A porta do gabinete 804 se abre. Sentado à mesa, está um senhor de 70 anos. Atrás dele, um quadro modesto com o escudo de uma "nação". Ex-presidente do Flamengo, o carioca Eduardo Carvalho Bandeira de Mello (PSB-RJ) não abre mão da referência ao clube do coração no Anexo IV da Câmara dos Deputados. Futebol e política são inseparáveis na vida do homem considerado por muitos — e desconsiderados por outros — como responsável pela revolução financeira do time de maior receita nas Américas. O dirigente recebeu a reportagem do Correio Braziliense sem filtro por mais de uma hora. Não deixou pergunta sem reposta ao falar dos seis anos de mandato dele no período de 2013 a 2018; e da atual gestão, liderada pelo desafeto Rodolfo Landim desde 2019. A conversa teve momentos de emoção. Bandeira ficou com a voz embargada, por exemplo, ao falar sobre a tragédia do Ninho do Urubu. Ao tratar de política, abordou uma outra nação, mas não deixou de lado a que o deu relevância suficiente para ser eleito deputado federal. O início da caminhada no Salão Verde inclui a criação de uma frente de modernização do futebol e participação atuante na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar manipulação de resultados de partidas.
O senhor teve dois mandatos como presidente do Flamengo e ficou marcado pela reestruturação financeira do clube, embora com poucos títulos. Algum arrependimento?
Ganhamos o Carioca de 2014 e 2017, a Copa do Brasil (2013) e as duas Copinhas (2016 e 2018). São as que eu gosto de falar. Tínhamos duas e dobramos para quatro. Não há arrependimento. Em primeiro lugar, não fiz nada sozinho. Havia uma equipe. Um corpo de vice-presidentes fantástico, de diretores. Eu tenho certeza e a consciência tranquila de que fiz o melhor.
Poderia ter ido além?
Claro, mas se eu não fiz melhor, não foi por falta de dedicação, de empenho. Não tenho nenhum tipo de arrependimento. Se você perguntar se eu errei… Claro que todo mundo erra.
Quais foram os erros?
Em seis anos você erra muito. O que eu faria diferente? Acho que a gente trocou muito treinador e não precisava. Não é fácil administrar isso. Eu nunca fui executivo do futebol do Flamengo, apesar até de ter acumulado a vice-presidência, mas o futebol sempre foi gerido por um profissional de alto nível, diretor-executivo e tal. Eu nunca interferi em escolha de treinador, nem demissão nem em contratação ou dispensa de atleta. Eu procurava, em meu papel estratégico, dar o melhor apoio possível.
O senhor ficava desconfortável ao demitir um técnico?
Tem um treinador que está fazendo um excelente trabalho, mas aí os resultados começam a piorar e ele sofre pressões, inclusive de vocês (da imprensa). Se ele perde a tranquilidade, interfere no bom trabalho que ele estava fazendo. Às vezes, não tem outra alternativa se não substituir. Isso aconteceu com vários treinadores. Acho que nós todos poderíamos ter tido mais paciência.
O Hernane Brocador foi um dos heróis da conquista da Copa do Brasil de 2013 e joga no futebol candango. Acompanha times do DF?
Vou passar a acompanhar sabendo que o Brocador está no Brasiliense. Tenho boas lembranças daquela Copa do Brasil de 2013. O Flamengo estava longe de ser o favorito, mas eles resolveram se unir e fizeram um trabalho focado, superdedicado. A partir daquela disputa com o Cruzeiro nas oitavas de final, começamos a sonhar sério. Veio o Botafogo, o Goiás, depois o Athletico-PR. E como fez o Brocador no final, acabou (gesticula, sorrindo, cruzando as mãos).
O senhor fala de retrocessos na atual administração do Flamengo. Quais são?
Além da recuperação financeira, seguimos rigidamente princípios de profissionalismo e de impessoalidade. Não tinha toma-lá-dá-cá. A gente não trocava cargos, seja remunerado, seja não remunerado, por apoio político. Eu passei seis anos lá. Nunca contratei um parente, um amigo. Nenhum dos meus vice-presidentes fez isso. Todo o nosso processo de seleção e contratação de pessoal era absolutamente profissional, dentro das melhores práticas. A gente tinha que dar o exemplo para poder dizer não. Se o seu sobrinho, o seu filho for o melhor economista para aquela função, ele vai participar de uma seleção correta.
Há pressão por nepotismo?
Isso é comum nos clubes. Troca de apoio político por participação na administração. Não é bom. Sempre falei que o Flamengo tem que ser administrado com a transparência da melhor empresa pública e a eficiência da melhor empresa privada. Isso é obrigação. O interesse do Flamengo tem que estar sempre prevalecendo sobre qualquer interesse pessoal ou vaidade. Sempre foi seguido com rigor na nossa administração. A gente nunca olhou o interesse pessoal, de levar vantagem política.
Era assim também em negociações pesadas como cotas de tevê, por exemplo?
Quando o Flamengo assinou contrato com a Globo, em 2016, todos os clubes receberam uma parcela de luvas substancial. O Flamengo foi o único que não usou as luvas para imediatamente reforçar o time de futebol. A gente entende que luvas é uma receita não recorrente e não pode ser usada no custeio do clube. Nós investimos na construção do Centro de Treinamento, quitamos dívida e deixamos uma parcela expressiva daquele contrato para a administração seguinte. A gente não sabia nem quem ia ser. O diretor da Globo falou: 'isso daqui nunca vi. Você foi o único que fez isso'. Isso, de repente, poderia prejudicar o fim do meu mandato. Eu tenho que defender os interesses do Flamengo. Eu fiz porque era a coisa certa. Os interesses do clube têm que prevalecer sobre os pessoais, profissionais ou políticos dos dirigentes.
Quais são as regras de uma boa gestão?
Profissionalismo e impessoalidade. E não admitir, em hipótese nenhuma, conflito de interesses, um dirigente ter qualquer tipo de vantagem em um contrato, que nenhum conselheiro seja beneficiado em contratação de obras, compra de bens e serviços de uma maneira geral. Deveria ser uma regra de ouro dentro do Flamengo e não é o que a gente está vendo. Perseguição de sócios é uma coisa que essa atual administração trata quase como a política.
O senhor é vítima? É sua maior tristeza como rubro-negro?
Três vezes tentaram me expulsar do clube, né? Incomoda, dói. Eles têm todo o direito de não gostar de mim, mas não acredito que seja correto me prejudicar nem dentro, nem fora do clube. Não foi só eu. É comum. De vez em quando, tem uma comissão de inquérito para apurar, vamos suspender fulano. O objetivo deles era me expulsar. Não conseguiram ainda. Tenho que estar sempre alerta.
O senhor tem interesse de se candidatar novamente?
Eu não tenho essa intenção. Existe essa preocupação do outro lado. Tanto é que eles apresentaram uma emenda ao estatuto proibindo quem exerce cargo público de concorrer a qualquer cargo no Flamengo. Quantas pessoas isso atinge no universo de sócios? Uma pessoa só.
Mudaria de ideia?
Estou aqui na Câmara Federal. Quando começar o mandato do futuro presidente, eu terei mais dois anos de mandato no Congresso Nacional. Eu não poderia dar dedicação dos meus primeiros mandatos. Seria possível estabelecer uma governança em que você confiasse no vice-presidente, no CEO e ficasse focado nas questões estratégicas. Possível é, mas como eu sou a favor da alternância de poder, posso participar, e eu quero participar da futura administração em uma outra função. Isso é perfeitamente possível. Sou totalmente contra esse tipo de casuísmo. Então, já que eu não consegui expulsar, vamos impedir de participar das eleições. Ainda que eu não tenha a intenção, não acho correto fazer nenhum tipo de ação para impedir.
Márcio Braga conciliou vida política e Flamengo...
Isso é o tipo de coisa que acontece na história do Flamengo. O presidente Márcio Braga era deputado federal e conviveu sem problema nenhum. A presidente Patrícia Amorim era vereadora do nunicípio do Rio de Janeiro. O Roberto Dinamite foi presidente do Vasco e deputado estadual. Aqui, na Câmara Federal, tem vários presidentes de clubes exercendo o mandato. Quem tem de decidir é o eleitor.
O senhor acha razoável que uma torcida de 40 milhões de rubro-negros tenha um colégio eleitoral de 6.800 pessoas e outros estados impossibilitados de votar?
Um clube popular como o Flamengo, com torcedores no Brasil e no mundo inteiro, tem que se preocupar em alargar a base de votantes e não restringir. O que essa diretoria fez com os sócios off-Rio, tem vários aqui em Brasília, foi uma covardia. Isso é desrespeitar um conjunto enorme de torcedores. A maior parte da torcida do Flamengo está fora do Rio e são tão rubro-negros quanto eu. Então, por que não podem participar? Vários clubes já dão hoje direito de voto para sócios-torcedores. O Flamengo, não.
Como dar poder ao sócio e proteger a eleição do Flamengo?
Você pode estabelecer limitadores para que uma pessoa não entre de sócio-torcedor hoje e vote amanhã. Mas se pega um sócio-torcedor que está como eu, por exemplo, há mais de 10 anos, paga o plano mais caro, por que não pode votar para presidente do clube? Por que ele não frequenta o clube? O Flamengo não é só um clube da Zona Sul do Rio, clube social. O Flamengo é uma nação.
O futebol está passando por uma empreitada contra o racismo. Como representante do povo, o que pode ser feito?
Isso é uma das maiores covardias. Discriminar uma pessoa pela cor da pele. O Brasil tem uma herança racista. A gente precisa lutar contra ela. O que o Vinicius Junior está fazendo é admirável. Racismo na Espanha sempre existiu. Quando cheguei no Flamengo, o Vini tinha 12 anos, um potencial fantástico, mas era uma criança. Outro dia, ele estava lá brincando no Sub-13 do Flamengo. Hoje, talvez seja o maior jogador do mundo e tem coragem de enfrentar essa covardia. Não se omite, encara.
Qual foi a sua reação ao ao ver os atos racistas contra o Vinicius Junior?
Senti muita tristeza. É um menino que eu vi crescer. Senti muito orgulho de ver que ele está lá brigando. Se não é a atitude dele, a gente passaria pano mais uma vez. Todo mundo está mais ligado nessa questão do racismo, uma agenda que deveria ser obrigatória para todo mundo. Graças ao Vinicius Junior, está na ordem do dia. Estou muito orgulhoso de ver o que ele está fazendo. Virou um herói.
Lá se vão quatro anos da tragédia do Ninho do Urubu e as famílias clamam por Justiça.
Essa foi a maior tragédia da história do Flamengo. E é uma coisa de uma tristeza (pausa, emocionado). Eu senti isso profundamente porque eu acompanho as categorias de base do Flamengo desde antes de ser presidente. Dois meses antes da tragédia, eu estava colocando medalha no peito desses meninos, quando eles ganharam Carioca do Sub-15 contra o Fluminense, na Gávea. Fiquei muito abalado. Não consigo dimensionar a dor dessas famílias. Não existe nada pior do que perder um filho e, principalmente, naquelas circunstâncias.
A tragédia foi pouco depois da passagem de bastão do senhor para o atual presidente. Como avalia a conduta do Flamengo?
O Flamengo não lidou bem com aquilo. É uma questão que uma futura administração deveria retomar. Agir de maneira a quitar, resgatar esse passivo social enorme. O processo também foi muito mal conduzido, mas eu tenho esperança, praticamente certeza, de que, no meu caso particular, a Justiça vai ser feita. Eu não era mais presidente quando aconteceu o incêndio. Antes de eu sair, a gente tinha trocado os meninos de lugar. Uma das tentativas de expulsão minha do Flamengo é porque eu falei isso com todas as letras. Os meninos ocupavam as instalações novas, em dezembro. O planejamento era começar 2019 com a base no Centro de treinamento 1 e os profissionais no 2. Ele estava pronto, inaugurado, concluído. O que aconteceu depois eu não sei o que é, porque voltaram para as instalações provisórias.
Virou um jogo de empurra depois da tragédia...
Jamais vou colocar culpa em ninguém. Quem lê o processo vê: o que causou o incêndio não tem absolutamente nada a ver com o que se falou das instalações do módulo. Quem tem alguma dúvida sobre o que aconteceu deve ler o processo. Tem, inclusive, um parecer da maior autoridade em direito penal do Brasil, o professor Juarez Tavares. A justiça será feita. Agora, como o Flamengo vai lidar com isso, na sua história, relação com a família dos meninos, precisa ser passado a limpo.
O senhor deita no travesseiro e consegue dizer: essa culpa da Tragédia do Ninho eu não carrego?
Lógico. O que fica para mim nessa tragédia toda é uma tristeza profunda pela dor das famílias, pelos meninos que perdemos. Qualquer tentativa de imputar culpa a mim, a Justiça vai resolver. Eu confio na Justiça, acho que é mais uma atitude covarde desse pessoal.
O senhor tem vivência nos tapetes verdes da bola. Agora, frequenta o Salão Verde da Câmara. Como avalia os primeiros meses de mandato em Brasília?
A experiência, não só no Flamengo, mas no BNDES, é muito importante para tudo. No caso do Flamengo, foi o que me projetou mais. Se eu fosse simplesmente um executivo do BNDES, nunca teria sido eleito. Nem tentaria, porque eu seria um desconhecido. Lidei mais com o Congresso Nacional como presidente do Flamengo do que como funcionário do BNDES. Na época que a gente estava tentando aprovar o Profut, vinha para Brasília toda semana. Então, eu já tinha essa relação com Congresso e está sendo bastante útil. Nunca tive nenhuma experiência na política, não fui nem síndico de edifício, mas eu fui presidente do Flamengo, uma nação de mais de 40 milhões de torcedores.
O senhor não está morando na cidade. A rotina de vai e vem é intensa?
Acho que não é a realidade de nenhum deputado, a não ser os que são daqui. Estou morando metade em Brasília e metade no Rio de Janeiro. Sempre gostei da cidade, desde que eu comecei a vir aqui nos anos 1980, pelo banco. Sempre fui muito bem tratado, me senti em casa, até porque a maior parte da população é rubro-negra. É uma cidade muito acolhedora, principalmente para quem trabalha ligado ao setor público. Eu optei por morar em um hotel porque venho para cá sozinho. Minha mulher não vem. Meus filhos estão crescidos também e eu não teria o que fazer com um apartamento funcional de 300m². Eu posso ser competente para algumas coisas, mas para administrar a casa eu sou profundamente incompetente. Minha mulher só me deixa tomar conta do cantinho do lado esquerdo da cama, ali na suíte e olhe lá.
Onde está sendo seu cantinho preferido?
Se você considerar as últimas semanas, meu cantinho é lá no plenário, mas tem dias que a rotina é um pouco melhor. Tem muitos lugares que eu já começo a frequentar e me sinto em casa. Até porque muitas vezes quando o Flamengo joga no meio de semana eu estou aqui. Já fui algumas vezes no Resenha, no Líbanos. Esses lugares ilustram bem. Mesmo sem ter jogo do Flamengo, Brasília é uma cidade muito boa para comer, tomar um vinho, bater papo com os amigos. Eu não tenho nenhum problema de adaptação.
Entre todos os titulares e suplentes da CPI, o senhor é um dos nomes com experiência mais ampla no dia a dia administrativo de um clube. Como acha que pode contribuir?
Essa CPI é uma iniciativa paralela ao que está sendo feito pela Polícia Federal, pelo Ministério Público. A postura dela tem que ser colaborativa. Os trabalhos estão só começando. Acredito que a minha vivência como dirigente pode ser interessante. Mas vamos esperar a coisa evoluir mais. Com certeza não sou só eu. Tem vários dos integrantes que são dirigentes ou ex-dirigentes e eu acho que a experiência de todos vai ser muito valiosa.
Além dos jogadores, quais figuras estão na alçada de depoimentos da CPI?
Qualquer indício de participação tem que estar no radar da CPI. Por competência do presidente Hugo Jorge Bravo, do Vila Nova, nós ficamos sabendo disso. E a gente sabe que manipulação de resultados esportivos no Brasil existe, pelo menos, desde os anos 1980, quando surgiu aquela máfia da loteria esportiva. Na época, houve muita badalação, muita gente envolvida, jogadores. Então, não se chegou a nenhuma ação no sentido de inibir. Depois, teve a máfia do apito, em 2005. E ali teve alguma consequência esportiva. Inclusive, o próprio campeão brasileiro do ano mudou. Esses casos anteriores envolveram árbitros, atletas, dirigentes e até jornalistas. Nenhuma dessas categorias profissionais pode ser descartada. É questão de tentar trabalhar com critério e com atenção para não cometer injustiças.
O presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, foi apontado como um possível depoente…
A CBF é o principal órgão de administração do futebol brasileiro. Eu acredito que seja até de interesse colaborar com o processo. Antes da instalação da CPI, a CBF tornou público, inclusive, um documento em que ela se colocava inteiramente à disposição das autoridades para ajudar na elucidação, minimização e erradicação desse processo de manipulação. Então, eu acredito que, se a CBF se colocou à disposição, não vejo porque os dirigentes, o presidente, não pudessem ser convidados a participar.
O senhor teve conhecimento ou algum indício de tentativa de fraude de resultados no Flamengo?
Eu deixei de ser presidente do Flamengo em dezembro de 2018. De lá para cá, eu sou um torcedor de arquibancada. Nunca mais entrei em um vestiário. Eu não posso falar sobre nada que envolva o Flamengo, nem qualquer outro clube.
Como vê a atuação das casas de apostas no Brasil? Só o Cuiabá não tem na camisa...
Não tem problema ser patrocinado por uma casa de apostas, desde que tivesse certeza de que não está envolvida com nenhuma irregularidade. Os clubes têm responsabilidade social, compliance, evitar qualquer tipo de irregularidade, mas, por enquanto, ainda não apareceu nenhum tipo de indício que estão envolvidas com a manipulação. Se tem alguém ganhando dinheiro de maneira ilícita com esse processo, é sinal que tem alguém perdendo também. E, nesse caso, quem perde são eles.
O Fluminense é patrocinado pela Betano, a mesma marca dos naming rights da Copa do Brasil. Interpreta isso como conflito de interesses?
Isso independe de apostas. Com ou sem, você tem que evitar determinados conflitos. Pode ser tratado nessa norma que vai regulamentar e estabelecer a tributação das apostas. A Frente Parlamentar para Modernização do Futebol Brasileiro vai tratar de vários assuntos. Vários deles, inclusive, relacionados a administração e gestão das entidades de administração do futebol e dos clubes também. Então, esse é um bom ponto que vocês estão levantando que a gente pode tratar lá na frente.
O senhor é autor de um PL prevendo aumento de pena para profissionais envolvidos em manipulação de resultados...
Apresentei no dia em que apareceu a primeira denúncia. Não tinha apuração, ainda não sabiam de todo o trabalho do presidente do Vila Nova. Foi, simplesmente, a partir do momento que aparece o indício. Eu tomei essa iniciativa de apresentar um PL para aumentar a pena dos envolvidos quando eles são atores relacionados ao jogo. Mas vai ser apreciado ainda, pode ser aperfeiçoado ao longo do processo.
Como avalia as punições esportivas?
É superimportante que a justiça esportiva aja com rigor, até para que a ação sirva de exemplo, de alerta, para que outros atletas não se envolvam com esse tipo de atividade. Claro, agindo dentro do que prevê o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), mas, se necessário, até adaptá-lo para lidar com essa situação. O STJD tem que agir com rigor mesmo e, nesses primeiros casos, eles estão interessados em colaborar e é superimportante que ninguém passe pano para uma atividade criminosa.
Os atletas vêm fazendo protestos contrários à Lei Geral do Esporte. Pedem vetos de artigos por parte do presidente Lula. Qual sua avaliação da demanda deles? Concorda?
Eu não estava aqui quando foi discutida a Lei Geral do Esporte. Tem muita coisa boa e que pode contribuir, mas a gente tem que estar atento para o aperfeiçoamento constante. Com relação a demanda, embora eu não conheça profundamente, acho que os atletas sempre foram sub-representados em todos os processos de formulação legislativa e mesmo na administração do esporte. Você vê que várias federações e confederações, inclusive no Brasil, preveem a participação de atletas no processo decisório.
Defende maior participação dos jogadores na gestão do futebol?
Quem acompanhou a minha peregrinação por Brasília sabe que eu defendo há muito tempo que a governança das entidades de administração do esporte seja mais democrática. Nem os clubes têm poder para definir os destinos da CBF, quanto mais atletas e outros profissionais ligados ao futebol. Na época, havia um movimento chamado Bom Senso Futebol Clube. Foi, para mim, uma iniciativa espetacular. Inclusive, nos ajudou muito a fazer com que o Profut não fosse simplesmente mais um Refis para ser descumprido pelos clubes.
Acha que um movimento como o Bom Senso Futebol Clube faz falta?
Eu lembro com saudade do Bom Senso Futebol Clube e acho que, neste momento que a Lei Geral do Esporte está sendo parcialmente contestada, deve-se pensar em um retomada de alguma coisa parecida, de um órgão de representação dos atletas e isso, quem sabe, pode evoluir também para outras categorias que militam no esporte.
O senhor encabeçou a criação da Frente Parlamentar pela Modernização do Futebol… Do que versa?
Teve uma receptividade muito boa na Câmara, tanto que conseguimos quase que imediatamente as assinaturas necessárias. É um assunto que não é super ideológico. Você pode ser um deputado de esquerda, de centro-esquerda, liberal ou de centro para apoiar iniciativas de modernização do futebol.
Iniciativas essas implementadas pelo senhor na passagem pelo Flamengo?
Quando cheguei no Flamengo, falei do passivo financeiro enorme, mas tinha um ético e moral maior. Era atribuído ao clube, e com razão, a pecha do mal pagador, e isso não é um bom exemplo para 40 milhões de torcedores. Boa parte das pessoas têm no futebol o principal ponto de contato com a realidade. Tem criança, pessoas humildes que, muitas vezes, não entendem discussões sobre política e economia, mas percebem quando alguma ação reprovável está acontecendo no seu clube de coração. O torcedor não quer só ganhar dentro de campo. E aí, nesse sentido que a gente falou: nós vamos fazer os sacrifícios que forem necessários para resgatar esse passivo ético e moral e para dar bom exemplo. E foi o que a gente conseguiu fazer ao longo dos seis anos que ficamos por lá. O Flamengo deixou de ser um clube desrespeitado por todas essas razões e passou a ser reconhecido como um clube cidadão.
A ideia, então, é expandir aos outros clubes do futebol brasileiro?
Esse princípio pode ser extrapolado para o futebol brasileiro como um todo. Em vez de falar de 40 milhões de torcedores do Flamengo, são mais de 200 milhões de brasileiros. Todos eles adoram futebol e gostariam que fosse levado a sério. Tenho certeza que, se o futebol andar na linha, for um bom exemplo, isso vai se refletir em políticas públicas da área de educação, de saúde, de economia, seja o que for.
Já existe uma pauta definida na Frente?
Estamos criando essa Frente para tratar de futebol, mas projetando uma coisa muito maior. São vários assuntos que precisamos discutir no sentido de modernizar, de moralizar e de projetar exemplos positivos a partir de vários desses assuntos que separamos em quatro frentes (Governança no futebol; Futebol e trabalho; Futebol, o espetáculo; e Além das quatro linhas). Tem assuntos na ordem do dia. Ciência do esporte, podemos discutir o futuro dos direitos de transmissão, a organização dos clubes em ligas. A Frente Parlamentar vai ser um fórum de debate de vários assuntos ligados ao futebol com consequências na sociedade brasileira como um todo.
E como fazer tudo isso se integrar e funcionar na realidade dos clubes?
Os clubes estão se adaptando a um novo modelo societário, alguns estão virando SAFs, outros querem continuar como associações. Essa coisa da governança das entidades de administração pode e deve ser discutida. Tentamos no Profut, não deu para fazer tudo que a gente queria e acho que podemos discutir isso agora. Essa coisa de relações trabalhistas, por exemplo, também é um assunto. Responsabilidade social e ambiental.
Temas poucos abordados nos clubes brasileiros...
As grandes empresas brasileiras já perceberam que, para sobreviverem no mercado competitivo, têm que se adaptar aos requisitos do ESG (sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa, na sigla em inglês). Hoje em dia, uma grande empresa que não for aderente não compete, tem dificuldade para obter financiamento, vender seus produtos. Está todo mundo de olho nisso, mas não chegou no futebol. Nem o fair play financeiro chegou, quanto mais o ambiental, social e você vê que no exterior isso é uma realidade. Na Alemanha, por exemplo, tem requisitos de sustentabilidade ambiental e ações sociais que são mandatórios.
E como fazer isso dar liga por aqui?
Foi uma iniciativa dos próprios clubes da Bundesliga com o apoio da população, da imprensa. Estão em um estágio muito além do que nós. Por que a gente não pode sonhar com isso? Futebol é exemplo. Isso vai chamar atenção para que em todos os setores da economia, em toda a sociedade brasileira, esse tipo de questão seja considerada e respeitada. É muito mais fácil você fazer uma criança, um jovem ou uma pessoa que não tenha muita ligação com os assuntos da política brasileira entender isso através do futebol. É claro, vamos propor alguma coisa que vai ser ótima para o negócio futebol, mas também como um reflexo que eu imagino que seja altamente positiva para a sociedade brasileira como um todo.
A bancada do esporte tem nove parlamentares na Câmara. Vocês fazem alguma integração por pautas de interesse comum?
Nossos assuntos não estão, necessariamente relacionados a uma determinada ideologia. Então, eu não vejo problema. Inclusive, a Frente Parlamentar está aberta a todo mundo que queira participar. Durante a CPI, eu estava agradecendo ao presidente do Vila Nova e aproveitei para convidá-lo para participar dos trabalhos. O deputado Leur Lomanto (União-BA), que é ligado à Associação Desportiva Jequié, imediatamente falou 'gostei disso, eu quero participar também'. Seja bem-vindo. Então, acho todo mundo que quiser é bem-vindo nesse assunto. Inclusive, quem não for parlamentar também.
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