Fernando Diniz valorizou, após a perda do Mundial para o Manchester City, o fato de o Fluminense ter mantido a posse da bola por pelo menos 20 minutos. O que foi, na visão do treinador, algo fantástico diante daquele que é hoje, até pelo título que levantou, o melhor time do mundo.
É curioso notar que o futebol, vez por outra, contraria o seu próprio princípio. Ou seja, que o mais importante, em qualquer partida, ou campeonato, é ganhar. Lembram que Francisco Horta, o ex-presidente tricolor, ressaltou, ao assumir o cargo, que o importante é “vencer ou vencer”?
Pois bem. Os torcedores, inclusive os do Fluminense, podem discordar. Aqui não escreve o dono da verdade. Como dizia o Pedra Noventa, da Escolinha do Professor Raimundo, “há sempre uma possibilidade de diálogo”. Mas, francamente, é fundamental, e principalmente para time grande, entrar em todas as competições, para sair campeão.
A falha do Fluminense
Esse foi o erro do Tricolor na decisão saudita: dar espetáculo, ou tentar fazê-lo, insistindo em praticar o dinizismo, aquele estilo de iniciar e terminar as jogadas trocando passes. Desde o goleiro às finalizações, descartando o fato que adversários e campeonatos são distintos, e que é improvável repetir a mesma estratégia, caso o objetivo básico e definitivo seja – como pregava o criador da Máquina – vencer.
Fosse em outra época, quando a TV praticamente não exibia futebol, o Fluminense só teria visto o City se mandasse um emissário à Europa. Isso para vê-lo ao vivo. Ou na semifinal contra o Urawa Reds, que não é referência alguma. Se a equipe japonesa disputasse o Estadual do Rio brigaria para continuar na Série A. Nada além. Mas Diniz teve a oportunidade de estudar o time inglês por bastante tempo, pois seus jogos estão todas as semanas – ao vivo – na telinha.
O Fluminense não poderia desperdiçar a chance, como outros brasileiros já tiveram, de ganhar o Mundial. Algo cada vez mais raro, tal a diferença que se acentua a cada ano, entre clubes europeus e do resto do planeta. Logo, deveria mudar sim, ao contrário do que integrantes da comissão técnica, craques, torcedores e jornalistas disseram – “não há razão para adotar outra estratégia, é importante jogar como sempre, esse é o DNA tricolor”.
Bobagem. Aliás, é possível que mesmo apresentando solução distinta do dinizismo, e para tal seria necessário planejar – não vamos discutir agora qual delas seria – o City venceria. Por sua estrutura e poder econômico. Mas é certo que o time carioca entraria para competir, ou seja, brigar por cada palmo do gramado, dificultar a vida do adversário, ameaçá-lo de forma eventual, buscando efetivamente o resultado. Jogar bonitinho para tomar de quatro foi um erro indisfarçável.
Exemplo de 1966
Como dito aqui, na crônica do dia da decisão, o futebol brasileiro de hoje, em clubes e seleções, apanha e fica feliz. Comemora, por exemplo, vinte de posse de bola diante dos gringos e se vê satisfeito. Vocês, mais jovens, não sabem. Mas entre as duas metades das décadas de 1950 e 1960, quando éramos os reis da bola, os europeus trabalharam para evitar o nosso tri. E tiveram pleno êxito em 1966, praticando o chamado futebol-força. Algo tipo “ampliar o poder da preparação física e ocupar quase todos os espaços do campo para impedir que a extrema habilidade do brasileiro pudesse ser trabalhada sem obstáculos”.
O Brasil entrou pelo cano no Mundial da Inglaterra, tomando surras de Hungria e Portugal. E passou mais dois anos até que alguém levantasse o dedo e mostrasse que o nosso futebol precisava evoluir, adequando maior velocidade e força atlética à qualidade dos craques. Não foi à toa que o Brasil deu um show na Copa de 1970, no México. Gérson, Jairzinho, Tostão e Pelé estavam lá, em 1966, e foram engolidos pelo óbvio. Mas quatro depois passaram o rodo nos gringos.
Futebol força
Os tempos mudaram, ok. Mas os princípios continuam básicos. Como no começo do Século XX, quando o futebol ainda engatinhava, já era condenável cruzar bola na defesa de um lado para o outro – Toninho Cerezo e Marcelo não leiam isso. E cabecear para frente da área, para os atacantes, de frente, concluírem com facilidade. Assim como driblar excessivamente na pequena área ou manter o goleiro adiantado para participar da construção de jogadas. O próprio City só faz isso eventualmente.
A propósito, vale lembrar que o futebol-força não assassinou o futebol. As seleções nas quais jogavam os principais craques da época – à exceção do Brasil, é claro, que chegou por lá ultrapassado – terminaram a Copa nos três primeiros lugares: a Inglaterra de Bobby Moore e Bobby Charlton, a Alemanha de Franz Beckenbauer e Uwe Seeler, e Portugal de Coluna e Eusébio.
Talvez fosse interessante Diniz tomar conhecimento disso tudo, antes de praticar o dinizismo, no Fluminense, e contra o City, ou na seleção, contra sul-americanos que eram presas fáceis não faz tanto tempo assim. No entanto, voltando ao Pedra Noventa – só enfrenta quem agüenta – há sempre uma possibilidade de diálogo. E pode ser que tudo que foi escrito aqui, por alguém acompanha futebol há 60 anos, desde criancinha, não tenha valor.
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