Entrevista

Zé Roberto se diz consciente sobre ciclo na Seleção: "vai ter um fim"

Perto de celebrar 20 anos à frente da equipe feminina, o tricampeão olímpico admite antes da exibição de hoje, às 21h, em Brasília: "É difícil imaginar sair, mas também fico pensando que vai ter um fim"

Marcos Paulo Lima
Danilo Queiroz
postado em 14/06/2023 06:00
 (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A. Press)
(crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A. Press)

Aos 68 anos, o paulista de Quintana José Roberto Lages Guimarães é um F5 ambulante. Obcecado por atualização, estudava as seleções da Coreia do Sul, adversária de hoje, às 21h, no Nilson Nelson, pela segunda etapa da Liga das Nações feminina de vôlei, e os Estados Unidos antes de atender a reportagem do Correio para a entrevista exclusiva. Na conversa de 40 minutos, ele mostra consciência de que os 20 anos à frente das minas um dia chegarão ao fim. Em 29 de julho, ele completará duas décadas no cargo. Quando parar, Zé sabe o que não quer: ser político. As passagens por Brasília entusiasmam muito mais por causa do carinho da torcida do que pelo magnetismo da capital do poder.

O técnico Zé Roberto sente vontade de virar político quando vem a Brasília?

Não, eu nunca tive essa pretensão ou esse planejamento de um lugar em governo. Eu ajudo com projetos, mas nunca me passou pela cabeça nenhum tipo de circunstância dessa maneira. Ser presidente de federação, de confederação ou Ministério...

Brunoro no Palmeiras, você na passagem pelo Corinthians, Bebeto de Freitas no Botafogo, Renan Dal Zotto no Figueirense, Ana Moser, agora, no Ministério do Esporte. A galera do vôlei é inclinada para a gestão.

São pessoas importantes. Deixaram um legado por onde passaram e estão fazendo um grande trabalho. A Ana, por exemplo, eu torço muito para que dê certo. Conhece os lados competitivo e social. Essa balança precisa estar uniforme. A gente não consegue ficar sem o competitivo, mas é preciso um grande investimento no social. Não consigo separar educação do esporte. Ensina disciplina, o pertencimento a um time, respeitar o adversário, se dedicar a outras pessoas, as regras. Essa é nossa saída. O investimento precisa ser grande. E houve um tempo que o esporte não era Ministério. Ser elevado ao Ministério é essencial. Não vejo como secretaria, assim como a cultura. São muito importantes e precisam ter esse status.

Como contribui com a Ana Moser?

Eu ajudo de fora, dou conselhos. Quando ela assumiu, falei que estava à disposição. O que ela precisar e eu puder ajudar. Falando do social e dos projetos de incentivo. O meu projeto, em Barueri, sobrevive por meio de incentivo federal. Sem ele, fecharíamos. Está sendo muito importante essa influência.

Zé Roberto Guimarães completa 20 anos à frente da Seleção Feminina em 29 de julho
Zé Roberto Guimarães completa 20 anos à frente da Seleção Feminina em 29 de julho (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Você está no topo há muito tempo. Qual é o seu segredo?

A gente precisa sempre aprender. Essa minha nova empreitada na Turquia (vai dirigir o THY, de Istambul) foi para estar no centro onde vão jogar algumas das melhores jogadoras e treinadores do mundo. Competir contra eles e ver o que está se fazendo lá. Não somos apenas nós que sabemos. O mundo inteiro. A Europa é o centro do voleibol. Quando escolho ir para lá, escolho aprender e estar entre os melhores. Esse é o segredo. Você tem que ir atrás de conhecimento o tempo inteiro.

E quais são as principais escolas?

Uma que sempre me deu parâmetro foi o Japão. Me chama a atenção, principalmente, no sistema defensivo. Você vai para a Europa e é um dos melhores centros de bloqueio. Antes de vocês chegarem, eu estava no quarto estudando os Estados Unidos e a Coreia do Sul. São equipes que me dão parâmetros de aprendizado. A gente tem uma escola brasileira, uma filosofia e não podemos abrir mão. Quando você se atualiza vendo as grande escolas atuando, é um processo ver o que os melhores estão fazendo e aprender com eles.

Você completa 20 anos à frente da Seleção feminina em 29 de julho. Consegue imaginar sua vida sem o uniforme?

Mudou muita coisa. É difícil imaginar sair, mas eu também fico pensando que vai ter um fim. Sou muito intenso. Me envolvo de uma tal maneira que, para mim, é muito forte. Esqueço um pouco família, amigos, minha casa, para ficar focado. Minha família, agora, é a Seleção Brasileira.

Em que o Zé mudou?

Fui muito rígido quando comecei. Hoje, sou um técnico que conversa e ouve mais. Não abro mão de determinadas coisas, como o aprendizado que você tem durante anos de movimentos, de mecânica, do que pode dar certo. Você precisa ser forte em algumas coisas e, em outras, respeitar a individualidade das jogadoras. Fiquei mais maleável e escuto mais as jogadoras. Isso eu considero um lado bem positivo.

Mesmo sem estabelecer prazo, técnico diz estar ciente que um dia o ciclo vai se fechar: "fico pensando que vai ter um fim"
Mesmo sem estabelecer prazo, técnico diz estar ciente que um dia o ciclo vai se fechar: "fico pensando que vai ter um fim" (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Você trabalhou com os times masculino e feminino do analógico ao digital. Como foi essa transição?

Isso é a grande situação que enfrentamos hoje. Temos que tomar cuidados. Não tenho redes sociais. Procuro evitar e não leio. Tem gente que gosta de você pelo que é, e outros que te odeiam também pelo que é. No Brasil, existe uma situação nessa geração de muito imediatismo e não fazer parte de um processo. Falo muito com elas sobre isso. Do tempo que você tem que se doar, batalhar e se dedicar. Não querer tudo de uma forma muito rápida. O aprendizado não é assim. A maturidade, a leitura, as alavancas que você vai usar, tudo melhora com o tempo. Existem fenômenos no vôlei. Várias jogadoras com 19, 20 anos são protagonistas. Tudo faz parte de um processo.

Essa é a sua grande preocupação com rede social?

As pessoas não dão muito tempo para essas que essas jogadoras saíam de um processo de clube e entrem na Seleção. Querem resultado imediato. Até você conseguir dar uma cara, melhorar velocidade, altura, posicionamento. Isso demanda tempo. Para elas se entenderem, se comunicarem, se orientem, se ajudem melhor.

A Seleção tem desfalques relevantes em Brasília. Como está lidando com isso?

É mais difícil quando a gente perde jogadoras como a (ponteira) Ana Cristina. Doeu meu coração de uma forma absurda. A equipe vai sofrer e cair. A Gabi também está fora. Foi campeã da Liga dos Campeões da Europa e depois fez um procedimento no joelho. Vamos ter percalços e precisamos ter paciência. O Pré-Olímpico é nosso alvo principal, mas temos campeonatos que antecedem e não podemos perder por causa do ranking.

Como agir nessa situação?

Precisa ter um quebra-cabeça. Para homogeneizar demora um pouco. A mídia social não perdoa muito e a gente sofre com isso. Temos que melhorar nosso time, nossa comunicação, nosso sistema defensivo. Tento ajustar dessa maneira para que a gente se volte para dentro da Seleção. Os fãs gostam de um e de outro, quer que a sua jogadora preferida seja titular. A concorrente dela não é tão bem vista. O técnico é o cara que não coloca e é o culpado. A gente procura dividir essa culpa para carregar o piano.

Recentemente, tivemos o caso Wallace. Isso respingou de alguma forma na Seleção Feminina? Isso te preocupou?

A preocupação era geral com a repercussão. Tudo tem que se conversar. Nada radical dá certo. Graças a Deus chegaram a um denominador comum. A gente não pode entrar em conflito com nada. Os nervos estão tão à flor da pele que não é o momento. Precisamos pensar em um país melhor, em uma tranquilidade. Vamos trabalhar juntos e caminhar. Não é hora de atacar. Vamos fazer o nosso. Tem tanta gente contra, querendo que o Brasil não caminhe. Quando aconteceu, fiquei muito preocupado, mas agora está tudo resolvido.

Zé Roberto ressalta ter ficado mais maleável com o tempo: "Hoje, sou um técnico que conversa e ouve mais"
Zé Roberto ressalta ter ficado mais maleável com o tempo: "Hoje, sou um técnico que conversa e ouve mais" (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Como está a Seleção rumo a Paris-2024?

Maior sonho é classificar. Até porque estamos bem no ranking. Temos três formas de classificação (ranking, Pré-Olímpico e universalidade se nenhum país da América do Sul se classificar, o Brasil é o primeiro a entrar). A gente quer no Pré-Olímpico para ir aos Jogos tranquilos. Acho que temos chance (em Paris). Nosso objetivo é estar entre os três. Hoje, somos os primeiros do ranking, mas como é dinâmico, depende do que acontecer na Liga das Nações, a cada jogo. Ficamos na expectativa. Tem duas coisas: a FIVB fez uma coisa boa com o ranking, a pontuação nova, mas não caminhou da mesma forma no planejamento de calendário.

O calendário é pesado?

Estamos vivendo uma crueldade enorme. As jogadoras não podem sair de um campeonato nacional e entrar em uma Liga das Nações imediatamente. Já questionei a Federação Internacional. Não sei quem fez o calendário de jogar primeiro no Japão, voltar para Brasília, ir para a Tailândia e, depois, os Estados Unidos. Você pega a China que vai estar três etapas na Ásia. Não é justo. Quando fizer um planejamento desta maneira, coloque as seleções no mesmo patamar. Temos que pensar na realidade, na longevidade da atleta.  Não pode estar nesse turbilhão. Temos que competir para ganhar, senão descemos no ranking. É o que a gente tem que reivindicar.

O Brasil ainda teve duas baixas por lesão

Foram acidentes. No segundo set do jogo contra o Japão, a Gabi pisou no pé da Ana. A Ana foi recepcionando um saque no treino em Brasília. Não foi sobrecarga. Tanto é que a gente tem treinado pouco. Com esses deslocamentos, diminuímos a carga. Tínhamos feito antes. Ontem, fizemos peso pela manhã e treinamos 2h com bola. Nunca foi pouco assim. Mas, em função do calendário, precisamos reduzir e tomar muito cuidado. Senão, não tem time no final.

Você falou em estar entre os três. Quais seriam esses times?

Estados Unidos. Sérvia, Itália, China… tem seis times com chance. O Japão melhorou muito.

Esse período mais forte de transição de renovação já passou? Você tem um time mais conciso em mãos?

Considero isso. Uma seleção boa teria jogadoras jovens, com 18 a 22 anos, outras de 25, 26, 27 e, depois, um pessoal mais maduro. Hoje, essas mais velhas estão mais longevas. Conseguiram uma sobrevida em função da melhora da alimentação, da parte física, descanso. Uma série de coisas que eu vejo as meninas terem um cuidado que chama muito a atenção. Eu vejo a Gabi. Tem cuidados com tudo o que você possa imaginar: tempo de descanso, musculação, alimentação… investe para isso acontecer. A vida super regrada. Ela se determinou a ser uma das melhores jogadoras do mundo. Isso que a gente tenta passar para as outras. Uma das coisas legais é liderar pelo exemplo. Eu vejo que a Gabi faz isso. Ela fala o que faz, como faz, a forma como evoluiu. É muito legal ter uma jogadora com esse perfil no time. Mostra o caminho. Fica até mais fácil para a comissão técnica. Hoje, a gente tem um grupo que também está mais consciente. Isso é muito gostoso. A gente se encontra em uma harmonia melhor de ideias, processo, do que estamos querendo. Falamos muito em representar o Brasil. Essa responsabilidade é muito grande. Ter amor e paixão por isso. É um sentimento muito forte. Estava falando com elas sobre isso. Eu conheci quatro tipos de jogadoras: a que quer ser convocada e estar entre as 16, depois aquela que quer estar entre as doas, a que deseja ficar entre as seis e a que quer ser a melhor do mundo. Temos que buscar essas duas últimas. Até o 20º ponto, todo mundo joga…

Intenção de Zé Roberto é garantir vaga nos Jogos Olímpicos de Paris-2024 no Pré-Olímpico
Intenção de Zé Roberto é garantir vaga nos Jogos Olímpicos de Paris-2024 no Pré-Olímpico (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Essa responsabilidade é muito grande?

É ter amor e paixão por isso. É um sentimento muito forte. Estava falando com elas sobre isso. Eu conheci quatro tipos de jogadoras: a que quer ser convocada e estar entre as 16, depois aquela que quer estar entre as 12, a que deseja ficar entre as seis e a que quer ser a melhor do mundo. Temos que buscar essas duas últimas. Até o 20º ponto, todo mundo joga…

Uma delas é a Júlia Bergmann?

Acho que sim. Está caminhando para isso. Desde pequena, foi muito clara em todas as opções da vida dela. Muito firme. Teve vários convites, pessoas querendo que ela fizesse outras coisas. Um deles fui eu. Gostaria que ela tivesse jogado o Mundial. Ela decidiu se forma e, depois, ser jogadora de vôlei. Ela é formada em Física (pela Georgia Tech). É muito difícil isso acontecer, até porque ela teve convite dos melhores times da Europa, do mundo. E ela manteve-se fiel à decisão. Chegou um pouco sem ritmo e está melhorando. Ela é focada nos objetivos, muito focada no que quer.

E no cenário internacional? Quem é protagonista?

A Gabi, hoje, é um parâmetro para o mundo. Depois, vejo fora a Egonu (Itália), a Boskovic (Sérvia), a Larson (Estados Unidos), a Li Ying e a Zhu, duas jogadoras chinesas muito boas. A Koga é uma jogadora fundamental para o Japão. Todo time tem uma ou duas que são grandes expoentes.

Quando vamos ter uma biografia atualizada sua?

É difícil. Não acho que tenho essa capacidade. Admiro quem faça, mas não tenho essas condições. Talvez um dia. As memórias…

Curte literatura? Qual é seu livro de cabeceira?

Gosto muito de ler sobre esporte de alta performance, estar muito atento do motivo dessas coisas acontecerem. O que é melhor? Você ser especialista ou versátil no que faz? Gosto muito de biografias. Exemplos de campeões, como chegaram, dificuldades que passaram, como conseguiram ser resilientes e suportar a pressão. Gosto de entender a cabeça deles. Djokovic, Nadal, Jokic, Federer que, para mim, é um dos maiores exemplos. É um do que faz parte dessa situação de generalistas. Federer gosta de basquete, de futebol e de estar com os amigos. A mãe era professora de tênis, mas nunca deu uma aula para ele. Fazia tudo. Gosto de livros que desafiam essa parte mental e mecânica. Como conseguiram movimentos tão adequados para praticar o esporte. Hoje, é O Segredo do Talento.

Treinador da Seleção Brasileira feminina rasgou elogios para jogadoras como Gabi e Júlia Bergmann
Treinador da Seleção Brasileira feminina rasgou elogios para jogadoras como Gabi e Júlia Bergmann (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Gostaria que falasse da sua relação com Santiago de Compostela. Fez duas promessas lá. Tem algo que queira conquistar e valha uma nova?

Olimpíada seria uma, mas não gosto de prometer. Deixo acontecer. Em 2012, não tinha a menor ideia de que voltaria ao Caminho de Santiago de Compostela, mas me ocorreu. É muito legal. O tempo que passei andando 800km (em 2003) e, depois, 150km com a minha mulher (2012) foi um momento bacana de introspecção, reflexão, pensar tudo aquilo que a gente passou. Aquele começo ruim da Olimpíada de Londres-2012 e nossa recuperação. Passo a passo, o grupo… foi uma epopeia. É legal quando você tem a possibilidade de dizer: "acabou, missão cumprida. Vou reviver tudo e ver o que foi certo e o errado."

E sua relação com Brasília? Como é o clima de jogar aqui?

Eu me sinto em casa. Todas as vezes tivemos uma energia fundamental e importante. De admiração das pessoas, solidariedade, estar junto nos ajudando o tempo inteiro nos momentos difíceis do jogo. Quando falam que a fase vai ser em Brasília eu digo: "ótimo". O pessoal das adjacências também que vêm assistir. Bom estar aqui.

Qual foi o efeito Tandara na decisão da Olimpíada? Como está a relação com ela?

Sempre foi boa. Sempre acreditei na Tandara e falei isso para ela. Continuo mantendo minha opinião. Foi uma infelicidade grande. Sentimos muito fazer uma semifinal sem ela. Dar a notícia para o grupo. Me chamaram 2h da manhã para falar. Perdemos uma das melhores atacantes que tínhamos no time. Sofremos muito. Se ela estivesse lá, acredito que o resultado poderia ter sido outro.

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