As dimensões do futebol brasileiro alcançaram o outro lado do mundo há tempos. No futebol asiático, nomes como Zico, Paulo Autuori, Carlos Alberto Parreira, Levir Culpi, entre outros, conquistaram os corações de inúmeros fãs do esporte a milhares de quilômetros do país. Aos 39 anos, outro nome nacional traça os primeiros passos solos na carreira em uma terra distante de casa: Gabriel Magalhães.
Com passagem no time B do Fortaleza, o brasiliense de 39 anos comanda o Chiangrai United. Na última temporada, a equipe foi a quinta do Campeonato Tailandês, ficando a oito pontos de entrar na Liga dos Campeões da Ásia. O elenco conta com três brasileiros mais: o zagueiro Diego Landis — vindo do Mirassol, revelado no São Paulo —, e os atacantes Felipe Amorim — de passagens relevantes em Goiás e Fluminense — e Bill, ex-Santos, Corinthians e Botafogo. Ao Correio, o treinador fala sobre diversos aspectos da vida pessoal no Brasil e do outro lado do planeta.
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Quando começou a paixão pelo futebol?
Tenho memórias aqui desde pequeno, sou sobrinho do Weber (Magalhães, ex-presidente do Gama), então acompanho futebol desde 1993, 1994, quando tinha a Copa dos Campeões aqui, com Flamengo, Cruzeiro, Santos, São Paulo e Grêmio. Então eu vinha muito acompanhar esses jogos e depois disso, em 1998, tive a oportunidade de acompanhar o Gama, no time que todo brasiliense se apaixonou, que levou Brasília ao maior cenário nacional. Dali comecei a estudar para trabalhar com futebol. Fui em busca disso a partir dos clubes todos daqui, fui à CBF Academy para me formar.
E agora, como é a vida na Tailândia?
Lá é mais tranquilo do que aqui. A dificuldade que se tem é o inglês, e como eu falo bem, consigo levar as coisas. Até porque 90% do pessoal que trabalha com o futebol lá escuta e entende. Alguns atletas não entendem, então a gente fala para um que entende e este repassa a mensagem. A linguagem do futebol facilita muito: o uso de quadro e vídeo torna tudo mais fácil. Uma coisa que pesa é que não tem muita pressão, então se a gente consegue performar bem em um jogo, independentemente do resultado, a gente tira foto, dá autógrafo, cumprimenta os torcedores. Aqui, você vê que o resultado é acima de tudo: às vezes o time tá performando, o resultado não vem, mas a torcida não quer saber.
É um ambiente mais tranquilo de lidar?
Lá entendem que um esporte é um esporte e eles estão lá para se divertir: tem muita criança nos estádios. Eu saio de casa pela manhã, dou treino de 16h às 18h, sendo que fico desde às 13h no CT, e volto para casa. Aqui, um time que vinha bem há três semanas, como o caso do Fluminense do (Fernando) Diniz, alguns resultados não vieram e a torcida já acha que tem muita coisa errada, porque só ganha um, no Brasil, infelizmente. Lá fora, valorizam o segundo lugar, o terceiro, uma vaga na Champions é um feito muito bom e aqui, independente da estrutura que vem dando, dos atletas que você tem, todos querem o mesmo resultado, independente do momento diferente de uns para outro, financeiramente e estruturalmente. O compromisso é o mesmo, só que lá se entende um pouco mais sobre o processo.
E como é essa influência da cultura brasileira no futebol de lá, ainda mais com três jogadores do país no seu time?
Tem mais um brasileiro chegando, mas não posso dar detalhes. O jogador brasileiro é competitivo, o tailandês é um pouco mais tranquilo, eles usam o termo ‘saba saba’, sobre calma e tranquilidade, a gente tenta puxar um pouco mais deles e eles são mais assim e nós temos que entender essa cultura. Eles são competitivos, a qualidade e a intensidade é boa, são diferentes na alimentação, na cultura, em um país que treina muito mais, por exemplo, o muay thai. A gente tenta tirar algo mais deles da melhor forma possível, em algumas vezes soltamos algumas palavras brasileiras, mais fortes, que daí eles sentem que a gente está nervoso, mas falamos em português.
E como é a imagem do país para a população de lá?
Eles consideram os estrangeiros como decisivos nos jogos. É muito difícil ver um jogador tailandês ser o cara que vai fazer o primeiro gol ou resolver. Temos muitos brasileiros por lá e que resolvem, são respeitados, os demais jogadores ficam mais perto deles, nos treinamentos, para aprenderem. Acho que o Chiangrai é o clube que mais gosta de brasileiro, o presidente vem trabalhando com treinadores do país nos últimos oito, ou dez anos. Ele gosta da cultura, do modelo, das ideias, acredita que a gente tem o um contra um inigualável e lá não têm tanto isso. Eles gostam do trabalho da Premier League, todos torcem por um time inglês e acompanham muito, e quando aparecem com dotes brasileiros, eles ficam encantados.
O futebol tailandês encontra um crescimento dentro do continente?
A covid-19 quebrou muito isso. Eu iniciei em 2021, como auxiliar do Alexandre Gama, maior vencedor de lá e ele fala que o país vinha investindo muito dinheiro e ia brigar para ir à Copa do Mundo, mas como é um país turístico e a pandemia quebrou o mundo, não só a Tailândia, então houve uma queda. Em breve veremos um perfil maior: as pessoas que moram na Ásia já respeitam um pouco mais do que antigamente. Isso tende a acontecer de cinco a dez anos, mas vai depender do investimento, tem que aguardar um pouquinho.
Você voltou para o Brasil apenas para casar. Como foi esse processo?
Nem lua de mel eu tive, porque lá tem a questão do visto: o meu é de trabalho e o da minha esposa é de turista e a gente ainda não era casado, então decidi voltar ao Brasil nessas férias para casar. Eu tenho o sonho de casar em 2025 com uma grande festa e poder proporcionar aqueles momentos que a gente sempre esperou, ao lado da família. Agora, eu volto para lá e ela vai apenas em dezembro, então a gente não consegue realizar os extras.
A saudade da família é um fator cotidiano dos estrangeiros por lá?
Todo mundo com quem a gente conversa sente essa dificuldade. Se pegar tudo o que fiz nos 15 anos de carreira e dizer que outra pessoa vai passar por isso, para chegar onde cheguei, que não é muita coisa, mas é bom caminho, acho que muitos não aceitariam. Estar longe de casa não é fácil, são dez horas de fuso horário, então você fala com a família em horários muito complicados. Uso o exemplo da minha filha, de 17 anos, vivendo 14 deles longe e outros momentos perto e meu filho de um ano, agora, vai ficar longe, então não é mole. O esporte é uma escolha, no caminho que se quer seguir, tem que ir em busca daquilo. A dificuldade vai existir em qualquer trabalho, só que morar fora é mais complicado, apesar de poder dar certo e dar uma estrutura melhor para a família para o resto da vida.
Ainda assim você se sente feliz? Tem algum sonho pendente?
Sou muito feliz. Em 2014, pelo Correio, fiz uma entrevista onde eu era apontado como um profissional que ia ao contrário do mercado e eu disse que era a oportunidade da minha vida. Se em 2016 ou 2017 eu não tivesse galgado nada, eu iria abandonar. O meu sonho de agora é dar uma estabilidade financeira boa para a minha família, com uma estrutura legal, seguir em um país legal como a Tailândia ou algum perto de lá, como a Indonésia ou a Malásia, ter uma continuidade de trabalho, mas quero voltar ao Brasil. Quero treinar um grande time, sou completamente apaixonado por torcida, acho que futebol é isso. Quem já esteve embaixo, no campo, sente o calor.
De quais outras coisas do Brasil você sente falta?
Sinto falta do samba, gosto de sentar em um bar, escutar música, ver um jogo. Também da comida, lá tem muita pimenta, sopa, muitos frutos do mar, e eu não como por ter uma ânsia desde pequeno. Não consigo. Lá eles comem carne, mas é algo mais leve e eu gosto bastante do churrasco, da feijoada, mas não é nada que não dá para superar: são coisas do dia a dia, para comprar e fazer em casa. Espero passar mais um ano muito positivo e que essas coisas a gente tire nas férias, onde como e me divirto bastante.
*Estagiário sob supervisão de Marcos Paulo Lima
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