Único brasileiro a colocar o país no pódio de uma maratona olímpica, em Atenas-2004, Vanderlei Cordeiro de Lima trocou os pés pelas mãos. Embora esteja aposentado desde 2008, não largou as pistas para valer, mas aprendeu, sim, a dividir a rotina com os palcos e os microfones. Aos 54 anos, o paranaense da pacata Cruzeiro do Oeste é uma espécie de guru com mensagens positivas e lições transmitidas ao público com base nas experiências dele pelo mundo do esporte.
Querida por Vanderlei, Brasília entrou no mapa das palestras dele no último final de semana. Antes da troca com os admiradores e atletas da capital federal, conversou com o Correio sobre a nova fase da vida e, claro, relembrou momentos emblemáticos, como quando carregou a tocha olímpica no Eixo Monumental e "substituiu" Pelé no acendimento da pira no Maracanã. Para ele, a maior conquista não está na medalha conquistada há quase 10 anos na Grécia, mas, sim, na mensagem de persistência recebida pelo povo após o ataque sofrido quando liderava a prova.
Segue ativo no esporte?
Todo mundo pergunta se ainda estou correndo. O Vanderlei saiu da corrida, mas a corrida não saiu do Vanderlei. Passei um período difícil durante a pandemia. Contraí covid-19 e isso impactou no meu físico durante o meu período de treino. Agora, estou voltando. A corrida faz parte da minha vida. Não tem como viver sem aquilo que me traz prazer, alegria e que me conforta. Faço porque realmente amo.
Como foi o pós-carreira?
A minha aposentadoria foi planejada eu pensava em algo para o futuro. O meu primeiro objetivo foi a criação do Instituto Vanderlei Cordeiro de Lima, em Campinas. Essa é uma maneira de retribuir tudo o que o esporte me deu. Depois, fui agraciado com um programa da Confederação, o Ídolos do Esporte. Achei que o meu pós-carreira poderia ser dedicado a isso.
E essa nova fase?
Estar hoje aqui é, na verdade, uma oportunidade de dividir a minha experiência, levando a mensagem de superação, de que tudo é possível para que as pessoas possam ser muito mais otimistas e não se limitem. Basta que acreditem e façam por onde. Esse momento da minha vida é muito prazeroso. A maior conquista que tenho é o reconhecimento. Medalhas e troféus continuarão na minha casa, mas o reconhecimento de uma vida dedicada ao esporte é o mais importante. Olhando para trás, vejo que valeu a pena. Isso é o que tento passar.
Você substituiu Pelé na abertura da Rio-2016. Como lembra desse fato?
Não tem como ter a dimensão da perda de uma pessoa tão importante como Pelé. Ele foi extraordinário e um exemplo do nosso país. Com a morte dele, claro que vêm lembranças. Nunca tive a oportunidade de estar com ele. Na verdade, ninguém substitui o Pelé. Eu reparei a ausência dele na abertura dos Jogos Rio-2016. Mas gostaria muito de ter o conhecido. Estive com outros grandes ídolos, como Zico. Inclusive, me tornei flamenguista por incentivo dele. É legal quando temos grandes referências. O importante é que possamos construir histórias inspiradoras. Esse é o legado daqueles que estiveram um dia no topo.
Neymar o colocou como referência em 2016. Qual é o sentimento de ser ídolo de tantos?
Nunca procurei ter essa dimensão, pois viver do esporte é intenso, com muito comprometimento e vontade de vencer. O esporte é amplo e infinito. Conseguimos impactar as pessoas de maneira tão positiva. Pessoas que nunca vimos, mas que acabam entrando na nossa vida. Isso é muito legal. Não tem como mensurar as palavras do Neymar em 2016. Temos esse compromisso de deixar um bom legado, com bons exemplos. Me orgulho muito de ser exemplo para tanta gente.
O que falar de Brasília?
Fui muito bem recebido em todas as minhas visitas. Brasília tem um DNA esportivo referência no país. A cidade respira esporte. Foi muito legal e inesquecível estar aqui em 2004, na abertura do desfile de 7 de setembro, conduzindo a bandeira do nosso país. Foi ainda mais especial conduzir a tocha olímpica em um lugar sagrado como a Catedral. Fiz questão de visitá-la novamente e tive a sensação de reviver aquele instante. Foi o momento mais especial das minhas passagens por Brasília.
A jornada na Grécia
Atenas-2004 foi minha terceira participação em Olimpíadas. Não que nas outras eu tenha treinado menos, mas a Grécia foi a minha última chance de conquistar um bom resultado. Houve um grande planejamento da minha parte e da equipe para que eu pudesse chegar em condições. Não foi por acaso ou sorte de o Vanderlei ter ganhado uma medalha olímpica. Ouço por aí "sorte sua que o padre te agarrou". O mais importante é que, naquele momento dos Jogos, já era esperado por mim e pelas pessoas que estavam me acompanhando.
Até Atenas, existia o impossível na mente de todos, pois o Brasil não tinha histórico de grandes resultados em maratonas. Mas fui lá e provei que o brasileiro é capaz de superar adversidades e chegar a conquistas. Eu jamais imaginei que poderia acontecer isso (de ser agredido e retirado da prova) nos Jogos Olímpicos. Mas, toda a minha preparação me deu forças para continuar. Foi trabalho físico, emocional. Trabalhei muito isso no meu dia a dia. Acredito demais que o psicológico foi determinante para chegar ao pódio.
O bronze exigiu mais que o ouro?
Sem dúvida. Ao olhar para a conquista da medalha, percebo que foi um resumo da minha vida. As circunstâncias me preparam para viver aquele momento, pois não foi apenas um, foram vários durante a minha carreira. Sempre fui aquele atleta que caia e levantava para dar um passo adiante. Ali não foi diferente. A persistência e a vontade de vencer são recados para as pessoas de que não podemos desistir no primeiro obstáculo.
Se pudesse voltar no tempo, faria algo diferente?
Se eu pudesse dar um recado para o Vanderlei moleque franzino, de situação social vulnerável, seria para buscar e receber mais incentivos e apoios, que faltaram lá no começo (da carreira). O Vanderlei contrariou a tudo e a todos para realizar o sonho de ser atleta. Fiz parte de uma geração que não tinha muito, mas que fez muito pelo esporte. Me orgulho.
Um recado para as próximas gerações
Fui motivado por sonhos. Colocava um na minha cabeça e guardava isso para alimentá-lo e buscá-lo, independentemente da circunstância. Precisamos sonhar, acreditar e fazer por onde. Nada é por acaso, e não existe vitória fácil. Talvez, de imediato, você não consiga subir no lugar mais alto do pódio. E, se você olhar minha carreira, não alcancei o mais alto, mas me aproximei dele. Olhando para trás, minha história era tão importante, e talvez mais do que onde eu cheguei. A história vale mais que a conquista.