Quem observa a brasiliense Viviane Araujo, aos 36 anos, nocautear e superar as concorrentes nos octógonos do Ultimate Fighting Championshipg (UFC), principal disputa das artes marciais mistas, o MMA, não imagina que para se tornar uma das figurinhas do álbum do badalada organização ela precisou trocar os pés pelas mãos.
Não estamos falando de uma trapalhada e, sim, de um movimento preciso para se tornar um dos destaques do mundo das lutas. Talento “made in Ceilândia”, Viviane conta em entrevista ao Correio viveu a juventude em um lar conturbado, no qual testemunhava e sofria abusos. A válvula de escape foi o futebol. "Minha história sempre foi de muita superação. Presenciei forte violência doméstica e psicológica em casa, pois meu pai foi alcoólatra. Eu estudava de manhã e, à tarde, para não ficar em casa na companhia de drogas e violência, ia jogar bola", compartilhar.
Viviane acumulou rodagem pelos tradicionais Minas Brasília e Cresspom. No entanto, um abatimento mental e uma lesão no tornozelo interrompe, aos 19 anos, a trajetória dela nos gramados. Aquele, porém, era apenas o início de um novo de uma nova jornada. Recuperada, foi convidada para uma aula experimental de jiu-jitsu no Setor “O”. Viciou-se na adrenalina.
"Fiz minha primeira aula e me apaixonei. Então, aposentei a chuteira e comecei logo a competir. Depois de muitos campeonatos regionais, passei logo para os nacionais, e, quando vi, ia participar do Mundial, em Abu Dhabi, após ter ganhado a seletiva", relembra.
Dez anos depois, Viviane resolveu se aventurar no muay thai. Mesmo sem grandes pretensões, ouviu do treinador Rodrigo Aguiar que "tinha talento para o novo estilo". As palavras do mestre ajudou a convertê-la ao MMA. "O jiu-jitsu nunca me deu um retorno financeiro. Eu queria isso, viver do esporte, mas estava difícil. Vi a oportunidade de mudar a minha vida no MMA, modalidade em ascensão naquele momento, com muitas mulheres entrando. Depois da primeira luta, gostei, e resolvi continuar", ressalta.
Viviane é a primeira e, atualmente, a única atleta do Distrito Federal a figurar no UFC. Para ela, a trajetória e o fato de ser pioneira na organização é uma honra. "Sempre tenho muito orgulho em falar que venho da Ceilândia. Uma pessoa que sai de lá e que alcança o sucesso, precisa ser muito batalhadora. Uma das minhas missões é ser exemplo para as meninas que querem seguir meus passos, principalmente de onde eu venho, da periferia. Quero ser espelho", discursa.
Mas nem tudo são flores. Uma das lamentações de Viviane é a disparidade entre homens e mulheres no cenário local e internacional. "Brasília se destaca quando falamos de lutadores. No feminino, infelizmente, nem tanto, mas vejo uma melhora. Nos treinos, 99% são homens, mas vejo várias meninas competentes, esforçadas, que se destacam. Novinhas, mesmo. Da maneira que vejo que sonham, devido ao ótimo treinamento que temos aqui, chegarão lá", analisa.
A cria dos tatames de Brasília tem propriedade para falar. Afinal, faz parte do time do UFC desde 2019. Gaba-se de um saldo positivo, com 11 vitórias e cinco derrotas. Em quatro anos de disputa, nocauteou três adversárias, finalizou quatro. "Sou muito agressiva, gosto de ir para cima. Esse meu perfil vem da minha vida, que sempre me bateu forte. Tive de ser resistente e perseverar. Penso nisso dentro da luta, coloco tudo ali. É o que me faz não ter medo. A cada dia busco lutar de uma maneira inteligente, mas sem perder a minha essência, a agressividade", destaca.
O próximo desafio de Viviane Araújo tem nome e sobrenome. No sábado (14/10), às 20h, encara a paranaense Jennifer Maia pelo UFC Fight Night em Las Vegas, nos Estados Unidos. O que acontecer em Vegas, certamente não ficará em Vegas. Caso supere a compatriota, a brasiliense pode entrar no top-10 do peso-mosca.
"Estou ansiosa pela luta, pois trabalhei duro para enfrentá-la. Me sinto muito feliz em lutar com ela, pois vai trazer uma agressividade a mais para o octógono. Ela não é de andar para trás, de ‘arregar’. Venho de duas derrotas, estou trabalhando o meu mental para isso não pesar e para trazer a vitória para Brasília. Vai ser uma luta que os fãs vão gostar", garante Viviane.
*Estagiário sob a supervisão de Victor Parrini
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