COPA DO MUNDO

Como a Seleção feminina anda de mãos dadas com a psicologia

Afinada com o debate mundial sobre a saúde mental em modalidades de alto rendimento, Pia Sundhage age na contramão de Tite e levará profissional da área para a Oceania. Conheça Marina Gusson

Marcos Paulo Lima
postado em 29/06/2023 06:00
 (crédito: Thais Magalhães/CBF)
(crédito: Thais Magalhães/CBF)

O trecho de Mãos dadas, um dos poemas clássicos de Carlos Drummond de Andrade, diz: "(...) O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas (...)". Ao contrário de Tite, Pia Sundhage escolheu disputar a Copa do Mundo Feminina em parceria com a psicologia, de 20 de julho a 20 de agosto, na Austrália e na Nova Zelândia. Em tempos de debate sobre a saúde mental propostas pela ginasta estadunidense Simone Biles, a tenîsta japonesa Naomi Osaka, o surfista brasileiro Gabriel Medina e a nadadora Ana Marcela Cunha, a CBF reservou poltrona para a profissional Marina Gusson no voo fretado rumo à Oceania, às 5h de segunda-feira, partindo do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek.

Formada na Universidade de São Paulo (USP) e com passagem pelas federações de karatê, vôlei e polo aquático, ela tem a missão de zelar pela mente das 23 jogadoras convocadas na última terça-feira para disputar a Copa do Mundo.

Currículo da psicóloga Marina Gusson vai além do futebol: trabalhou com karatê, polo aquático e outras modalidades
Currículo da psicóloga Marina Gusson vai além do futebol: trabalhou com karatê, polo aquático e outras modalidades (foto: Lucas Figueiredo/CBF)

Um dos heróis da Argentina no tri na Copa do Catar, o goleiro Emiliano Martínez creditou o sucesso pessoal ao divã de David Preastley. "Minha cabeça está mais centrada que nunca, ganhando ou perdendo. Com o que exige o futebol mundial, creio que todo jogador precisa de um psicólogo (...)", aconselhou o protagonista de uma das maiores defesas da história na prorrogação da final contra a França.

A presença de uma psicóloga na comissão técnica de Pia Sundhage evidencia a rejeição pessoal de Tite a profissionais da área nos seis anos e meio de mandato. A sueca percebeu a necessidade ao tomar posse, em 2019. Seis jogos foram suficientes para ela integrar Marina Gusson à equipe. A parceria começou no amistoso contra o México, em dezembro de 2019, resistiu à queda contra o Canadá nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, disputados em 2021 por causa da pandemia, continuou intacto na conquista da Copa América no ano passado, e segue firme e forte para a Copa.

"A parte mais importante é o fato de levar uma psicóloga que está com a equipe há um bom tempo. A Pia trabalha de forma multidisciplinar. Como ela (Marina Gusson) conhece as jogadoras, vai ter a possibilidade de sentir mudanças de comportamento, de humor, o clima do grupo e instrumentalizar a Pia para liderar a equipe. A Seleção terá uma excelente ferramenta na Copa", diz ao Correio Eduardo Cillo, coordenador de psicologia esportiva do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e doutor pela USP.

O projeto é totalmente necessário. Das 23 convocadas por Pia Sundhage, 11 jamais disputaram o Mundial: Gabi Nunes, Nycole Raysla, Antonia, Bruninha, Lauren, Adriana, Ary Borges, Duda Sampaio, Kerolyn, Ana Vitória e Camila Rodrigues. O trabalho atende às marinheiras de primeira viagem, mas também a veteranas sob pressão. Eleita seis vezes número 1 do planeta, a recordista Marta participará do torneio pela sexta vez. Talvez, a última na carreira. A experiente goleira Bárbara não suportou a pressão externa nas redes sociais e trocou farpas com uma canoísta paralímpica nos Jogos de Tóquio. Criou-se até um climão até mesmo com intervenção do COB.  

Discreta, Marina Gusson explicou em entrevista ao site da CBF, em 2020, a missão de controlar os nervos das jogadoras da Seleção Brasileira. "Uma convocação é um ambiente muito propício para criarmos vínculos, porque temos momentos mais informais que permitem um contato mais direto. Então, em um primeiro momento, tem a ver com conhecer cada atleta e saber como ela lida com situações de pressão por desempenho e essa necessidade de conhecimento de si mesma. É um gerenciamento tanto das emoções quanto dos pensamentos para se ter a melhor performance em campo", comentou.

Na era de esportistas performáticos e individualistas como Messi, Cristiano Ronaldo e Mbappé no futebol; Stephen Curry, LeBron James, Kevin Durant e Nikola Jokic no basquete; e outros tantos astros de outras modalidades, a psicologia entra em ação para lembrá-los de que não jogam sós. Uma das missões mais difíceis é a quebra da resistência com a ciência da mente. Marina coordena conversas individuais e conjuntas na Seleção.

"É possível conciliar essa percepção de como é o dia a dia de uma convocação, as vivências em campo, os treinos e os bastidores. Então, estar sempre próxima às atletas quebra essa visão do psicólogo e facilita a criação do vínculo e a confiança, que é o alicerce da psicologia", destaca a profissional aprovada pela CBF.

A parceria com Pia Sundhage desde os primeiros meses de mandato aqueceu, inclusive, a frieza inicial entre a comissão técnica sueca e as jogadoras brasileiras. Quebrou o gelo e afinou a comunicação. "A Pia tem uma clareza de que, criar uma equipe campeã, é, também, ter uma equipe fisicamente, taticamente e tecnicamente fortes. Isso é importante, mas não basta. Ela legitima muito o trabalho, ela ouve, pede os feedbacks, considera o que a gente traz na construção do treinamento. Em relação à questão cultural, a psicologia também tem ajudado muito para ela (Pia) entender as diferenças da cultura sueca em relação à brasileira", ressalta Gusson.

Medalha de ouro em Pequim-2008 e em Londres-2012 à frente dos Estados Unidos, bronze no Rio-2016 pela Suécia e vice da Copa em 2011 pela seleção norte-americana, Pia aposta na mescla entre jogadoras experientes e novatas para brindar o Brasil e a si com o título inédito. Um dos mantras dela é a criação de uma mentalidade vencedora em um elenco com média de idade de 27,4 anos. "As jogadoras experientes serão importantes. É um equilíbrio que fazem com as mais jovens. Temos a Marta e a Kerolyn, que nunca foi para a Copa do Mundo. Gosto desta mistura, e é apenas o começo. Isso pode ser a fórmula vencedora", bancou a treinadora na entrevista coletiva de terça-feira.

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