A largada da 98ª edição da Corrida de São Silvestre, uma das grandes provas de rua da América Latina, virá, amanhã, na forma de um tabu a ser quebrado para os participantes brasileiros. A competição realizada, como de costume, no último dia de cada ano, não tem um vencedor verde-amarelo há 13 temporadas, do lado dos homens, e 17 entre as mulheres. Naquelas oportunidades, os primeiros a cruzarem as linhas de chegada, inclusive, têm relação com Brasília. Nascido na cidade, Marilson Gomes ficou com o topo do pódio, em 2010. Radicada na capital federal, Lucélia Peres foi a responsável pelo último título feminino, em 2006.
De lá para cá, porém, viu-se uma dominância africana de expressão na prova paulistana: são 10 personagens de países da África e um asiático no masculino, e 15 no feminino. No total, somados os dois gêneros, são sete etíopes, 12 quenianos, um ugandense e um de Bahrein na lista de campeões. A competição, no entanto, passa longe de ser simples para qualquer participante. Apesar de possuir trajeto de 15km, é conhecida como um desafio, até mesmo para os corredores 'festivos'. Esses marcam presença em São Silvestre de forma recreativa e largam atrás do pelotão de elite, com objetivo de alto rendimento.
O percurso é caracterizado por diversas subidas, descidas, mudanças de direção e de tarefas difíceis, tanto para os representantes do 'povão', quanto para os profissionais do atletismo. Para os competidores, grandes nomes do cenário mundial surgem como desafiantes. Para os da diversão, uma grande aglomeração de pessoas, sobretudo durante a largada, consequente do alto número de participantes.
Para Lucélia Peres, mineira de Paracatu radicada em Brasília desde a infância e última dona da casa campeã da competição entre as mulheres, o jejum brasileiro na São Silvestre, mesmo perdurando por mais de uma década, não deveria ser tratado com espanto. Afinal, a dominância africana é uma realidade em quase todas as modalidades do atletismo, sobretudo em corridas de longas distâncias. Atletas de Quênia e Etiópia são grandes referências em todo o mundo. "Na realidade, esse padrão já existia. Antes dessa boa sequência nossa nos anos 2000, também ficamos um bom tempo sem títulos. Até hoje, só cinco brasileiras venceram, por exemplo. No ano em que venci, tínhamos muitas brasileiras fortes e acredito que estamos passando por uma espécie de reformulação", explica.
Porém, Lucélia crê na existência de material humano o suficiente para uma boa sequência brasileira na prova vir em breve, tanto para homens, quanto para mulheres. Na opinião dela, existem candidatos verde-amarelos para, ao menos, integrar o top-5 mais uma vez e protagonizar um bom combate frente aos africanos, favoritos naturais em São Silvestre e a outros tipos de prova similares. "Eles são favoritos em qualquer lugar quando o assunto é esse, pois são referências. Faz parte da cultura deles. São diferentes por isso. Mas temos material humano para competir. Pessoas muito capacitadas e de muito empenho. Vejo a Jenifer Nascimento, que já esteve duas vezes seguidas no pódio, como um bom nome, por exemplo. Ela pode ser a vencedora no feminino", opinou.
Para a edição de 2023, algumas das esperanças brasileiras possuem currículos de peso. Fábio de Jesus Correia, melhor atleta nacional na edição de 2022 com o quarto lugar, estará no páreo pelo título mais uma vez. Além dele, Ederson Vilella, campeão da Maratona Internacional de Curitiba (2023), e Giovane dos Santos, seis vezes dono do título da Volta da Pampulha, em Belo Horizonte, também participarão. No feminino, Larissa Quintão, vice-campeã da Meia Maratona Internacional de São Paulo 2023, Kleidiane Barbosa, vice-campeã da Volta Internacional da Pampulha 2023, Mirela Andrade e Jéssica Soares, ambas top-10 na última edição da competição, serão as principais esperanças.
O trajeto da corrida é quase o mesmo desde 2017. A largada acontece entre as ruas Frei Caneca e Augusta, na Avenida Paulista. A chegada estará posicionada em frente ao Edifício Cásper Líbero, na altura do número 900. O Pelotão Geral se movimentará no contrafluxo da pista Centro-Bairro, e o Pelotão de Elite no fluxo Bairro-Centro. O tempo máximo de duração é de 3h10min. A largada acontecerá às 7h25 para a categoria Cadeirantes, às 7h40 para a Elite Feminina, e às 8h05 para a Elite Masculina.
Cinco perguntas para Lucélia Peres, campeão da corrida de São Silvestre
O que torna a prova tão reconhecida?
A prova tem toda uma simbologia. É a mais antiga do Brasil e da América Latina, além da presença de atletas do mundo todo. Também existe a magia de ser a última prova do ano, a questão de receber os africanos, os grandes nomes do atletismo mundial, além da dificuldade do percurso. É uma prova desejada por todo o atleta que participa desse tipo de corrida.
E o que traz essa dificuldade?
O grande desafio é o percurso, principalmente para aqueles que vão disputar as primeiras colocações. É um percurso muito variado, que possui uma descida intensa logo na largada, e uma subida muito íngreme, que é a da Brigadeiro. Além da qualidade dos competidores. Muitos são referência e chegam muito bem preparados.
Como é a preparação para a prova?
É ideal montar um planejamento de, mais ou menos, seis meses para participar da corrida. Como é uma prova muito intensa, treinos de força, resiliência e testagens em subidas e descidas são essenciais para elaborar uma estratégia de prova que encaixe com o competidor. É preciso saber como se comportar a cada momento.
Como se planejar no dia da corrida?
É sempre bom acordar um pouco mais cedo, para estar no local da corrida e garantir um bom lugar na largada. Além disso, fazer um bom café da manhã, pelo menos duas horas antes da prova. Também é importante levar algo para se hidratar durante a corrida, e, se possível, um protetor solar.
Você possui um projeto de corrida?
Eu tenho uma assessoria esportiva voltada para corrida e emagrecimento. O meu foco hoje é a qualidade de vida, que é algo que eu gosto, de ver a transformação das pessoas através da corrida. Hoje trabalho com esse público. Apesar de não mexer com alto rendimento, não fecho essa porta para o futuro, pois é uma paixão minha.
*Estagiário sob a supervisão de Danilo Queiroz
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