Respeitável público, a Seleção que dá show promete mais um espetáculo à parte, nesta quinta-feira (16/6), às 21h, contra a Sérvia, no Ginásio Nilson Nelson, e na sequência da Liga das Nações e da caminhada rumo à classificação para os Jogos Olímpicos Paris-2024. E uma das protagonistas das apresentações de gala da companhia orquestrada por Zé Roberto Guimarães é Julia Bergmann, ponteira dona de talentos muito além do esporte.
Julia vai além das qualidades nos saques, passes, bloqueios e ataques. O carisma e o bom-humor da gigante 1,96m são um complemento a uma das jogadoras mais promissoras do país. O Correio esteve em um dos treinos da Seleção em Brasília e, de cara, testemunhou a ponteira tirando onda de malabarista antes do treino. Parece mera brincadeira, mas não é.
Em entrevista ao Correio, o dono da prancheta verde-amarela, Zé Roberto Guimarães, comentou a importância de beber de outras fontes para incrementar os treinamentos e contribuir para a evolução das jogadoras. "Aplico tudo o que você possa imaginar do tênis, habilidades, malabares de circo. Estimulo isso, uma jogadora que consegue fazer com três bolas ou laranjas. A Júlia, por exemplo, sabe fazer. Estava pensando em levar alguém do circo para fazer uma vez por semana para esse desenvolvimento. Tem muita coisa que as outras modalidades acabam ajudando", ressalta o treinador.
Buscar alternativas para se aprimorar e também levar leveza à intensa e tão cobrada rotina de atleta de alto rendimento é um dos motivos para Julia Bergmann se aventurar nessa arte. "O malabarismo de circo ajuda muito com coordenação e é um pequeno talento, que dá para fazer em todos os lugares e com tudo. É divertido", compartilha a ponteira ao Correio.
O que também está em tudo e em todos os lugares é a física. Quem observa Julia Bergmann na quadra talvez nem se dê conta da história entre ela e a ciência. Formada pelo Instituto de Tecnologia da Geórgia (Georgia Tech), nos Estados Unidos, ela precisou deixar a bola de lado para se debruçar nos livros na final da graduação. Ela foi desfalque no Mundial disputado em outubro e novembro do ano passado.
"Sempre quis fazer faculdade. Os Estados Unidos eram o único lugar do mundo que faz dessa maneira (com incentivo ao esporte). Fui me interessando e vendo. Meu assistente técnico trabalhou com o Zé, então não passei por mudanças tão drásticas. Tive aquele jeitinho brasileiro nos treinos e nos jogos por lá. Cresci muito como pessoa e como jogadora. Foi a melhor escolha que fiz para minha vida. Não me arrependo de nada, mas é bom estar de volta à Seleção e 100% para o vôlei", confidencia.
Mas será que existe alguma vantagem para o Brasil por causa da formação de Bergmann? Ela não titubeia. "Está presente na rotação da bola, posicionamento, a maneira como bloquear, como um saque morre na frente, e vemos o movimento da jogadora. Não preciso calcular a fórmula de como vou passar ou sacar, mas a física faz parte do vôlei", responde com bom-humor.
Apesar do desfecho feliz na vida acadêmica, Julia esbarrou em dificuldades e precisou abdicar de muito. "Não vou dizer que é fácil estudar e jogar ao mesmo tempo. São muitas noites sem dormir, muitas noites na biblioteca estudando, mas no final vale a pena. Vôlei não é para sempre. Dá uma oportunidade incrível de fazer outras coisas depois. Conheci amigas para a vida na faculdade e pessoas do mundo todo, que quero manter contato, mas uma das maiores coisas que sou grata é mostrar que o esforço dá certo. Se inspirei uma menina, já valeu a pena", discursa.
História com a Alemanha
Pelo sobrenome você deve desconfiar que Julia tem um pezinho fora do Brasil. E tem mesmo. Filha de pai alemão e mãe brasileira, Bergmann nasceu em Munique, mas, aos 10 anos, se mudou para Brusque (SC) com a família. A paixão pelo vôlei cresceu lá e, apesar da raiz europeia, o foco sempre esteve em vestir o verde-amarelo. "Nunca pensei em jogar pela Alemanha, pois foi no Brasil onde comecei no vôlei, com 11 anos. Todo o meu crescimento no vôlei foi no Brasil. Sou muito grata pelas pessoas que fizeram parte desse processo, desde a base até agora", conta.
Os caminhos de Julia Bergmann e da Alemanha voltarão a se cruzar no sábado, às 14h, no terceiro duelo da etapa Brasília da Liga das Nações, no Ginásio Nilson Nelson. Apesar das expectativas da torcida, a ponteira rechaça clima de "conflito" contra as compatriotas. "Nunca tive essa rivalidade. Acredito que estão fazendo um bom trabalho. Conversei com algumas meninas de lá algumas vezes. É um time alto e muito bom. Não podemos subestimar. Vai ser um jogo difícil, mas não existe nada de rixa ou sentimento contra a seleção", desmistifica.
Aos 22 anos, Julia é um dos expoentes da nova geração do vôlei brasileiro. Os louvores não são apenas dos torcedores. O técnico Zé Roberto Guimarães é um dos admiradores do talento dela. E a recíproca é verdadeira. Bergmann não poupa elogios ao mentor. "Não sei nem o que falar do Zé. É um dos melhores técnicos do mundo, senão o melhor. Ele conseguiu deixar o voleibol brasileiro em alto nível por tantos anos, coisa que nenhum país conseguiu. Ele tem tanta coisa a ensinar. Quando estive nos EUA, ele sempre perguntava como eu estava. Sou muita grata por essa relação", afirma.