Paulo Wanderley Teixeira está há quase sete anos na presidência do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Esteve à frente de missões do país em duas edições de Pan-Americanos e uma de Olimpíadas. Sempre pagou pelo excesso de bagagem do Time Brasil com um sorriso estampado no rosto. Também se orgulha de ser um daqueles dirigentes pé-quentes. A atuação nos bastidores da entidade é um dos propulsores da ascensão da delegação no cenário internacional. Porém, engana-se quem acha o potiguar radicado no Espírito Santo um “bonzinho”. Existe cobrança, sim, mas não sem investimento e a disponibilização das condições aos atletas.
Exemplos disso são as recompensas estabelecidas aos medalhistas em Paris-2024. Cerca de R$ 7 milhões brutos estão reservados aos vitoriosos. A mudança no piso da ginástica, no Centro de Treinamento, no Rio de Janeiro, também entra na lista de aplicações visando resultados. As competidoras da modalidade treinam com os equipamentos oficiais da versão parisiense da disputa desde a virada do ciclo. A 150 dias da abertura das competições na Cidade Luz, o chefão ativa o modo “sincerão” ao falar para o Correio sobre o hábito de bater recordes e detalha os últimos ajustes para uma jornada de sucesso para além dos pódios 21 de Tóquio-2020.
Em março de 2023, o entrevistamos sobre os seis anos da gestão e o marco de 500 dias para as Olimpíadas. Quase 350 dias depois, qual ação elenca como a mais importante na preparação do Time Brasil?
Tivemos, em Tóquio, a pandemia, que limitou bastante o público, com uma insegurança grande. Para Paris, precisaram buscar soluções para a redução do ciclo. Embora sempre trabalhemos com antecedência, foi necessário puxar soluções. Encontramos a maioria delas. Os atletas se readequaram à programação e os técnicos quebraram a cabeça. Considero que as equipes estão preparadas para enfrentar os desafios. Isso é a vida deles e a nossa também. É dar as oportunidades para não faltar nada e os treinamentos serem nas melhores condições. Isso, o COB tem a consciência de que está sendo feito e cumprido o que foi planejado e prometido.
O fator psicológico está entre os cuidados do COB com os atletas?
Sempre foi. A questão da saúde mental do atleta é um ponto central desde sempre, hoje com mais relevância, mas sempre teve atenção especial. Na minha passagem como técnico (de judô), observava muito isso. Tinha atleta que era leão de treino, arrebentava e não tinha para ninguém. Fora, não dava conta do recado e isso é uma questão realmente de cabeça, de posicionamento interior. Tenho essa atenção especial com os nossos atletas “megas”. Ninguém imagina um determinado atleta ter um bronze... Nossa, foi derrota! O cara, para chegar ali, é um vitorioso. Passou por classificatórias internas, seletivas e eliminatórias internacionais. Então, há de se respeitar isso e moderar.
A evolução dos resultados pode ser creditada ao trabalho da tecnologia e das equipes multidisciplinares?
É parte. Não podemos desconsiderar o trabalho feito por confederações e clubes. O Centro Olímpico do COB é uma parte importante, sim. Tem os equipamentos mais atualizados possíveis, modernos, profissionais altamente especializados, capacitados, que se dedicam a essa estrutura. E o cuidado prossegue nos Jogos Olímpicos, porque uma grande parte dos profissionais da saúde estará em Paris, dentro da Vila Olímpica e nas nossas bases cuidando dos atletas. É um diferencial de preparação. Temos o cuidado de levar aquele que cuida deles (competidores) aqui, massoterapeuta, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista...
Quais esportes “fora da bolha” acha que alcançarão o pódio?
O breaking ainda está em fase de classificação. A canoagem slalom extremo, citamos como possibilidade. Tenho falado no tiro com arco. Ele (Marcus D’Almeida) está pressionado, mas está indo bem e se afirmando no cenário mundial. A ginástica rítmica está em uma ascensão boa e se colocando bem internacionalmente.
Os resultados mostram que o Time Brasil está no rumo certo?
Fiz até uma sugestão na geopolítica internacional para transferir os EUA para a Ásia ou Europa e deixá-los lá (risos). Se não estivessem aqui, seríamos as potências do continente. Isso vai demorar um pouco, realmente. Não é só questão de ter recurso e estrutura. Eles têm um histórico de tempo no ápice. Quando avançamos, eles fazem o mesmo. Se fizessem um pacto com a gente de não avançar, talvez em alguns Jogos futuros, chegaríamos próximos. Mas é muito difícil. Não adianta ficar com eufemismo. Estamos em ascensão e vamos melhorar. É o objetivo nosso. Podia rolar um espírito olímpico de “não vamos participar desse Pan-Americano, desses Jogos”, mas eles são muito competitivos, têm tecnologia, recursos. Chega a ser desleal, pois recebemos em real e gastamos em euro e dólar. Eles recebem e gastam em dólar.
Tem a sensação de dever cumprido?
Tenho a convicção de tudo que foi proposto em relação à preparação dos atletas, as necessidades, sejam de profissionais, de equipamento, foi proporcionado. E continuaremos a oferecer antes e durante os Jogos. Não tive nenhuma reclamação de confederação, de equipes, de atletas. “Está faltando isso aqui. Ah, eu precisava fazer um treinamento”. Não chegou para mim. E, pelos profissionais que eu tenho no COB, confio bastante, todos são muito experientes. Tenho a certeza de que nós estamos no caminho certo.
A 150 dias da abertura, você tem alguma preocupação?
Nada me preocupa. A competição em si é a questão que todos temos. Cidade cheia, trânsito pesado, custos altos. É uma cidade cara, mas tudo estará cinco vezes mais elevado. Algumas mudanças que o Comitê Olímpico Internacional fez para os serviços que ofereciam antes, agora não estão oferecendo. Somos nós que temos de fazer. Isso exigiu um pouco mais. Mas está tudo caminhando conforme o planejado. As etapas estão sendo cumpridas. No fim de março, irei com uma equipe de diretores a Paris para visitar o Comitê Organizador e a cidade de Saint-Ouen, onde teremos a nossa base, para ver in loco como andam as coisas.
Com qual antecedência o COB planeja uma missão olímpica? Quais os maiores desafios?
Brisbane, que acontecerá em 2032, temos organizado a missão para a visita à cidade. Verificar distâncias que serão percorridas, consultar instalações que serão disponibilizadas, local da Vila Olímpica e o que temos na proximidade, colocarmos a base de apoio aos atletas. A exemplo que fizemos em Tóquio e em Paris. Planejamos tudo com, pelo menos, dois Jogos anteriores. O contrato de Saint-Ouen foi fechado em 2019. Cinco anos antes, estávamos buscando clubes, espaços de prefeituras em locais onde achamos que seria adequado em relação à distância, serviços. Sempre tivemos esse cuidado.
Os desafios logísticos e administrativos de Paris são menos complexos aos de Tóquio?
Pelo menos 50% do problema está resolvido. Foram 12h de fuso horário. Agora, com menos da metade, alivia bastante. Isso será cuidado com a chegada dos atletas com antecedência, aclimatação. Algumas equipes farão a aclimatação em Portugal, na Espanha, chegam com um dia de antecedência e, assim que a vila for aberta, a gente começa a entrar. Essa questão está equacionada. O nosso pessoal médico e de saúde calculou direitinho. Está tudo monitorado.
O que está na bagagem do COB?
Já tem equipamento na Europa para atender aos nossos atletas. Alguns contêineres estão a caminho. A vela tem lá o que vai servir de oficina para os barcos estão em Marselha. A logística é muito grande. O nosso pessoal de logística trabalha muito e com muita antecedência. Isso é um custo alto também.
Como é a busca pelo local ideal para o Brasil na Vila Olímpica?
Primeira coisa, se conseguirmos um prédio só para nós, é ideal.A maioria é dividido. A gente precisa de salas onde vamos montar o atendimento ao atleta. Não foi este mês que conseguimos nosso prédio. Os caras estavam batendo martelo para pregar as portas e nós estávamos batendo na porta: “E aí, dá pra ficar aqui?”. A gente tem uma interlocução muito grande. Não é na base da amizade. É porque tem planejamento. Vai antes e fica perturbando e insistindo.
Quais são as projeções do Brasil para as disputas?
Hoje, podemos contar com 156 vagas conquistadas. Apesar dos deficits de equipes que acreditavamos que fossem se classificar, tem outras equipes que ainda estão em disputas. Teoricamente, compensa as perdas. Mas, realmente, o número (de projeção de vagas) que ficava ali entre 320 e 330, se acontecer dessas equipes se classificarem, vai se manter. Senão, reduzirá para 300 atletas. Isso está sendo monitorado e não depende da gente. A nossa parte está sendo feita.
Resultados recentes apontam para o protagonismo das mulheres. Como enxerga isso?
É uma ascensão das mulheres. Elas estão chegando com força. No Pan, foi um número próximo, quase 50% a 50% (em vagas com os homens). Houve uma ascensão grande da participação e essa questão nós observamos com atenção para equidade e paridade. Para Paris, deve acontecer semelhante, chegar bem próximo desse de percentual homens e mulheres. Nós estamos dando força para isso também.
A ausência masculina no futebol impacta no projeto Paris-2024?
Tenho uma ótima relação de convivência com a CBF. É uma confederação forte, potente. Eles têm uma independência de recursos. Porém, fico triste, realmente, porque é uma modalidade supervencedora no país. Mas temos o futebol feminino. As mulheres darão conta do recado. A gente confia que o futebol possa brilhar nesses Jogos Olímpicos. Claro, é uma modalidade bicampeão olímpica seguido. A gente fica triste até como torcedor. Quem não é torcedor de futebol no país? Eu não conheço. Tem os mais fanáticos e os menos fanáticos, mas todos somos.
O que esperar dos Jogos em termos de organização, segurança e sustentabilidade?
A questão da sustentabilidade, eles estão trabalhando muito. Nós tivemos uma dificuldade pouco tempo atrás com relação da climatização dentro da Vila Olímpica. Segundo eles, seria criado um sistema no qual a temperatura, em função do material usado na construção, seria amenizada. O que não é bem assim... O verão em Paris é verão de Rio de Janeiro, de Nordeste. Houve uma negociação com vários países, que a gente acreditava na tecnologia, mas seria bom que tivesse ar condicionado. O atleta chega de um treinamento, dorme confortavelmente. O descanso é muito importante. E foi dada uma solução de quem tivesse interesse de melhorar as condições, poderia comprar ar condicionado e instalar. Foi resolvido dessa forma.
O Brasil alugou os equipamentos. Quanto deu a conta dos gastos?
A previsão está em torno de R$ 40 milhões com a operação toda. A questão de segurança, isso é um objeto de atenção em todas as Olimpíadas. Especificamente Paris, Londres, os países mais visados, precisam de uma atenção especial, mas acredito que o governo está tendo todo o cuidado possível e imaginável para dar uma tranquilidade às delegações. Me preocupa a questão trabalhista na França. Dias atrás, houve um movimento que paralisaram o acesso à Torre Eiffel. Isso é uma tensão que tem. Na hora H, todo mundo se ajeita, porque ninguém quer ver seu país mal. Todo mundo faz acordos. O cidadão não quer o país mal falado no mundo.
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Meus queridos compatriotas, vamos torcer para nossos atletas e, de preferência, estar lá. Teremos transmissões para ver no conforto de casa com um cafezinho. Se quiserem ir à França, que é muito bom assistir in loco, façam isso com a máxima antecedência. Vocês vão ter dificuldade com hospedagem e um custo altíssimo com transporte. No mais, é torcer pela gente. A audiência vai ser melhor, com certeza, é um facilitador.