Campinas (SP) — São Petersburgo, oito de março de 1917. Naquela data, 90 mil operárias russas foram às ruas para reivindicar melhores condições de trabalho, vida e pedir uma sociedade mais justa. Você pode pensar que o protesto no Leste Europeu foi mais do mesmo para uma época carregada de relatos de lutas feministas e em prol da igualdade. Mas não caia nesse engano. Ali, ficou marcada a formalização da proposta de criar o Dia Internacional das Mulheres. O reconhecimento como evento e movimento anual, porém, só veio 1975, na Assembleia da Organização das Nações Unidas. Quarenta e nove anos depois, debates e reflexões sobre a participação delas na sociedade ainda são necessários. No entanto, em alguns aspectos, houve evolução. O esporte é um deles. Daqui a 140 dias, Paris receberá a Olimpíada mais equilibrada. Pela primeira vez, homens e mulheres terão a mesma representatividade entre os atletas. Não é um ganho de hoje. Esforços empreendidos no passado abriram esse caminho. Virna Cristine Dantas Dias tem dedo nisso. Ou melhor, as mãos.
A potiguar de Natal foi uma das grandes figuras da equipe que colocou o Brasil no primeiro pódio feminino de um esporte coletivo, nos Jogos de Atlanta-1996. Repetiu a dose quatro anos depois, em Sydney, e regou a planta do protagonismo das mulheres no esporte brasileiro. Hoje, aos 53 anos, assiste de camarote às conquistas das filhas deste solo. Das 205 medalhas obtidas pelo país no Pan de Santiago, 95 passaram por elas. O recorde de 21 condecorações em Tóquio-2020 teve a contribuição delas com nove resultados expressivos. A 140 dias da abertura da versão parisiense da festa mais nobre do planeta. Virna abre o coração para o Correio ao lembrar da cooperação para transformar a realidade do esporte verde -amarelo. A ex-ponteira da Seleção também comenta o retorno de Bernardinho ao time masculino do país, avalia o cenário no feminino e compartilha a afinidade com Brasília.
Como vê o momento das mulheres no esporte?
É uma semana muito especial com o dia da mulher. Acredito que a mulher no esporte está cada vez mais adquirindo espaço. A nossa geração, de 1996, na Olimpíada de Atlanta, conquistou a primeira medalha feminina do país em um esporte coletivo. É uma das sementinhas que foram plantadas e germinadas todo esse tempo. A edição de 2024 terá a maior quantidade de mulheres, com essa questão da equidade. É muito bacana.
O que esperar daqui para frente?
A preparação delas é forte, pois os trabalhos não começam no ano olímpico, eles vêm de quatro anos antes. É viver o esporte, abdicar da vida pessoal, eventos e família em prol do treinamento. É preciso ter foco e objetivo porque são 20 dias nos quais você pode mudar a história do seu país, quebrando recorde de medalhas. Costumo dizer que, em Olimpíadas, os pequenos se tornam grandes. Às vezes pode chegar como favorito, mas o seu lado emocional pesa muito. É preciso ter estrutura e bagagem para suportar a pressão do mundo inteiro te assistindo, as cobranças.
Tudo isso te dá saudade dos tempos de atleta?
É muito bom viver um momento bacana como esse (parceria entre o COB e a Azul). Dá um frio na barriga. Falei para o Maurício: "Caramba, você lembra da sua primeira Olimpíada?". Eu me recordo quando cheguei a Atlanta e cruzei toda a equipe da NBA, como Michael Jordan. Eu não acreditava naquilo. Você estar ali com os melhores do mundo é maravilhoso. Só quem vive sabe realmente o cortisol que é. O Brasil, hoje, tendo esses apoios e patrocínios, melhores condições, fazem toda diferença.
Você se sente parte dessa evolução feminina?
O processo foi plantado desde a geração de Isabel (Salgado), Vera Mossa, Jacqueline. O vôlei foi se profissionalizando. Elas jogavam e não tinham patrocínio. O Banco do Brasil entrou durante muitos anos e modificou a cara do voleibol brasileiro. Você vê vôlei e identifica a camisa amarela. Essa estrutura que nos foi oferecida nos torna referência no mundo. Treinadores de todos os países visitam o CT em Saquarema para entender como são os trabalhos e as preparações. Isso é a longo prazo. Foram plantando sementinhas e as meninas, cada vez mais, levantaram o nome do nosso esporte brasileiro.
Gostaria de viver Paris-2024 dentro ou fora das quadras?
Estar lá dentro é muito melhor, vivendo aquela adrenalina. Essa experiência do lado de fora também é muito legal. Já fui a quatro Olimpíadas como comentarista. Desta vez, irei com o grupo de embaixadores do COB, em uma experiência bacana. Como comentarista, digo que sou bicampeã olímpica. Estive presente nas duas conquistas de ouro, em Pequim-2008 e Londres-2012. Lembro que estava comentando com Luciano do Valle na final na China, e comecei a chorar quando vi a Fofão em quadra, pois ela representava a minha geração. Eu o abandonei na transmissão, subornei o segurança, entrei na quadra. A emoção tomou conta. Este ano levarei meus filhos. A minha pequena de 10 anos está jogando vôlei e quero que ela conheça o universo do esporte. Se vai ser grande jogadora, é consequência. Fizemos as reservas com anos de antecedência para levar a filha.
Arrisca palpite para o vôlei feminino na França?
Sou muito otimista, mas vejo, no feminino, cinco equipes com condições de ser campeãs: Turquia, Rússia, Estados Unidos, China e Itália. Apontar um favorito é difícil hoje, está muito equilibrado. É aquele dia no qual você precisa estar impecável para fazer a diferença. O vôlei mudou. Hoje, é muito mais força física. Na nossa época existia isso, mas também as mais habilidosas e técnicas. A altura também mudou muito entre as atletas. As equipes foram se renovando e os estilos de jogo mudando.
O que achou da volta de Bernardinho ao elenco masculino?
Ah, eu amo ele. Costumo dizer que sou privilegiada de ter tido dois grandes treinadores na minha vida, o Bernardo e o Zé (Roberto Guimarães). Devo muito a minha carreira ao Bernardo. Eu era uma jogadora de potencial e futuro, mas ele foi o responsável por me fazer acreditar que poderia chegar lá. Estou muito feliz, o voleibol só tem a ganhar com a volta dele. Pode ter certeza de que ele trabalhará forte e pode surpreender. Ele é obcecado por trabalho e treinamento. Estou otimista e fiquei feliz com a volta dele.
Relação com Brasília
Joguei em Brasília muitas vezes. E a Leila (ex-jogadora e atual senadora pelo PTD-DF) é muito minha amiga. Estamos sempre juntas. Inclusive, duas semanas atrás, estivemos juntas e saímos para jantar em um restaurante peruano em frente ao Lago Paranoá, apesar das vidas diversas, com ela no mundo da política. Adoro a cidade, tenho grandes amigos, é um lugar limpo. Amo aquela terra.
Recado a todas as mulheres
Desejo um feliz dia para todas as mulheres porretas que existem no nosso país. Somos multifacetadas, não deixamos a peteca cair. Somos mães, amigas, esposas, empresárias, donas de casa e fazemos a diferença neste mundo. Que Deus abençoe todas e que nunca desistam dos sonhos, porque os espaços estão sendo ocupados por mulheres empoderadas.
*O repórter viajou a convite da Azul e do Comitê Olímpico do Brasil (COB)
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