O empresário de Hong Kong W. Wong ainda se lembra do dia, em 1972, em que ouviu pela primeira vez as crianças da vizinhança elogiarem uma figura lendária: Bruce Lee, o talentoso homem das artes marciais que levou o kung-fu às telonas de Hollywood. "Cada criança precisa de algum tipo de modelo e eu escolhi Bruce Lee", disse Wong, que há quase 30 anos é presidente do maior fã-clube da cidade dedicado ao astro.
Um dos primeiros asiáticos a se tornar uma estrela nos Estados Unidos, o artista passou a infância e os últimos anos em Hong Kong, onde o legado permanece vivo até hoje e onde fãs estão preparando exibições de artes marciais esta semana para marcar meio século da morte precoce, aos 32 anos de idade.
Em uma academia de Wing Chun, estilo de arte marcial que o lutador praticava antes de inventar o próprio método, Jeet Kune Do, Lee é reverenciado como uma espécie de padroeiro. O proprietário, Cheng Chi-ping, conta que a geração dele começou a treinar sob a influência cultural de Bruce Lee, mas que "nunca conseguiram igualar a velocidade, força ou físico".
O professor de Cinema Aaron Han Joon Magnan-Park, que dá aulas sobre filmes de Lee na Universidade de Hong Kong, acredita que o ator simbolizava uma espécie de identidade chinesa que cruzava fronteiras. "Eu descreveria Bruce Lee como o modelo de sucesso do 'soft power' sinófono", disse.
A figura do mestre das artes marciais quebrou estereótipos racistas em Hollywood, provando que os homens asiáticos eram mais do que apenas servos e vilões. Para o acadêmico, as cenas em que Lee flexiona os músculos com o peito despido foram essenciais para mostrar que os heróis asiáticos também tinham corpos esculpidos. "Isso tornou os homens asiáticos atraentes e isso é algo sobre o qual não falamos o suficiente", acrescenta.
Preservação da memória
Mas a preservação do legado também enfrenta barreiras, diz o presidente do fã-clube, denunciando a falta de apoio do governo. Em 2004, o grupo fez uma petição para erguer uma estátua de Lee na famosa orla de Hong Kong, mas uma campanha para reutilizar a antiga casa não conseguiu impedir a demolição em 2019.
No entanto, Wong, que organizou uma exposição mais modesta no movimentado distrito de Sham Shui Po, argumenta que a filosofia de Lee pode voltar a ser relevante para as próximas gerações. "Enquanto todos continuarem lembrando, uma vez que o interesse de alguém é despertado, eles têm a oportunidade de redescobri-lo", finaliza.
Quebrando barreiras
Nascido em San Francisco, em 1940, Lee cresceu em Hong Kong e desde cedo flertava com fama em carreira de ator infantil, incentivado pelo pai, um famoso cantor de ópera cantonesa. Aos 18 anos, continuou estudos nos Estados Unidos e, na década seguinte, deu aulas de artes marciais, além de ter conseguido pequenas aparições em Hollywood até obter o papel de Kato, na série de televisão 'Besouro Verde' (1966).
Após retornar a Hong Kong, a carreira deslanchou ao interpretar o protagonista no filme de artes marciais 'O Dragão Chinês', que o tornou uma referência na Ásia após lançamento em 1971. Os anos posteriores consolidaram a fama de Lee como um lutador implacável e veloz como um raio, sobretudo nos sucessos de 1972 'A Fúria do Dragão' e 'O Voo do Dragão'.
Lee completou as gravações do quarto grande filme, 'Operação Dragão' e estava filmando o quinto, 'Jogo da Morte', quando morreu em 20 de julho de 1973, devido a um inchaço cerebral atribuído a uma reação adversa a analgésicos.