de dois meses, essa audiência estava gerando 70% do total das vendas. As outra três juntas geravam 30%. O que aconteceu depois foi que o cliente optou apenas pela nossa comunicação. É importante as pessoas comunicarem as marcas para quem quer realmente receber esse tipo de comunicação. O Primavera Sound ficou na nossa memória.

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