Hotel Kubitschek Plaza. Setor Hoteleiro Norte. Durante a entrevista exclusiva ao Correio Braziliense, o presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), Radamés Lattari Filho, se emociona ao lembrar da passagem pelo ginásio da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) para assistir ao treino da Seleção Brasileira feminina durante a etapa candanga da Liga das Nações. Aos 65 anos, ele recorda com os olhos brilhando a melhor campanha de um time do Distrito Federal na Superliga masculina em todos os tempos na temporada de 1989/1990. "Ficamos em quarto lugar. Eu era o técnico da AABB/FBB. Quando terminar a entrevista eu mostro o registro que tenho. É uma matéria do Correio Braziliense.
Radamés tem um carinho especial por Brasília. Antes da entrevista, lembrou de uma partida como técnico da Seleção masculina contra Cuba, em 1998, no Ginásio Nilson Nelson. "A CBV estava tensa. Achou que daria pouca gente. Fizemos uma ação com o jornal de vocês. O leitor recortava um cupom e tinha direito a desconto no ingresso. Quando entramos no ginásio, que coisa linda. Estava lotado".
Depois de passar por todos os cargos possíveis e imaginários, de jogador a gestor, Radamés acaba de assumir a CBV. Herdou o cargo de Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca, de quem era vice. O ex-presidente morreu em maio, aos 89 anos. Radamés conta os planos para a entidade e fala sobre duas ações: o combate à manipulação de resultados no vôlei e uma campanha de conscientização de postagens nas redes sociais a fim de evitar episódios como o de Wallace em provocação ao presidente Lula.
Brasília tem times nas superligas masculina e feminina. Como avalia o estágio do vôlei na capital?
Fiquei emocionado quando fui no ginásio da AABB assistir ao treino da Seleção. Há 32 anos, era eu que estava ali dando treino para o time da AABB/FBB. A melhor campanha de um time de Brasília na Superliga (masculina) foi comigo de treinador. Quarto lugar! A gente lotava o ginásio do colégio Maria Auxiliadora. Uma hora antes, não tinha mais lugar. Se tivesse de escolher um local no Brasil para ser treinador novamente, eu escolheria Brasília.
Por que?
Brasília reúne o maior número de ginásios, tem condições de sobra para um treinador de trabalhar.
O que falta ao vôlei de Brasília?
Fico feliz de que o Brasília Vôlei tenha as duas equipes (masculina e feminina). Brasília é apaixonada por vôlei. O (José Alves) Bezerra, que é um presidente fantástico (Federação do DF), fez recentemente um projeto. Tinha mais de mil crianças jogando. Pode ser um celeiro de grandes atletas e tem público. Sou um torcedor para que Brasília possa estar sempre participando da Superliga.
O senhor é presidente da CBV, mas tentou ser deputado federal. Como foi isso?
Eu não esperava ser candidato. Recebi telefonema de um amigo comum com o Eduardo Campos (1965-2014). Eu tinha um amigo que era amigo dele e do ministro Márcio França, que eram do mesmo partido. Eles fizeram um pedido para que eu escrevesse um programa de esportes. Eu disse: eu não sei pedir voto, eu não sei pedir dinheiro para isso. Eles pediram para que eu fosse candidato. Fui sem gastar um tostão. Amigos fizeram uma campanha pela internet. A política poderia olhar com mais carinho para o esporte e a cultura. Os maiores ídolos do Brasil estão no esporte e na cultura.
Assumiu a presidência após a morte do Toroca neste ano. Como foi a jornada até o cargo?
Fui um atleta razoável, fraco. Com 16 anos, me tornei técnico. O Bebeto de Freitas era meu treinador no Botafogo e falava: "você é baixinho, gordinho, mas é o capitão. Fica sendo meu auxiliar". O Bebeto teve apendicite. Ficou quatro meses de cama. Eu virei treinador da minha própria equipe. Comecei com 16. Com 21, estava como auxiliar na Seleção. Supervisor de Seleção na Olimpíada na primeira medalha de bronze feminina. Estive como dirigente da CBV, diretor de competições, de vôlei de praia, de seleções, vice-presidente e, agora, presidente. Fiz carreira. Passei por todas as posições até a presidência.
Teve de agir como bombeiro nas gestões do Nuzman no COB e do Ary Graça na CBV?
Vamos esquecer... O Ary foi uma pessoa fundamental na construção do nosso Centro de Treinamento e na parte administrativa. Aliado a isso, fizeram com que o trabalho dos nossos treinadores dessem resultado. O Brasil se tornou uma potência mundial.
O seu perfil é pacificador?
Eu tento de tudo quanto é jeito ser sempre um conciliador. Toda vez que dois brigam, os dois estão perdendo. Quanto menos conflito, mais harmonia, melhor.
Como aprendeu isso?
Quando você é treinador, está habituado a lidar com a comissão técnica e não é egoísta, sabe trabalhar coletivamente, transmite isso quando se torna presidente. Tenho quatro diretorias. Dou total autonomia e consigo trabalhar na parte técnica, administrando a parte política. O principal problema é arranjar soluções econômicas. Nosso orçamento é de R$ 110 milhões, mas se tiver R$ 160 milhões é pouco. A gente sempre fica tentando fazer malabarismo.
O vôlei rendeu somente uma prata na quadra feminina em Tóquio-2020. O que aconteceu?
É muito mais fácil você sair de baixo e chegar em cima do que continuar no topo. Os outros também evoluíram. Com a globalização, diminuíram as diferenças e o Brasil continua se mantendo no topo do ranking.
O que foi feito rumo a Paris-2024?
Um trabalho de renovação visando não só a próxima Olimpíada, mas Los-Angeles-2028. O possível para qualificar cada vez mais o nosso trabalho de base para o Brasil continuar se mantendo entre as potências.
O vôlei de praia ficou devendo...
A gente iniciou uma nova roupagem no Circuito Brasileiro. Criamos novos parâmetros para a ajuda que a CBV dá aos atletas. Melhoramos a premiação. Passamos a ter um olhar voltado à base. As 27 federações poderão fazer competições estaduais com a premiação. Dali, vão ter acesso aos regionais. São trampolins para os grandes eventos. Estamos esperançosos para voltar a conquistar as medalhas que se tornaram hábito.
O Conselho de Ética é um avanço?
Não basta ser correto, tem que demonstrar que é. A maior transparência possível. Temos um Conselho de Ética formado por cinco pessoas independentes.
A CBV combate a manipulação de resultados?
Juntamos, em Saquarema (RJ), sete das nossas oito seleções. Uma estava fora (do país). Fizemos preleção e mostramos tudo que pode acontecer de ruim.
A Comissão de Atletas e o Fundo de Apoio é outra inovação. Ajudou atletas recentemente?
O Bruninho e o Rafael, que eram presidente e vice da Comissão de Atletas, nos procuraram para falar sobre a preocupação com alguns colegas. Criamos um fundo de apoio. A gente começou a ajudar a Ana Paula Borgo. Infelizmente, ela faleceu. O estado da doença era muito avançado. Tivemos, na praia, o caso da Elise Maia. Socorremos no momento em que ela teve contusão. É a primeira vez que uma confederação tem a oportunidade de criar um fundo de apoio aos atletas.
Atletas cada vez mais se posicionam sobre diversos temas. Como pretende lidar com isso depois de episódios como os da Carol Solberg e do Wallace?
Vamos lançar um programa de conscientização da importância da fala nas mídias sociais. Do quanto pode repercutir, do quanto cada um deve ter de responsabilidade.
Como vai funcionar?
A CBV terá um movimento com órgãos importantes. Não vai ser um limitador à manifestação deles, vai ser um processo educativo. Todas as pessoas têm liberdade de se manifestar, mas têm que saber da sua importância, da sua responsabilidade. A CBV vai liderar esse processo.
Como agiu no Caso Wallace?
O bacana nisso tudo foi saber que o COB, o Conselho de Ética, o Cruzeiro, todos nós conseguimos chegar a um consenso.
Por falar em redes sociais, o senhor e o Renan foram criticados nas eleições por causa de uma foto com o deputado Arthur Lira.
Eu fui candidato pelo PSB. O Arthur Lira é de outra (sigla, Progressistas). Eu, como CEO, vice-presidente e presidente da CBV, devo ter dado 80 camisas para prefeitos, deputados, senadores, governadores. Como representante da CBV, estava entregando homenagem a uma pessoa que era importante naquele contexto. Era um agradecimento. Não vou fazer campanha para ninguém. A gente, como CBV, vai homenagear, independentemente se é direita, esquerda ou centro.
Qual o valor da Rua Bolívia, em Copacabana, na sua vida?
Foi onde eu comecei. Nasci ali. A Bolívia era a rua de maior tradição no vôlei de praia. Ficava assistindo os grandes nomes jogando ali. Nunca imaginei jogar. Fui treinar no Botafogo. Eu não queria no Flamengo para não dizerem que era filho do dirigente. Conheci o Bebeto (de Freitas) e aí começou a minha história de técnico por ser um péssimo jogador.
Qual é o lugar do Bebeto de Freitas na sua vida?
Foi a pessoa que me recebeu no Botafogo. Eu me tornei atleta, auxiliar no Botafogo, nas seleções cariocas, Atlântica Boa Vista... Meu ídolo como jogador e treinador. Foi o responsável pelo Brasil ter dado salto de qualidade. A primeira pessoa a introduzir comissões técnicas. Foi fundamental para surgir um Zé Roberto como treinador, um Bernardinho e o Renan.
Você fez a transição da Era Zé Roberto para o Bernardinho na Seleção masculina.
Eu tinha que fazer um trabalho de renovação para Sydney-2000. Fiz todo o trajeto. Estrearam comigo Gustavo, André Eller, Dante, Rodrigão, Marcelinho, Ricardinho, Nalbert, Giba. Eu disse que só ficaria quatro anos para realizar o sonho de treinar a Seleção. Não ficaria maluco que nem o Zé Roberto e o Bernardinho. Esses caras são doidos. Quando acabou, Bernadinho veio no quarto conversar comigo e eu falei: "Assume que o grupo é fantástico". Sorte do país ter Bernardinho e Zé.
E quando o Zé sair?
Vai ser um momento difícil. Há uma cobrança injusta em cima do Renan e será uma cobrança injusta em cima do sucessor do Zé Roberto. Eles estão na história.
Você foi vice-presidente do Flamengo. Por que o pessoal do vôlei brilha na gestão do futebol? Bebeto, Zé Roberto, Renan, Brunoro...
Quando estive no futebol, não via nenhuma ação dos atletas com o patrocinador. Eles davam dinheiro e pronto. No vôlei, tinha que fazer o patrocinador ficar contente. Entendemos a visão de gestão.
O seu jogo mais difícil foi a batalha pela vida na pandemia?
Um dia, de madrugada, eu suava. Troquei de roupa quatro vezes. Achava que estava com gripe. Fiz exame e fui para a CBV. Quando cheguei, recebi um e-mail. Positivo para covid-19. Voltei e fui controlando. Havia tomado a primeira dose (da vacina). Eu media a saturação. Baixou e eu fui para o hospital. São quatro dias que eu apaguei da cabeça. Fiquei nove dias intubado. Você volta, está todo amarrado. Aí, vai aos pouquinhos recuperando. Logo que eu fui para o quarto, botaram uma tevê e recebi a notícia de que o Renan estava intubado. Fiquei abalado. Hoje, é passado.