Arthur Antunes Coimbra estava sem filtro no dia seguinte à derrota do Flamengo para o São Paulo na final do segundo torneio mais importante do país. O maior ídolo do clube não quis saber de anestesia. Colocou o dedo na ferida da temporada marcada pelos vices na Copa do Brasil, Supercopa do Brasil, Recopa Sul-Americana e Campeonato Carioca; terceiro lugar na Taça Guanabara e no Mundial de Clubes da Fifa, queda nas oitavas de final da Libertadores e sétimo lugar no Campeonato Brasileiro — a 14 rodadas do fim. Há risco de não participar do torneio mais importante do continente na edição do ano que vem.
De passagem por Brasília para uma palestra na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção DF, o Galinho de Quintino lista os motivos do castigo dos deuses da bola ao Flamengo. O pecado capital é a saída de Dorival Júnior depois das conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores em 2023. Ele detona a contratação de Vítor Pereira, eliminado duas vezes por Dorival em 2022, critica os 42 dias de férias antes do Mundial de Clubes, ataca a falta de um time-base na gestão de Jorge Sampaoli e lembra que Jorge Jesus fez da repetição, do conjunto, trunfo no ano da graça rubro-negra de 2019.
Ex-técnico, Zico reclama dos superpoderes dos treinadores e culpa os dirigentes pela resistência nas tomadas de decisão e nas cobranças. Zico não defende abertamente a saída de Jorge Sampaoli, mas dá pistas nas entrelinhas ao falar da mania dos técnicos de querer jogadores desempenhando várias funções. Segundo ele, esse é um dos motivos para a pior temporada do camisa 10 Gabriel Barbosa no Flamengo. Mas nem mesmo o ídolo da atual geração passa incólume na entrevista a seguir ao Correio Braziliense (assista ao vídeo no fim da matéria).
O torcedor do Flamengo está arrasado. São sete troféus perdidos no ano. Quatro vices: Copa do Brasil, Taça Guanabara, Carioca, Recopa e Supercoa. Qual é a sua análise da temporada?
O Flamengo fez uma boa partida, totalmente diferente dos 45 minutos da primeira, que decidiu a Copa do Brasil. Mas o Flamengo não perdeu no jogo de ontem (domingo). No futebol você não perde num jogo só. Você perde durante a temporada. O Flamengo começou a ter um ano difícil quando mandou o Dorival Júnior embora. Não tem o menor sentido, não tinha motivo e não foi esclarecido até hoje. Se der a desculpa mais chula, falar que demitiu porque vendia cachorro-quente na porta do CT e não era permitido, então tudo bem, é uma explicação. Agora, você tirar um cara que pegou um time lá na rabeira do Campeonato Brasileiro, levou lá para cima e ganhou a Copa do Brasil e a Libertadores. Se ganhasse todos os jogos até o fim do Brasileiro não seria campeão. O Palmeiras estava em um momento maravilhoso. A diferença seria mantida.
A escolha por não renovar com o Dorival minou a temporada?
A situação toda não permitia. O mais estranho de tudo foi quem colocaram no lugar (Vítor Pereira). Não tenho nada contra a pessoa, mas ele havia sido eliminado (pelo Dorival Júnior) duas vez em duas competições diferentes. Perdeu a Copa do Brasil e foi eliminado na Libertadores. Premiaram a derrota. Ali começou a degringolar tudo. As pessoas que tomam decisão acham que fazem a grande diferença porque contratam e vendem. Não é assim. Quem decide são os profissionais ali dentro no trabalho. Lamento. Está todo mundo com raiva, todo mundo chateado pela forma como as coisas aconteceram.
Os 42 dias de férias pesaram?
Você vai jogar o Mundial de Clubes, que era a principal competição do ano, e dá férias de 40 dias sabendo que, no início do ano, teria três jogos decisivos? Então tudo foi errado. Começou errado. E o homem lá de cima não perdoa.
Os técnicos de hoje estão empoderados?
Os técnicos, hoje, estão super, hipervalorizados. Eles fazem tudo, eles quase mandam no clube. Os dirigentes parecem que têm medo de tomar decisões. Eles só tomam decisões para contratar ou para demitir. Não acompanham, não cobram nada. Os caras fazem o que querem, contratam quem eles querem. Pede esse jogador, quer esse e fica todo mundo com medo. Eles não são super-heróis para ter esses superpoderes.
Os clubes viraram reféns?
Já é muito complicado você ter que comandar uma equipe, ter que planejar tudo, montar uma comissão técnica. E hoje os caras chegam com um carrossel. Não dá, cara. Parece que eles têm medo, receio. Eu não admito que na hora que vai entrar um jogador em campo tenha um auxiliar falando com o jogador. Eu fui técnico (Japão na Copa de 2006, Fenerbahçe na Champions, CSKA...). Sempre falei direto. Auxiliar é para te auxiliar em certos momentos, mas é você que tem de mostrar sua cara. Esse negócio de ficar lá com o braço cruzado é fácil. Não dá cara, não dá...
Jorge Sampaoli usou 39 formações iniciais diferentes. É a favor da troca do técnico?
Não me meta nisso aí. É problema da diretoria. Quem contrata é quem tem que saber. E hoje tem essas multas vultosas (R$ 14 milhões). Chama atenção.
O que o irrita nos técnicos?
A maioria acha que qualquer jogador deve jogar em qualquer posição, e o futebol não é bem assim. Futebol é conjunto, é equipe. Quanto mais conjunto tiver, melhor é. O que teve os melhores resultados no Flamengo foi o Jorge Jesus. Ele tinha o mesmo time. Podia tirar no meio do jogo dois, três, mas o time se repetia. Descansar, poupar jogador, ele falava que tinha que ir lá, treinar. Isso é profissional. Eu, como profissional, gostaria muito mais de jogar duas vezes na semana do que ficar treinando.
O Gabriel Barbos falou depois do vice na Copa do Brasil que faz parte de uma engrenagem, e se a engrenagem não funciona, ele também não. Concorda?
Pode não funcionar na maioria das vezes, mas algumas você vai funcionar. Quando você tem qualidade, quando é uma grande referência, tem que buscar o jogo. As pessoas confiam muito em você. Tem que se preparar para isso. A individualidade não conquista um campeonato, ela ganha alguns jogos.
Gabigol pediu a camisa 10 e faz a pior temporada no Flamengo. O número está pesando?
Esse negócio de número é balela. Tem que arrumar um jeito (de jogar independentemente do número da camisa). Ele teve uma queda de produção. A questão de mudanças, de cada hora estar jogando com um, cada hora você está numa posição, uma hora você é do lado, tal hora você volta pra buscar. Ele estava acostumado a jogar em um time ajustadinho. Todo mundo fazia bem as coisas. Em um time ajustado, você já sabe onde o cara vai mandar a bola, onde o cara gosta de receber. Você tem os caras dentro do campo. Quando falta isso, cada um tem que dar o seu algo mais também. Não pode ficar só esperando a questão do time, o conjunto se fortalecer.
Como avalia o início do Fernando Diniz na Seleção? Considera interino?
Torço por ele. Todo técnico é interino. Tomara que ele tenha sucesso, que ele possa conseguir botar a Seleção como o pessoal gosta. Onde passou, fez bons trabalhos. É uma oportunidade muito grande.
Gosta dessa nomenclatura dinizismo?
Não gosto, não gosto, não tem nada a ver. Sem os jogadores em campo nada disso existiria.
A inspiração do Diniz é a Seleção da Copa de 1982. Que conselho dá ao Diniz?
Que se inspire também nas seleções que ganharam a Copa. O que todo mundo quer é ganhar o Mundial. É preciso saber mesclar a condição de quem você vai utilizar, se você pode fazer um tipo de esquema de jogo ou não.
Vai ministrar palestra na OAB-DF. Curte essa vibe de conferencista?
Agradeço muito à OAB por lembrar do meu nome. A gente tem experiências que combinam com a grande maioria dos setores. Tenho feito pelo menos duas palestras por semana, trabalhei com muitos líderes.
Pensa em trazer um Jogos das Estrelas para Brasília?
Nós só fizemos fora do Rio uma vez. Foi em São Paulo, na época da Copa do Mundo. A gente estava com problema no Maracanã, o Engenhão também estava com dificuldades das obras por causa da Olimpíada. A gente foi para São Paulo e o São Paulo cedeu o Morumbi. Foram dois anos lá. No mais, é Rio de Janeiro. É mais prático para jogadores. Não tem viagem. Quem vem de fora para passar Natal ou réveillon fica no Rio. Fica sempre mais fácil ser lá. Vai e volta pra casa. Viagem no meio aumenta o custo do evento. A arrecadação é toda beneficente, os jogadores não cobram um centavo para participar. A gente procura facilitar o máximo pra ter os convidados ali, eles que ajudam a levar o público. O público já coloca no calendário e é muito legal. Eu atendo todo mundo ali, vejo muita gente de fora do Rio. O jogo nem de segurança precisa, policiamento.
Mas há convites para fazer fora do Rio?
Recebo convite do Brasil inteiro, não é só Brasília. É Manaus, Cuiabá. Eu já não consigo jogar nem no Rio, viajar para ir para outros lugares para ficar sem jogar é complicado.
E o coração do vovô Zico? Recentemente você fez uma viagem de criança à Disney?
Foi uma delícia. Uma pena que não foram todos. São muitos agora, são 9. Foi só a família do Tiago, mas agora não vai faltar oportunidade pra ir com a do Bruno e pra ir com a do Júnior. Uma de cada vez, porque o custo é alto.