Em 19 de fevereiro de 1986, no interior de Alagoas, Marta Vieira da Silva Veiga nasceu, precisamente na cidade de Dois Riachos. Eis que 37 anos e cinco meses depois, o Brasil deve parar a fim de assistir à última Copa do Mundo dessa mulher, que se tornou, simplesmente, a maior jogadora de futebol feminino da história.
Marta deixou de ser uma atleta comum e se tornou a Rainha. A grande artilheira das Copas entre homens e mulheres, com 17 gols. Detentora exclusiva de seis títulos de melhor jogadora do mundo. Celebrada com a canadense Christine Sinclair, como as únicas jogadoras com gols em cinco Copas femininas.
Atualmente no Orlando Pride, dos Estados Unidos, a atacante canhota de 1,63m anunciou que o Mundial de 2023 será a despedida de Copas. Aos 37 anos, Marta convive com problemas físicos, mas segue, sempre que possível, demonstrando talento indiscutível em campo e mostrando o poder da voz na busca por equidade no futebol.
Melhor jogadora do mundo em 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2018, Marta é uma lenda do futebol e não precisa provar mais nada a ninguém. É a Rainha. No entanto, algo coroaria definitivamente a carreira da maior jogadora de todos os tempos: o título da Copa do Mundo.
Pela Seleção Brasileira, a camisa 10 atuou em 183 jogos e marcou 119 gols. É a maior artilheira da história do Brasil entre homens e mulheres. Uma jogadora única, que entende a importância dos protestos e o tamanho da própria carreira. Por isso, o torcedor brasileiro deve ficar de olho na emocionante despedida dela em Mundiais. Valerá a pena!
Busca do sonho
É hora de se despedir da maior atleta que o futebol feminino já viu. E esse "tchau" está junto do sonho da jogadora e de todo o Brasil. Marta é extremamente campeã por onde passou. Por clubes, a atleta coleciona títulos nacionais e foi campeã da Libertadores - pelo Santos - e da Liga dos Campeões - pelo Umea IK, da Suécia. Pela Seleção Brasileira, é tricampeã da Copa América e tem duas medalhas de ouro em Jogos Pan-Americanos.
O nome da camisa 10 está na história do futebol mundial. Porém, ainda existe o sonho de conquistar os maiores títulos possíveis na modalidade, tendo em vista que ela bateu na trave em três oportunidades. No auge, Marta ficou com a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de 2004 e 2008. Também terminou a Copa do Mundo de 2007 na segunda colocação. Essas são as melhores performances da história do país — campanhas marcantes. Mas a despedida dos Mundiais conta com o desejo de erguer a taça. E ela merece.
A atacante sabe que o legado foi deixado. Junto de jogadoras como Formiga e Cristiane, que não estarão na Copa de 2023, Marta colocou o futebol feminino brasileiro em outro patamar. Mas a luta apenas começou e as novas gerações devem prosseguir pelo futuro.
"Esse é o ponto primordial: a gente tem que chorar no começo para sorrir no fim. É querer mais. É se cuidar mais. É isso que eu peço para as meninas. Não vai ter uma Formiga, uma Marta, uma Cristiane para sempre. O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Pensem nisso, valorizem mais. Chore no começo para sorrir no fim", bradou Marta, após a eliminação no Mundial de 2019.
O desabafo foi marcante e repercutiu bastante, tendo em vista a fala efusiva e as palavras fortes. O futebol feminino do Brasil cresceu por conta de Marta e poderia chegar ao ápice com o título em 2023, justamente na despedida da craque em Mundiais — ela ainda pode disputar a Olimpíada de 2024 com a Seleção.
No entanto, independentemente do título, o processo deve continuar. Parafraseando a estrela, o choro desses primeiros passos fará com que haja sorrisos no fim. E o brasileiro espera que o sorriso no rosto de Marta apareça, de vez, na "última dança" em Copas.
Uma voz de relevância
Além dos feitos no gramado, a melhor jogadora da história tem consciência do papel na evolução do futebol feminino fora de campo. Marta utiliza a voz para protestar e pedir que haja equidade, o ajuste do desequilíbrio no esporte, de forma que sejam propostas oportunidades que possibilitem o mesmo resultado no masculino e no feminino.
"A bola é igual, o campo é igual, as regras são iguais. As mulheres jogam futebol da mesma forma que os homens. Não há motivo para não receberem o devido reconhecimento", disse Marta no lançamento da própria marca. A craque lançou a Go Equal, que tem uma coleção de vestuário que incentiva mulheres a jogarem futebol.
Esse lema faz parte dos protestos de Marta desde 2018. O pedido por equidade no futebol ganhou ainda mais força quando a Rainha comemorou o primeiro gol no Mundial de 2019, tornou-se a primeira jogadora a marcar em cinco Copas e comemorou apontando para o símbolo do movimento na chuteira.
Sem patrocínios e padronizado com a cor preta, o calçado de Marta se tornou protagonista após a craque balançar a rede contra a Austrália, em 13 de junho de 2019. Na comemoração, a camisa 10 apontou para os traços rosa e azul que pedem por equidade.
Neste ciclo para a Copa do Mundo, o Brasil foi eliminado nas quartas de final da Olimpíada de Tóquio, nos pênaltis, pelo Canadá, e Marta aproveitou para protestar novamente, tendo em vista as críticas por mais uma campanha sem medalhas em Jogos Olímpicos. "O peso de quem não trouxe a medalha não é das jogadoras, é de quem não investe no futebol feminino brasileiro", respondeu.
Condição física ainda preocupa
Será a "última dança", a despedida que o Brasil todo deve acompanhar. No entanto, infelizmente para o mundo do futebol, as condições físicas da craque não são ideais. Marta rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo em março de 2022 — primeira lesão grave da carreira —, ficou 11 meses sem jogar e retornou apenas em fevereiro deste ano. Desde então, acumula alguns problemas físicos e não chegou à Copa do Mundo com 100% das condições físicas.
Nos treinamentos preparatórios para o Mundial, Marta realiza exercícios específicos porque está com um desgaste na coxa direita. Até por isso, ela não esteve nos dois jogos-treinos da Seleção Brasileira em Gold Coast, na Austrália.
"O departamento médico está cuidando da forma que acha que é melhor para prepará-la. O mais importante para a gente neste momento é tê-la. Está tudo sob controle. No melhor momento, ela estará com a gente e está voltando aos poucos", comentou Antonia, zagueira da Seleção Brasileira.
A fala da defensora dá pistas de que Marta pode não jogar a estreia contra o Panamá, hoje, às 8h (horário de Brasília), em Adelaide, na Austrália. A grande questão é quando e por quantos minutos a camisa 10 estará à disposição de Pia Sundhage na sequência do Mundial.
Pelo bem da Copa do Mundo e da Seleção Brasileira, é necessário que ela esteja em campo. Um talento raro. A maior de todos os tempos no futebol feminino. Marta Vieira da Silva Veiga, a Rainha.
Minas Gerais
Após passar por CSA e Vasco, Marta foi contratada pelo Santa Cruz, equipe da região nordeste de Belo Horizonte. A futura craque iniciou a passagem no time mineiro em outubro de 2002, com apenas 16 anos, e deixou a equipe em 2004, rumo ao Umea IK, da Suécia.
No Santa Cruz, atuou com Formiga, outra referência do futebol brasileiro, e, por duas temporadas, elas disputaram diversas competições amadoras, pois o futebol brasileiro ainda não contava com competições femininas regulamentadas na época.