Brasileirão

Flamengo x Atlético: preconceito religioso marca ano de Pedro e Paulinho

Entenda por que o clássico nacional desta quarta vai além do confronto direto pelo título. Atacantes Pedro e Paulinho convidam o país a discutir intolerância, debate empurrado para baixo dos gramados

Paulinho é vítima de intolerância por ser adepto do candomblé; Pedro é assumidamente evangélico -  (crédito: Arte de Pacífico/CB/D.A Press sobre imagens de Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press e Gilvan de Souza/Flamengo)
Paulinho é vítima de intolerância por ser adepto do candomblé; Pedro é assumidamente evangélico - (crédito: Arte de Pacífico/CB/D.A Press sobre imagens de Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press e Gilvan de Souza/Flamengo)
postado em 29/11/2023 06:00 / atualizado em 29/11/2023 13:19

O engajamento de Pedro Guilherme Abreu dos Santos e Paulo Henrique Sampaio Filho vai além da disputa por três pontos, pelo título e pela artilharia do Campeonato Brasileiro. Protagonistas do clássico nacional de hoje entre Flamengo e Atlético-MG, às 19h30, no Maracanã, pela antepenúltima rodada, os goleadores dos dois times nesta edição da Série A jogam dentro e fora das quatro linhas contra um marcador implacável: o preconceito religioso.

Membro da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, Pedro é evangélico. Frequentador do Culto dos Atletas, deu testemunho sobre a carreira em uma reunião de 2021. No Flamengo, participa de grupos cristãos. Ao estilo Kaká, comemora os gols com mensagens religiosas até mesmo em Libras, a linguagem brasileira de sinais. No ano passado, comemorou o gol contra o Corinthians na decisão da Copa do Brasil com um recado: "Jesus é o caminho, a verdade e a vida", explicou à época.

O posicionamento do jogador nem sempre é bem aceito. Nesta temporada, o centroavante teria sido vítima de "covardia psicológica" no ambiente de trabalho por parte da comissão técnica de Jorge Sampaoli. O técnico teria questionado o estilo de vida pacífico do jogador nos treinamentos. "Você é muito religioso. Tem que brigar mais!", desafiou o treinador.

Jorge Sampaoli negou. "Não houve nenhum comentário sobre a vida pessoal do Pedro, principalmente em relação às escolhas religiosas. Todos os treinamentos são para todos do grupo. Todos os jogadores participam das mesmas atividades de ataque, assim como todos participam das ações defensivas", explicou o treinador ao ser pressionado sobre intolerância em uma entrevista coletiva depois da demissão de um dos braços direitos dele. O preparador físico perdeu o emprego depois de dar um soco na cara do camisa 9 rubro-negro no vestiário após a vitória de virada justamente contra o Atlético-MG no primeiro turno, no Independência, em Belo Horizonte.

Em meio à guerra de versões em "on" e em "off", Sampaoli foi demitido na sequência do vice na Copa do Brasil contra o São Paulo. Coincidentemente ou não, Pedro exibiu uma mensagem religiosa na camisa na primeira exibição depois da destituição completa do comandante argentino. Fez o gol da vitória contra o Fortaleza, por 1 x 0, levantou a camisa e exibiu a frase: "Jesus é o suficiente".

Pedro vive novos tempos desde a posse de Tite. Coleciona seis gols em nove jogos. Ostenta a artilharia do Flamengo no ano com 34 gols e quatro assistências em 58 exibições. Com 12 bolas na rede na Série A, está cinco atrás do goleador isolado Paulinho.

Perseguição

Filho de Oxóssi, o orixá caçador, Paulinho é seguidor do Candomblé. Em fase iluminada, lidera sozinho a artilharia do Campeonato Brasileiro com 17 gols, um a mais do que Tiquinho. O centroavante do Botafogo acumula 16. Bastou assumir publicamente a crença antes da participação na conquista do bicampeonato do Brasil no torneio de futebol nos Jogos Olímpicos de Tóquio para o início da perseguição preconceituosa ao jogador, principalmente, nas redes sociais. "Se você olhar nas redes sociais, você consegue ver". lamentou o jogador, em 2021, em uma entrevista ao portal GE. O episódio mais recente de preconceito aconteceu depois da estreia na Seleção principal na derrota de virada para a Colômbia nas Eliminatórias para a Copa, por 2 x 1, em Barranquilla.

Depois da partida, Paulinho publicou uma imagem na qual celebrava a primeira exibição com a Amarelinha com a seguinte legenda: "Nunca foi sorte, sempre foi Exu". Vários comentários na postagem dele atacavam: "Se macumba funcionasse, Bahia seria rica", "Cadê seu Exu agora, Paulinho?", "Foi só esse macumbeiro vagabundo, desperdiçador de farofa entrar que tomamos a virada".

A vítima e o Atlético-MG reagiram. "Sempre tem comentários negativos nas minhas redes sociais, mas não é algo que eu fico me apegando. Quem quiser continuar mandando energias ruins para mim, a mim não vai afetar, eu sigo blindado e focado naquilo que eu quero", rebateu.

O Atlético usou as redes sociais. "A intolerância religiosa é crime e deve ser combatida por todos. O Galo repudia veementemente os ataques destinados ao nosso atleta Paulinho nas redes sociais durante a partida da Seleção Brasileira. Força, Paulinho. Que sua fé te proteja da maldade alheia!", publicou.

Paulinho é uma das melhores contratações do futebol brasileiro na temporada. Ostenta 28 gols e duas assistências em 58 exibições. Fica atrás apenas de Hulk no ranking interno. O ídolo máximo em atividade contabiliza 29 bolas na rede e 12 passes decisivos em 56 jogos. Juntos, entregaram 57 gols em 2023 contra 54 do titular Pedro e do reserva Gabriel Barbosa.

A liberdade de expressão nos eventos da CBF é censurada pela Fifa. Cinco dias antes da Copa de 2010, na África do Sul, a Fifa vetou a exibição de mensagens religiosas. Era um recado aos brasilienses Kaká e Lucio. Evangélicos, eles comemoravam gols com mensagens "I belong to Jesus" e "I love Jesus". Havia o receio de que jogadores muçulmanos repetissem os gestos dos cristãos na Europa, criando uma disputa religiosa no esporte. O Comitê Olímpico Internacional (COI) também aderiu depois de Neymar festejar ouro com a faixa "100% Jesus", no Rio.

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