Era um domingo de céu aberto no Distrito Federal naquele 3 de fevereiro de 1974. A data pode parecer comum aos olhos desatentos, mas neste dia a capital celebrava a inauguração do Autódromo de Brasília — à época um marco no desenvolvimento da cidade. A corrida de abertura foi a primeira e única prova da Fórmula 1 em solo candango, apesar de não ter contado pontos para o campeonato. No grid enfileiraram-se 12 pilotos, 11 deles da principal categoria do automobilismo mundial. Meio século depois, o agora nomeado Autódromo Internacional Nelson Piquet comemora 50 anos de memórias, mas está de portas fechadas há uma década.
O primeiro uso do traçado, na realidade, aconteceu 24 horas antes, para a classificação, porém, a corrida é considerada como abertura oficial. O evento de lançamento foi um sucesso para a época, com 150 mil espectadores espalhados entre arquibancada e gramado. Para efeito de comparação, o censo de 1970 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicava 546 mil habitantes no DF naquele período. Ou seja, quase um terço da população local acompanhou o Grande Prêmio Presidente Médici, em homenagem ao então terceiro governante da ditadura militar.
A coroação da festa foi ver um brasileiro vencer a corrida: Emerson Fittipaldi. Correndo contra o irmão Wilson e o compatriota José Carlos Pace, que nomeia o Autódromo de Interlagos, em São Paulo, o bicampeão mundial de F1 tornou-se o primeiro a ver a bandeira quadriculada. Uma semana antes, ele havia ganhado o GP da capital paulista. Este, sim, valia pontos para a temporada.
“A vitória foi de Emerson. E veio dar ainda mais colorido e entusiasmo à festa com que a cidade justificadamente mostrava seu encantamento e seu orgulho pelo magnífico presente que recebia de seus administradores: o tão sonhado Autódromo, que superou a mais otimista expectativa. Brasília está feliz. E muito orgulhosa. E com muita razão”, escreveu o Correio 50 anos atrás.
Colecionador de inúmeras conquistas na carreira e sacramentado como um dos maiores ídolos do automobilismo mundial, Fittipaldi guarda com carinho a memória daquele 3 de fevereiro. O sentimento faz aumentar a expectativa para ver o local funcionando novamente.
“Brasília tem muita tradição no automobilismo. A minha esperança é de que o Autódromo seja reinaugurado o mais rapidamente possível. No lugar onde fica e com a tradição que existe, não pode ficar fechado. Foi um envolvimento muito grande da cidade com o Autódromo. Em Brasília, sempre se respirou automobilismo. Eu adoraria vir para a reinauguração. Acho que todos os grandes campeões brasileiros deveriam vir para uma grande festa”, disse Emerson em entrevista ao Correio, em 2019.
O percurso de 12 curvas e 5.476 metros, com a maior reta se estendendo por 750m, não recebeu outra prova da Fórmula 1. O circo voltou ao Brasil apenas nos percursos de Interlagos, São Paulo, e de Jacarepaguá, no Rio. Ainda assim, o Autódromo de Brasília foi palco de corridas de Gran Turismo, F3 Sul-Americana, Fórmula Renault, Copa Truck, Copa Clio, Brasileiro de Motociclismo e Stock Car.
Além da velocidade, o espaço recebeu eventos culturais, como o carnaval fora de época Micarecandanga, e até hoje é casa do Cine Drive-in, o maior cinema a céu aberto da América Latina e o último do Brasil até antes da pandemia, em 2020.
A mudança de nome veio apenas 22 anos após a inauguração, em 1996, passando a ser chamado Autódromo Internacional Nelson Piquet. Tricampeão mundial de Fórmula 1, o carioca criado no DF arrendou o espaço e colocou o próprio nome no percurso. Em 2023, o deputado distrital Fábio Félix (Psol-DF) apresentou uma proposta para alterar a nomeação devido às polêmicas do expiloto, mas ainda não avançou.
Já sob a nova alcunha, o último ronco dos carros de velocidade nas pistas aconteceu em 2014, com uma prova dupla da Stock Car. Os vencedores foram Átila Abreu e Thiago Camilo, os últimos a subir no pódio do Autódromo.
O capítulo mais triste do livro de memórias veio em 2014, quando o circuito fechou para reformas. Desde então, lá se vai uma década de inatividade. Apesar de projetos de revitalização serem apresentados, nenhum foi concluído até o momento, resultando em cancelamentos de etapas da Stock Car previstas para as temporadas de 2021 e 2023. Ainda assim, a torcida é por um cenário diferente depois do aniversário de 50 anos.
Futuro
A última atualização do GDF sobre a situação do Autódromo veio em dezembro de 2023, quando o governador Ibaneis Rocha (MDB) prometeu a reabertura do local no futuro próximo. “Tivemos, esse ano (2023), grandes eventos no DF, tanto na área de shows quanto eventos esportivos, e para o próximo ano (2024) vamos ter a inauguração do nosso autódromo, fechado há 10 anos. Vamos mostrar que aqui também é uma área do automobilismo”, afirmou.
Com R$ 28,3 milhões investidos nas obras de revitalização do Autódromo desde 2022, até o momento já foram finalizados os processos de fresagem e terraplanagem do circuito principal, além do aumento da área de escape. Restam novas etapas, mas os materiais e insumos necessários estão disponíveis para seguir. Pelo andamento das fases, a previsão é de realizar os primeiros testes da pista ainda neste mês.
Após a conclusão de todas as obras, a expectativa é de o Autódromo se tornar um espaço multiuso, recebendo corridas de automobilismo, motociclismo, ciclismo, caminhadas, festivais culturais e um novo kartódromo de padrão internacional. Do lado social, será lançado um edital de cultura para artistas da cidade participarem da confecção da área externa do local.
O sonho de ser palco dos principais eventos mundiais, no entanto, precisa primeiro passar pela validação de autoridades nacionais e internacionais, como a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) e a Federação Internacional de Motociclismo (FIM).
*Estagiário sob supervisão de Marcos Paulo Lima