entrevista

Treinadora brasiliense fala sobre os novos desafios da carreira

Após passagem pelo Real Brasília, ela assumirá o Palmeiras, time campeão da Libertadores de 2022 e vice em 2023

A temporada de 2023 foi especial para a técnica Camilla Orlando. Depois de vivenciar uma experiência internacional no comando da seleção dos Emirados Árabes Unidos, a treinadora brasiliense de 39 anos ganhou a oportunidade de dirigir um clube na cidade onde nasceu. Conquistar os objetivos com o Real Brasília foi especial, mas 2024 terá uma cor diferente em destaque: o verde do Palmeiras, uma das maiores equipes do futebol feminino no Brasil.

Além da experiência e competência profissional, Camilla levará consigo conhecimentos potencializados na base de muito estudo. Ainda experimentando a fase de aprofundamento sobre o novo clube, a profissional vai colocar o planejamento em prática apenas em janeiro, quando inicia os trabalhos no CT palmeirense. No entanto, na entrevista ao podcast CB Esportes, a brasiliense garante estar vivendo em um mundo alviverde desde o acerto de 23 de novembro, com direito ao hino palmeirense tocando diariamente nas caixas de som de casa.

Como resume sua trajetória?

Brasília tem uma força grande e revela jogadores e treinadores de forma constante. Futebol faz parte de mim desde que me entendo por gente. Sempre me deu muitas oportunidades. Em 2012, quando encerrei a carreira, decidi me especializar como uma treinadora, uma gestora. Criei a minha escola exclusiva para o futebol feminino. Em 2016, assumi o Internacional. Conquistei o Brasileirão Sub-18 e formei atletas. Aproveitei para fazer a transição para o profissional e cheguei ao Red Bull Bragantino. Dali, fui construindo, e vivi experiências que me engrandeceram. Fui para os Emirados Árabes e, então, retornei a Brasília.

Como foi a negociação com o Palmeiras?

O futebol feminino tem evoluído nessas questões de especulações, transferências, negociações. Desde que fui para o Internacional, tenho o acompanhamento de um empresário e, hoje, uma equipe que cuida de tudo para eu não perder o foco. O convite chegou quando eu já estava de férias e meus empresários haviam feito toda a comunicação entre os clubes. Chegou de uma forma muito legal, na qual estava tranquila, num momento de férias, de alegria.

Havia intenção de ficar no Real?

Foi um momento especial estar no Real Brasília, perto da família, dos amigos e no clube da minha cidade. Mas não chegamos a ter essa conversa. Caso o Real tivesse interesse, teríamos, mas estava todo mundo de férias. Se houvesse um convite, teríamos caminhado para esse lado.

O que pensa do elenco alviverde em questão de reformulação?

Preciso estar com elas para ter uma noção. Tenho uma perspectiva de fora. Quando estamos dentro, fica mais fácil potencializar cada uma delas. Mas, com certeza, é um elenco que possui muita qualidade. Estou ansiosa para saber como vou contribuir e como vou utilizar as qualidades delas para saber o que poderá ser feito e como isso contribuirá com a minha carreira. Vai ser uma temporada muito especial.

E você vai ter pela frente os derbys contra o Corinthians...

É um grande jogo, mas consigo fazer uma perspectiva mais ampla, que é a evolução do Campeonato Brasileiro. A próxima edição será uma das mais competitivas e parelhas. Essa é a minha leitura em relação às equipes, ao nível mostrado. Existem jogos específicos que dão um frio na barriga. Preciso auxiliar as jogadoras no processo e tentar corrigir o que estiver dando errado o mais rápido possível. Vou fazer isso por elas, independentemente da partida, pois o jogo é realmente complexo, ainda mais um clássico. Vai ser uma experiência legal. Quero muito viver isso, pois fica marcado.

Qual seu livro de cabeceira atual?

Sempre tento ir atrás de livros de treinadores brasileiros. Mas também há espaço para técnicos de fora. Um que ando acompanhando muito agora é o do Abel Ferreira (Cabeça fria, coração quente), que é alguém com uma perspectiva muito interessante.

E música? O que gosta de ouvir?

Tem muitas que me guiam, inclusive de cantores brasilienses. Mas a música que está no meu coração agora e toca todos os dias na minha casa é... 'defesa que ninguém passa, linha atacante de raça' (hino do Palmeiras). Não tem jeito. Está no meu dia a dia e espero que seja top-1 por muito tempo.

Você está saindo de um time local para um nacional. Há receio com a mudança de nível?

Primeiro, estou curtindo a torcida, que demonstrou estar feliz com a minha chegada. No dia a dia, vou precisar estar forte emocionalmente. Existe uma cobrança. Eles têm todo o direito de fazer. É isso o que movimenta um clube tão grande. Vou dar o meu melhor diariamente para suportar essa pressão psicológica. Tenho me preparado, faço trabalhos do tipo há muito tempo. Não só em relação ao Palmeiras, mas o desafio que é ser treinadora. Semanalmente, tenho o meu acompanhamento psicológico para me fortalecer. Se algum momento identificar que preciso de mais apoio, vou atrás. Até para tornar a pressão um combustível.

O que acha que falta no caminho do Palmeiras para concretização?

Para dizer o que realmente falta, vou precisar estar no dia a dia. Mas o que vi de estrutura, de planejamento do clube tanto para treinamentos, quanto para jogos, atende muito bem ao que podemos construir. Sempre vamos querer mais, mas é preciso aproveitar e curtir o que temos de melhor. O que vi do Palmeiras, mesmo que não seja a mesma base da equipe masculina (o feminino treina em Vinhedo), diz respeito a tudo que uma equipe profissional precisa.

Estar em Vinhedo é um problema?

A todo momento que precisarmos ir à Barra Funda, temos acesso livre. Não existe distanciamento. Vinhedo me pareceu um ótimo lugar, uma cidade segura. Espero que essa distância não seja um problema. Vou trabalhar para que estejamos próximos, até porque o lema do clube é claro: "todos somos um". É possível dizer que é aplicado de forma positiva, mesmo com as sedes em locais diferentes.

Como foi a conclusão da Licença Pró para treinadora junto à CBF?

A capacitação precisa ser contínua, a gente não pode achar que entendeu tudo sobre um jogo em que não existe certo e errado, que tem inúmeras possibilidades. Fico muito feliz por ter terminado esse processo e feito uma trajetória enriquecedora. Foi especial para mim passar pela trajetória de licenças da CBF, pois fiz a C, a B, a A e a Pró e me fortaleceram para o que vinha. Me deram uma preparação grande. Com ela, consigo ver conceitos que são importantes, que eu não tinha antes e que vou poder aplicar.

Como está se preparando para trabalhar com as estrangeiras?

No Real Brasília, tive essa oportunidade, de uma percepção diferente, um entendimento cultural e não deixar isso se tornar um desafio. Como uma treinadora que trabalhou fora do país, sei que é preciso ter um tato, uma forma de desenvoltura, não só culturalmente, mas pela distância. É um desafio morar em outro país. Mas eu espero que neles o futebol sempre vença. Tenho me preparado diariamente e conto com o apoio do clube, da psicóloga, assim como das pessoas que possam contribuir, para que isso não seja algo negativo e, sim, uma oportunidade.

O que acredita que falta para o futebol feminino crescer mais?

Evoluímos bastante a ponto de termos uma liga totalmente profissional para as mulheres. É motivo de satisfação, pois é o que se espera, que as equipes continuem crescendo. As atletas têm carteira assinada, todos os membros das comissões técnicas são profissionais. É algo de relevância. Outra coisa que também tem evoluído, mas que precisa seguir caminhando é a base. É importante que consigamos formar. Às vezes, pelo número de atletas saindo do país, haverá lacunas nas equipes. Por isso, a necessidade do surgimento de novas jogadoras. Demos um passo grande no aspecto salarial, mas que pode e precisa evoluir. Precisamos caminhar para que as pessoas envolvidas no futebol feminino possam constituir famílias.

Você esteve envolvida com o Real Brasília. O que vislumbra para o futuro do clube? Se pudesse, levaria alguma jogadora?

Vislumbro sucesso. É um clube que está tendo espaço também no masculino, que é apaixonado por futebol e por Brasília. Torço para que continuem investindo e acreditando na modalidade. E que sonhem alto. Espero que não tenham medo, que continuem acreditando nos próprios ideais, pois tenho certeza que o Real Brasília vai longe. Em relação às atletas, só há especulações. Sabemos que é um mercado que pode ter movimentações e trocas de clubes, mas, no momento, não há interesse específico em nenhuma. Mas se eu puder ter a oportunidade de treinar algumas novamente, será uma felicidade.

Qual é a história de suas tatuagens?

Possuo, no braço direito, os meus sete chacras, que eu tracei e representam a minha fé, o meu equilíbrio. Um pouco mais acima, tenho o código do nosso país, 55, e o DDD de Brasília, que é 61, que representa o meu amor pela cidade e pelo nosso país. No mesmo braço, tenho um pedacinho da experiência que vivi no Red Bull Bragantino, que me marcou com uma frase que passou a ser um lema de vida, que é: "foguete é para cima, não tem ré", além de uma outra que tenho também, que é uma água-viva, no braço esquerdo, escrito "Girl Power", para representar a força da mulherada.

Como você se prepara, taticamente, no pré-jogo?

Começa um pouquinho antes do dia do jogo. Começamos a fazer algumas análises mais específicas uns sete, oito dias antes das partidas, para que possamos trazer para o dia a dia do treino essa estratégia. No dia do jogo, não tem tanta informação, é algo mais emocional, além de outros aspectos pontuais. Como, por exemplo, se a escalação adversária mudar, se houve alguma mudança de padrão, mas nos preparamos durante a semana. Apesar da tensão, é um dia mais tranquilo, pois só estamos alinhando detalhes. É mais ou menos assim que eu trabalho. O futebol não possui certos e errados. São diversas formas de se trabalhar, de se gerenciar um grupo. Mas é dessa forma que eu tenho aplicado, para que consigamos, como comissão técnica, manter a tranquilidade e não entrar na tensão do jogo, pois se isso acontece, não ajudamos as atletas.

A Bia Zaneratto é o destaque do Palmeiras. Qual a expectativa de trabalhar com ela?

É um privilégio. Estou querendo saber como será o dia a dia, mas só de ver a dedicação que ela tem nos jogos, me dá a certeza de que poderá existir uma grande troca entre a gente. Estou ansiosa para estar com uma atleta como ela, que possui experiência de Copa do Mundo, de Olimpíada, além de ser alguém que pode agregar muito ao futebol, com tantas características, principalmente ofensivas. Estou sempre aberta a aprender com as atletas, principalmente com aquelas que podem contribuir com a minha formação. Sem dúvida, ela é a referência, a cara desse projeto.

O que indica a quem quer correr atrás do que você conquistou?

É aquela velha dica, é questão de acreditar onde se quer chegar. Além disso, é questão de se preparar. Nunca vamos estar realmente prontos para as oportunidades, pois vão surgir justamente para isso. Mas que estejamos preparados para abrir aquele espaço. É preciso saber onde se quer chegar, não interessa a altura, e traçar os caminhos para estar lá. Por mais que sejam escolhidos caminhos errados, é preciso não desistir, não perder a esperança, além de estudar muito e sempre fazer uma reflexão de onde cada um veio. Isso é muito importante para lembrar de onde tudo começou, daqueles que inicialmente acreditaram e até mesmo desacreditaram de você.

Qual o seu sonho com o Palmeiras?

Que possamos chegar onde queremos, mas com a capacidade de representar o que somos no dia a dia. O que quero mesmo é ter uma excelente temporada de treinamento e de trabalho, pois cada vez mais tenho a certeza de que um bom trabalho, feito de forma concreta, vai representar um bom jogo. É isso o que eu mais quero. Que possamos fazer uma temporada de altíssimo nível, com treinos de excelência, para representar o nosso treinamento nas partidas.

*Estagiário sob a supervisão de Danilo Queiroz

 


Mais Lidas