Copa do Mundo

Como o tri da Argentina inspira CBF a reconectar Seleção com a torcida

Sintonia dos argentinos com a seleção campeã mundial no Catar desperta Brasil a interagir com o povo; abertura em Belém do Pará vai nortear relação nos outros oito jogos em casa nas Eliminatórias

Enviado especial a Belém — Playlist com hits como "Muchachos" viralizados nas ruas e nas redes sociais. Mantras cantados nos metrôs e estádios da Copa na invasão ao Catar. Arenas pulsando no Mundial disputado no Oriente Médio como se fossem extensões das canchas do Monumental Núñez ou La Bombonera, em Buenos Aires. Ídolo nos braços do povo. Na boca também, quando um coro em uníssono gritava “Messi, Messi” nas arquibancadas. Puro êxtase antes, durante e depois de cada partida. Seleção e fãs em sintonia na celebração de cada resultado ou passagem de fase.

O enredo da conquista do tricampeonato da Argentina impressionou setores da CBF. Despertou a entidade a reconectar o torcedor com a Seleção. A passagem pelo Pará na estreia nas Eliminatórias contra a Bolívia foi o ponto de partida na tentativa de aproximar os jogadores do povo. Dezenas de ações deixaram isso evidente durante a presença no Norte.

Frequente nos treinos realizados no Mangueirão, o presidente Ednaldo Rodrigues avisou em meio ao debate sobre realizar ou não treino aberto na véspera da partida contra a Bolívia. “A CBF quer fazer tudo para deixar o torcedor e a imprensa mais próximos da Seleção. O que for possível, vai ser feito”, prometeu o dirigente no gramado do estádio. O diretor de Comunicação da CBF havia indicado esse caminho ao assumir o cargo no ano passado antes da Copa de 2022. "Após 2014, houve uma desconexão dos brasileiros com os jogadores. O projeto busca reaproximar a Seleção da torcida e dos jovens", afirmou Rodrigo Paiva, em outubro do ano passado, em um evento de marketing esportivo.  

A entidade traçou uma estratégia com o Governo local para levar fãs à arena. “Sabemos que nem todos vão ter acesso aos ingressos. Tem algumas ações que queremos vincular a questões sociais”, argumentou o dirigente. Muitas crianças eram de projetos assistenciais.

Neymar e Richarlison toparam assumir o elo entre a Seleção e a torcida. O camisa 10 distribuiu autógrafos e selfies ao se apresentar na noite de segunda-feira. Nos dias seguintes, apareceu diariamente na sacada do hotel para saudar os fãs. Havia uma chuva de camisas e outros objetos atirados para dentro e para fora do hotel. Famosa por receber o Círio de Nazaré, tradicional festa religiosa do Pará, a avenida em frente à concentração ficou praticamente intransitável. No adeus a Belém, Neymar caminhou do ônibus até a grade instalada pela Polícia Militar para delimitar o espaço da torcida. Cumprimentou alguns, sorriu, acenou e embarcou aos gritos de “Neymar” e “obrigado”.

Richarlison é o mister simpatia. Na quinta-feira, todos os jogadores dirigiram-se ao vestiário depois do treino. O camisa 9, não. Ele pegou um pincel atômico, partiu para o corpo a corpo com crianças e distribuiu autógrafos por pelo menos 20 minutos ininterruptos. Era abraçado, beijado, tocado. Mesmo cercado, assinava e conversava educadamente. Não por acaso ele e Neymar foram os nomes mais gritados no anúncio da escalação.

“É mais difícil chegar até aqui, as viagens são mais longas, mas quando você chega e vê esse carinho, esquece e fala que valeu a pena. O carinho é tão grande que é difícil de retribuir, às vezes não dá para chegar perto de todo mundo para tirar foto, mas faço o máximo que consigo. É muito legal receber esse tipo de carinho, gratificante, nos deixa muito feliz”, comentou Neymar na primeira entrevista coletiva da CBF em quatro anos.

O auge da interação aconteceu na noite de quinta-feira. Os jogadores foram até a sacada do hotel e acenaram para os torcedores em tom de agradecimento. Parecia um carnaval fora de época na Avenida Nazaré. “Noite incrível! Muito obrigado a todo povo paraense pelo carinho que tiveram com a gente nesses dias. Vocês foram muito especiais”, emocionou-se o atacante Rodrygo, autor de dois dos cinco gols na vitória por 5 x 1 contra a Bolívia.

O capitão Casemiro explicou depois do jogo a iniciativa dos jogadores no hotel. “É um povo assim que faz com que você venha para a Seleção. São pessoas assim que te fortalecem, que te fazem ter a felicidade de estar aqui. Muito obrigado, Belém. Tivemos a iniciativa de ir para a frente do hotel. Só tenho que agradecer esse carinho, porque foi muito excepcional”. Houve paciência até com quem desrespeitou limites e ousou invadir o gramado.

"Vimos aqui uma torcida inteira apaixonada, um calor humano que dificilmente se vê desde a chegada no hotel, saída para o treino. Agradeço desde já esse carinho. A Seleção precisa se reconectar com seu povo e país. O Brasil é o país do futebol porque as pessoas amam o jogo, não porque é o melhor. Copas do Mundo se ganham e se perdem, isso é secundário. É o país do futebol porque crianças pobres enxergam o futebol como única maneira de ter ascensão. Por isso a Seleção tem que estar com o povo", disse Fernando Diniz.