Por trás do abraço ou de um cumprimento aparentemente sincero de um técnico de futebol no coleguinha antes ou depois do início de um jogo, existe o ego. Como diria Al Pacino na interpretação do demônio em pessoa no filme Advogado do diabo (1997), “a vaidade é, definitivamente, meu pecado favorito”. Os donos da prancheta lidam com essa tentação durante 38 rodadas no Campeonato Brasileiro. Faltam duas para a apoteose profissional de um deles: Abel Ferreira.
“Malvado favorito” ao título, o português de 44 anos ensaia uma possível despedida divina do país. Vai muito além da possibilidade do nono título pessoal na Sociedade Esportiva Palmeiras. Se escrever um livro sobre a passagem pelo país, o “Gru” alviverde poderá contar que veio, viu e venceu os melhores treinadores brasileiros da safra. Alguns deles, ex-comandantes da Seleção Brasileira.
O adversário deste domingo (3/12), às 16h, no Allianz Parque, é o atual. Fernando Diniz mudou de patamar com as conquistas de três troféus neste ano: Taça Guanabara, Campeonato Carioca e Libertadores. Herdou a cadeira de Tite na CBF. Disputava a nomeação justamente com Abel Ferreira entre os líderes empregados na Série A. Mais do que isso: com ou sem o time titular, o melhor time da América do Sul representa um conceito — o dinizismo. Abel perdeu no primeiro turno por 2 x 1 em uma das grandes batalhas táticas desta edição do Brasileirão.
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Vencer Fernando Diniz pode ser o ritual de passagem para o bicampeonato pessoal, o 12º título do Palmeiras na elite nacional. Abel Ferreira caminha para repetir os feitos de Vanderlei Luxemburgo (2003 e 2004), Muricy Ramalho (2006, 2007 e 2008) e de Marcelo Oliveira (2013 e 2014) na era dos pontos corridos. Todos eles conquistaram troféus em anos consecutivos.
Abel Ferreira pode mais. Quando virar avô, terá chance de colocar os bebês no colo e contar uma historinha por dia elencando os técnicos superados por ele na saga pelo futebol brasileiro. Quando desembarcou em solo verde-amarelo, derrotou o Grêmio liderado por Renato Gaúcho na final da Copa do Brasil de 2020. O mesmo adversário foi superado por ele um ano depois, na final única da Libertadores, em Montevidéu, no triunfo por 2 x 1 contra o Flamengo.
Em 2020, Abel Ferreira derrotou outro grande nome da escola brasileira de técnicos. Depois de uma partida duríssima no Maracanã, decidida em detalhes, nos últimos minutos, superou Alexi Stival, o Cuca, por 1 x 0, na conquista do segundo dos três títulos do Palmeiras na Libertadores.
O primeiro dos dois canecos erguidos no Paulistão foi em um duelo à parte com um dos técnicos mais promissores do país. Abel superou Rogério Ceni com uma virada épica no Allianz Parque. O São Paulo havia vencido por 3 x 1, no Morumbi. Na volta, impôs 4 x 0, no Palestra Itália. O mesmo Ceni o derrotou com o Flamengo na final da Supercopa do Brasil de 2021, no Mané Garrincha, em Brasília.
A primeira glória de Abel Ferreira no Campeonato Brasileiro teve como vice-campeão um ex-técnico da Seleção Brasileira. Mano Menezes era o responsável pelas convocações e escalações no período de 2010 a 2012. O Palmeiras conquistou o título com oito pontos a mais que o Internacional.
O iminente bicampeonato, em 2023, tem um sarrafo mais alto. Abel Ferreira concorre na reta final com dois ex-comandantes da companhia pentacampeã mundial (Luiz Felipe Scolari e Tite), um eterno cotado para assumir a Seleção (Renato Gaúcho) e um campeão das Copas do Brasil e Sul-Americana (Tiago Nunes). O nível elevadíssimo dos colegas pode significar o contentamento final da passagem pelo Brasil. Se vencer o Fluminense, a pergunta até quarta será sobre o favorito a vice de Abel Ferreira.
Na rodada anterior, o respeito ao trabalho do português partiu do decano entre os técnicos da elite. Aos 72 anos, Luiz Felipe Scolari antecipou o voto na eleição do melhor treinador do Brasileirão. “Pode ficar bravo, não adianta, mas é o Abel Ferreira”, afirmou após reger o concerto do Atlético-MG por 3 x 0 contra o Flamengo, no Maracanã.
O Flamengo venceu o Palmeiras por 3 x 0 no início de novembro, mas Tite exaltou o trabalho de três anos e 29 dias do colega de profissão. “Foi a melhor atuação e mais consistente. Contra um adversário de muita qualidade, com links já estabelecidos e uma relação vitoriosa com seu técnico muito forte. Jogo muito difícil, com grande trabalho do Abel Ferreira”, reverenciou o treinador rubro-negro.
Um dos segredos do sucesso alviverde estava na ponta da língua do treinador após arrancar o empate por 2 x 2 com o Fortaleza, no domingo passado, na Arena Castelão, com um jogador a menos. “É evidente a atitude campeã que eles (jogadores) têm. Meu maior orgulho dessa equipe é a atitude, a forma como fazemos das tripas coração para depender só de nós. Está tudo em aberto, e vamos ter campeonato até o fim”, disse depois de sustentar na marra a liderança.