Aos 70 anos, Eduardo Carvalho Bandeira de Mello é uma das vozes ativas no Congresso Nacional em defesa da modernização do futebol. Lidera uma Frente Parlamentar para tratar de problemas estruturais quase “sem jeito” do esporte mais popular do país. Celebrado por ter iniciado o processo de reconstrução financeira do Flamengo, clube com a melhor saúde financeira da América do Sul, o ex-presidente rubro-negro lida com outros temas espinhosos. Em entrevista ao CB.Poder, parceira do Correio Braziliense com a TV Brasília, o deputado do PSB-RJ critica torcida única nos estádios, defende castigo ao CPF, lamenta a falta de influência dos clubes na CBF diante do poder das federações e diz que a criação das ligas não pode se resumir a uma queda de braço sobre cotas de tevê.
Praticamente um “brasiliense” depois de um ano como parlamentar, ele até revelou os points onde se reúne para ver jogo na capital. “Tem muitos bares e restaurantes aqui em Brasília, o Resenha, Fausto e Manuel, o Libanus, de vez em quando a gente vai com os amigos, toma um chope e torce pelo Flamengo. Gostaria mesmo de estar no Maracanã, mas essa vida de congressista não me permite estar lá na arquibancada leste superior, que é onde eu gosto de acompanhar”.
Modernização do Futebol
É uma das minhas bandeiras no Congresso (Frente Parlamentar de Modernização do Futebol). Eu trabalho, também, muito no meio ambiente, de energia, de eficiência energética, mas é óbvio que, pela minha trajetória no Flamengo, seria inevitável que eu tentasse fazer alguma coisa na área esportiva. Uma constatação que todos nós temos é que o futebol brasileiro precisa ser mais levado a sério. Nós entendemos que o futebol, associado a boas políticas públicas, a educação, pode levar a que o país evolua muito em todas as áreas sociais e que o futebol evolua também. A Frente Parlamentar é um fórum para que a gente empreenda esse tipo de discussão. Falar sobre integridade, responsabilidade social, responsabilidade ambiental, modelos societários, ligas, organizações, o calendário, exemplos que a gente teria lá fora para copiar.
Problema estrutural
São sintomas de um problema que se arrasta há décadas. A estrutura de governança do futebol brasileiro é arcaica, é atrasada. Tivemos a crise recente da CBF, e você não viu nenhum clube ser chamado para opinar. Os clubes não interferem em nada na CBF. O presidente é definido pelas Federações. E os clubes também não interferem nas Federações, que padecem do mesmo problema de práticas retrógradas. Se você pegar o exemplo do Rio de Janeiro, são quatro clubes que, somados, têm 100% da torcida, mas os quatro juntos não têm nem 10% da Assembleia Geral da Federação. Então, não tem como culpar os clubes por isso. Óbvio que tem clubes mal-administrados e coniventes com a situação, mas acho que a governança do futebol brasileiro precisa de um choque de gestão e credibilidade. Isso tudo vamos discutir na Frente.
Associações x SAF
As SAFs são uma alternativa, mas não são a única. O Flamengo, por exemplo, fez o dever de casa, transformou a estrutura do clube. Passou de um clube altamente endividado, sem credibilidade, que não pagava empregados e atletas em dia, que tinha receitas penhoradas, que praticava associação indébita, e conseguimos com muito trabalho e apoio da torcida transformá-lo em um clube cidadão, que cumpre os compromissos, não atrasa salário, reduziu a dívida a menos da metade, multiplicou o faturamento. Então, nós provamos que é perfeitamente possível você transformar o clube sem recorrer à mudança do modelo societário para as SAFs. Mas, é claro, vários outros clubes partiram para o modelo da SAF. Muitos porque não tinham outra alternativa, estavam em uma situação de endividamento que, se não mudassem o modelo, não sobreviveriam. Eu respeito casos como Botafogo, Vasco, Cruzeiro e outros. A SAF foi o único caminho.
Obrigação x Alternativa
Acho que foi extremamente positivo o país ter se preparado e admitido a criação das SAFs com uma legislação própria. Outros clubes estão partindo para a SAF por razões estratégias e na chance de mudar de patamar por meio de um investidor externo. Mas em momento nenhum eu admito que, por exemplo, no Flamengo, SAF vire uma questão obrigatória. Não precisa, está provado.
Licitação do Maracanã
Em primeiro lugar, o edital do Maracanã veio muito ruim. Com esse edital, você não vai a lugar nenhum. Eu entendo que o objetivo do governo do estado do Rio de Janeiro deveria ser de fazer um edital que permitisse ao futuro concessionário ter condições de investir no estádio, de criar um setor mais popular, ter um acesso dedicado à torcida visitante. Hoje, quando você vê jogo de um clube carioca na Libertadores contra um clube da Bolívia, muitas vezes você reserva 10 mil lugares para receber 50 ou 100 torcedores. Isso gera prejuízo. O Maracanã, hoje, é um equipamento eletro-intensivo, um equipamento que tem um custo enorme, e tudo isso poderia ser endereçado se você tivesse um horizonte maior. O edital prevê um prazo de concessão de 20 anos, que é muito pequeno. Se você tivesse um horizonte maior e se você tivesse condições efetivamente razoáveis para concessão, sem aquelas exigências absurdas, o Maracanã poderia, sim, ser transformado em uma alternativa rentável e atrativa economicamente, esportivamente e do ponto de vista turístico, mas não é isso que estou vendo.
Estádio próprio
Como o edital está, acho que não vai restar ao Flamengo nenhuma outra alternativa a não ser passar para o estádio próprio. Do ponto de vista do contribuinte do estado do Rio de Janeiro, vai ser uma pena, porque, ao longo dos 74 anos de existência do Maracanã, 80% do movimento financeiro foi produzido por meio da torcida do Flamengo. É difícil imaginar o Maracanã sem o Flamengo, mas se não restar outra alternativa, acho que o clube deve, sim, partir para o estádio próprio e eventualmente usar o Maracanã quando for interessante.
Projeto
Onde seria, quais as características, qual o tamanho, tudo deve ser muito planejado, não pode, em hipótese alguma, ser objeto de campanha eleitoral. É uma questão que não é de governo, é de estado, da nação rubro-negra. O Flamengo inteiro deve se unir em torno desse projeto, que tenha princípio, meio e fim, e seja efetivamente uma solução.
Integridade no esporte
Essa é nossa obrigação, do Estado brasileiro, não só por uma questão fiscal, mas de exemplos. O futebol é o principal ponto de contato com a realidade de boa parte da população brasileira, então deve ser tratado com respeito e gerar exemplos. Se a gente entendia que o Flamengo tinha que ser exemplo para 40 milhões de torcedores, agora, no Congresso, eu entendo que o futebol brasileiro tem que ser exemplo para mais de 200 milhões de brasileiros. Nesse sentido das casas de apostas, tudo deve ser tratado com muita seriedade para não dar margem a nenhum tipo de irregularidade ou questionamento sobre a lisura do processo.
Casas de apostas
Nós estamos começando. Agora que foram criadas as regras, a secretaria que vai cuidar disso no Ministério da Fazenda acabou de ser instalada, as casas de aposta estão começando a se cadastrar e pagar as outorgas. Acho que existe uma boa intenção por parte dos legisladores e, principalmente, da equipe da Fazenda que está procurando regulamentar a situação. Mas isso tem que ser objeto constante para que a situação seja avaliada e qualquer desvio seja consertado.
Violência no futebol
Nunca vai ser resolvido com soluções absolutamente ridículas, como determinar que haja torcida única nos estádios. Isso não resolve nada, a violência não está dentro dos estádios. É muito raro você ter violência dentro de estádio. No Rio de Janeiro, por exemplo, não tem torcida única e quando há algum episódio de violência, nunca é dentro do estádio. O que precisa ser feito, não sei nem se é a legislação ou simplesmente a aplicação da legislação. Tem que ficar claro que quem deve ser punido é a pessoa física. CNPJ não faz desordem, quem faz desordem é CPF. Tem que punir a pessoa física, e punir com rigor. Não adianta ter um caso como esse que aconteceu agora com o ônibus do Fortaleza e vai punir quem? Interditar o estádio? O problema não foi no estádio. Vai punir o Sport? Vai interditar a estrada? Não. Tem que punir as pessoas que cometeram o crime e com rigor, essas pessoas não podem mais frequentar um estádio.
Referências
Alguns meses atrás, tivemos problemas na Vila Belmiro e São Januário, aí interditaram os estádios como se eles tivessem alguma culpa nessa história. Nenhuma, a menos, é claro, que fique provado que o clube está acobertando ou está conivente com a situação. Tem que punir com rigor as pessoas. Tem exemplos no exterior. Na Inglaterra, a situação era muito mais grave do que aqui, e eles conseguiram praticamente resolver, identificando as pessoas físicas responsáveis pela violência e proibindo que eles frequentem estádios, botando na cadeia. É crime, crime você pune o criminoso, e não o local do crime.
Ligas
Eu entendo que a melhor maneira de você organizar um campeonato é por meio de uma liga. Eu sempre defendi isso, inclusive quando eu era presidente do Flamengo e apanhava muito por causa disso. Tem dois grupos tentando formar uma liga, talvez se unam, talvez não, mas o que está se discutindo não é a liga, não é a organização dos campeonatos, é a distribuição dos recursos da transmissão. Eu não admito que se forme uma liga que não tenha gerência sobre o calendário. Como se vende um campeonato que só tem oito meses do ano e está espremido ali com Copa do Brasil, Libertadores, jogo da Seleção, e deixa quatro meses para jogar campeonato estadual?
Estaduais
São, hoje, altamente desprestigiados, não têm praticamente nenhum atrativo técnico nem financeiro. Por quê? Porque quem manda na CBF são as Federações. Interferir no campeonato estadual está prejudicando os interesses daquelas pessoas que, na última análise, são as que comandam o futebol brasileiro. Você já ouviu falar em liga carioca, paulista, mineira? Não tem. Está se falando em uma liga brasileira para vender oito meses de campeonato. E se amanhã, ainda assim se forme um campeonato organizado pela liga e seja um sucesso, aí a CBF diz “gostei disso, a partir de agora quem vai organizar sou eu”? Qual é a segurança que essa liga tem? Nenhuma. Enquanto a governança do futebol brasileiro não for correta e eficiente, não vamos a lugar nenhum.
Jejum rubro-negro
O Flamengo tem o melhor time, melhor elenco, tem muito dinheiro em caixa, mas, no ano passado, não ganhamos nada. Este ano, estou levando fé, acho que o Tite melhorou bastante o nosso time, e sábado é só ganhar do Madureira ou não perder por um placar muito dilatado. Vamos ganhar (a Taça Guanabara).
*Colaboraram Arthur Ribeiro e Danilo Queiroz