Você se acostumou a ver a predominância de homens em cargos no futebol masculino. Também passou a observá-los ganhando força no cenário feminino. Mas se questiona se a recíproca é verdadeira? A resposta ainda é tímida. Porém, não deixa de ser positiva. Vê-las em cargos de comando no meio deles é raro, mas acontece. E isso tem participação de uma brasiliense. Aos 33 anos, Nádima Skeff é responsável por lapidar os talentos das categorias de base do Sfera FC, time em evolução no interior de São Paulo.
Filha de professores, Nádima nasceu no Plano Piloto. Teve o primeiro contato com o futebol na Apcef-DF e pela escolinha Dois Toques. Como muitas garotas apaixonadas pelo esporte, dividiu o espaço nas quatro linhas com meninos. Não se intimidou. A brincadeira ficou séria. Encontrou lugar ao Sol, passou pela Seleção Brasileira sub-20 e jogou em dois dos principais times da capital federal: Cresspom e Minas Brasília. Também absorveu conceitos dos Estados Unidos, potência do futebol feminino. Lá, jogou pela Liga Universitária e atuou profissionalmente na Dinamarca.
Nádima acumulou milhas pelo mundão da bola e trocou as chuteiras pela prancheta após se debruçar sobre os livros. Obteve as licenças B da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e nível C da Uefa para trabalhar na formação de atletas e seguiu na contramão de outras profissionais. Gastou novamente o inglês para treinar garotos nos Estados Unidos e na Inglaterra. No entanto, a cria do Distrito Federal jamais viu isso como dose extra de desafio. "Foi tão desafiador como seria se eu estivesse indo na direção da normativa. Acredito que mulher no futebol, em posição de liderança, é escasso em ambos, feminino e masculino. Claro que ainda mais atípico no masculino, porém os desafios, de alguma forma, são muito parecidos", analisa.
A professora das quatro linhas relata que nunca se viu longe do esporte. "Fiz mestrado em cinesiologia, fiz os cursos técnicos de federações e iniciei outro mestrado em gestão de futebol pelo Instituto do Johan Cruyff, em Barcelona. Todos os cursos são desafiadores, existe, sim, um processo de oscilação no humor, mas desistência nunca fez parte da minha realidade", enfatiza.
Jornada magnífica
Diferentemente de como acontece nas principais divisões do futebol brasileiro, Nádima não foi indicada para assumir o cargo nas categorias de base do Sfera. Usou outro tipo de QI ao ser submetida a um processo seletivo. "Tiveram outras mulheres e o clube pretendia trazer mais. Futuramente trará", conta. Em Jarinu (SP), a mais de 990km de Brasília, a treinadora não esconde a alegria ao compartilhar uma "jornada magnífica". "É uma experiência que diverge de muitos estereótipos sobre o que significa ter uma mulher na comissão. Os atletas são realmente guiados pelo conteúdo acima de quem o entrega. Respeitam os limites e buscam ter uma comunicação e um comportamento dignos de um atleta que quer se tornar profissional", destaca.
"Sabem ser exigidos por uma figura feminina, de uma forma que seja leve e respeitosa. Não consigo me imaginar em outro lugar do mundo, por muitos anos. Existe uma harmonia muito grande de valores entre a gente. Da mesma forma que invisto muito no clube, ele também o faz comigo. É importante falar que também entendo que estar no futebol masculino abre portas para outras mulheres e ajuda a estimular reflexões importantes para a nossa sociedade", emenda.
Exemplo feminista europeu
A presença delas nos quadros profissionais da maioria dos clubes pede atualização. Na Europa, isso é consolidado. Ex-treinadora da seleção feminina da França, Corinne Diacre é um exemplo. Ela comandou o elenco masculino do Clermont por quatro temporadas. Tornou-se a primeira mulher do país a alcançar o feito. Na Alemanha, Imke Wübbenhorst foi a pioneira entre os times das cinco primeiras divisões do país a assumir o boné do BV Cloppenburg e do Sportfreunde Lotte. "Nesse assunto, o Brasil continua muito atrasado. A auxiliar técnica da nossa Seleção sub-17, Lindsay, também trabalhou no masculino. "Na França e na Inglaterra, temos mais mulheres tanto na base como no profissional. Como Corinne, pretendo manter as portas de ambas as modalidades abertas para minha carreira", discursa.
Questionada sobre a importância dela para o desenvolvimento das oportunidades para mulheres no futebol, Nádima é bastante incisiva: "Não sou a exceção da regra, sou somente alguém que iniciou o caminho". É uma jornada que vai muito além do esporte. Além do papel profissional, ela contribui para a educação dos atletas. A experiência no exterior a coloca no papel de professora de inglês nos momentos vagos. "Mudei-me para os EUA sem falar inglês. Sei o quão difícil foi não conseguir me comunicar e me expressar. Quando fui contratada, o Sfera mencionou a vontade de investir no inglês. Desde o início, consegui criar um dia com os alunos, de forma voluntária, no qual brincamos de falar inglês instrumental do futebol. E não há dúvidas: atividades extracampo como essa beneficiam o nosso convívio no geral", comenta.